Possuímos
“palavrinhas” que insistem em fazer parte de nossas conversas e textos, mesmo
que não sejam, digamos, elegantes. Grudam, que geram tarefa difícil para
deletá-las, quando conseguimos.
Alguns
as consideram vícios de linguagem. Exemplos: hã, hein, tá, né, tipo, entende e
veja bem. Vamos ficar com esta última. A adoção do “veja bem” é disfarçada, não
sendo muito inconveniente, o que não ocorre com o tal do “entende?”. Este é
chato, que dói!
Com
a licença do rei Pelé, aquele “entente?”, repetido à farta, é de lascar! Não à
toa, os humoristas o imitam.
Situações
em que o “veja bem” aparece com força: para buscar atenção; para pausar ou dar
pausa ao outro; para ganhar tempo; para articular ou se lembrar; para ser
incisivo; para mostrar autoridade ou conhecimento; e por aí vai, quase sem
fim...
A
coisa vai ladeira abaixo, se o falador, ao dizer o bordão, segura o braço do
interlocutor, e mantém a pressão.
Tio
Carlito era um desses adeptos do “veja bem”. Era, porque já bateu a
caçoleta. Mas imagino que, até, no momento do sepultamento, teria proferido o
bendito “veja bem”, ao coveiro. Não deve ter adiantado, né? (estou eu usando o
“né?”...)
O
tio fazia tanto uso, que não conseguia entabular conversação sem incluir o
“veja bem”. Passou a ser a sua marca. A maioria dos ouvintes encarava como
característica bem-humorada. Havia, a título de gozação, quem dissesse: - Pronto,
chegou o “veja bem”!
No tête-à-tête,
mandar um “veja bem” cai suave. Ainda mais, se for pausadamente, com voz
cavernosa. Imprime certo charme, convenhamos!
Porém,
ao celular, no e-mail ou na conversação aberta surge a estranheza. Confesso:
não aprecio!
Quando
usamos “veja bem, meu bem” é porque uma bomba está para estourar! Frustração a
caminho. É quase impensável que ao dizer “veja bem, meu bem” iremos acrescentar
o espetacular “Eu a amo”. Na canção de Los Hermanos, isso rompe de chofre, numa
explosão: “Veja bem, meu bem. Sinto te informar que arranjei alguém pra me
confortar”. Aí, não tem jeito. A casa cai! (a canção leva a autoria de Marcelo
Camelo, e possui o criativo nome de “Veja bem, meu bem”)
Caio
Fernando Abreu, escritor inspirado, escreveu: “Ô menina, “veja bem”... Ouça uma
boa música, leia um bom livro e bola pra frente. Pode parecer clichê, mas
funciona. Vá por mim”. Soa doce esta mensagem. Permite que pensemos na
continuidade e, indo além, exprime conselho, com tom de afago.
Contudo,
não podemos nos esquecer do “veja bem” simples, elementarmente simples.
Exemplo: - Querida, “veja bem” estas letras. No caso, não carece de ter dúvida.
O pedido é para olhar com exatidão, somente, não residindo nenhuma antipatia.
Seu
Chico é aquele porteiro “pau para toda obra”, no meu edifício. Funcionário
antigo, ainda pratica a reverência no exercício da função. Estimado por todos.
Porém, é um outro elemento, de canequinha, na fila do “veja bem”. Ao entregar
encomenda ou correspondência, aos moradores, não titubeia, acrescenta o tal do
“veja bem”, assim: - Seu Fulano, “veja bem”, tenho esta encomenda para o Sr. E,
também, desta maneira: - Dona Fulana, “veja bem”, o seu gato escapou para a
vizinha, tá sabendo?
Como
resido no primeiro andar, debruço-me na janela, ainda cedo, para observar e
ouvir o papo bem-humorado dos porteiros da vizinhança, incluindo o bom Chico,
enquanto todos varrem as suas calçadas. Trata-se de um concerto da piaçava, no
início da lida. Pra lá e pra cá... As histórias ali expostas dão um livro. São
interessantes. Curiosas.
Em
um dos dias, Chico aventurou-se. Sugeriu em voz alta: - Pessoal, “veja bem”!
Tive uma ideia. Num domingo, poderemos sair daqui, de bike, e fazermos um longo
passeio. “Veja bem”, talvez, para o Aterro do Flamengo.
O
baixinho, do prédio em frente, intrometeu-se: - Eu topo! Posso até colocar a
minha camisa do Mengão. Cobra-Coral, Papagaio, Vintém, vou vestir rubro-negro e
não dará pra ninguém, como fala o samba da Estácio de Sá. Que tal, se todos
forem com as camisas dos seus clubes?
Chico
reagiu: - “Veja bem”, sou vascaíno e assumo! Tenho até camisa nova - apoiando-se
no cabo da vassoura.
Reginaldo,
do edifício da esquina, puxando a vassoura, foi chegando-se, e largou a fofoca:
- Aquele “bacana” da SUV preta, que passa sempre correndo, deu-se mal. Andou de
jet-ski, tombou, e ficou todo arrebentado. Silvinho, um morador nosso, bateu
com a língua nos dentes, mas pediu segredo, hein! Se ele contou, porque eu não
posso contar... (risos)
De
novo, Chico entrou na conversa: - “Veja bem”, essas coisas acontecem... e com
todos. Não é privilégio de A, B ou C, infelizmente - mostrando nos dedos.
“Veja
bem”, fiquemos por aqui. O bordão foi repetido à exaustão. Vamos dar um basta,
se não será o roto falando do esfarrapado. Notemos, de leve, a repetição absurda
de “veja bem”, neste texto. Ave!
Alfredo
Domingos – 15/09/2022