terça-feira, 13 de outubro de 2015

Aprontando o lápis

 
O escritor Ruy Castro apresentou mais um brilhante artigo, que tratou de tema curioso. David Rees, cartunista americano, abandonou a antiga carreira e passou para a lida de “apontador de lápis”, dentro do mais perfeito rigor profissional. Cobrava quarenta dólares por lote, hoje já nem se sabe quanto, valendo-se de sofisticados equipamentos, entre lixas e tornos.

Imagino que o seu trabalho seja restrito a um seleto público, exigente a ponto de conferir nas próprias bochechas a excelência do resultado.

Admirei o artigo pela excentricidade do ofício, mas muito pela tentativa de David em manter vivo um instrumento que tentam sepultar, em função da avassaladora onda da informática e das demais formas de mensagem, que deixa obsoletos lápis e caneta.

Bem na minha frente, sobre a mesa, tenho uma larga caneca repleta de lápis. Com satisfação, mantenho-os impecáveis, prontos para novas aventuras. Afirmo que nem preciso dos serviços de David, lançando mão de um antigo apontador de metal, herdado do meu filho.

Lembro-me, saudosista, dos vários empregos desse empertigado e longo pedaço de pau, que risca e rabisca quase todas as superfícies, abusando, inclusive, do frágil papel, produzindo recados, cumprimentos, desaforos, desenhos, chegadas, partidas, dedicatórias, notícias e muitas, muitas, declarações de amor.

Sou adepto do bilhete. Faço, ainda, uso constante. Não fico vexado em deixar papeluchos ou enviá-los, embora saiba da força do face, Whatsapp, e-mail, torpedo e de outras invencionices. E sempre por meio do lápis. A minha caligrafia agradece. Ela se faz mais bonita. Até a Língua Portuguesa ganha com isso, pelo bom tratamento recebido, pois nós sabemos dos maus tratos impostos pelos outros modelos de comunicação.

O bilhete assinala que a outra pessoa esteve presente, fazendo com que a escrita leve um pouco dela. O sentimento é conduzido de forma forte ou fraca, conforme a intensidade do segurar no lápis, a raiva ou a mansidão de momento e o tipo de grafite. A relação é real, emocional e estritamente pessoal.

Falar nisso, habituei-me a conduzir no bolso da camisa um afiado lápis. A gente nunca sabe quando terá necessidade de escrever as tais mal traçadas linhas, não é?

Alfredo Domingos