sexta-feira, 26 de maio de 2017

Cinderela urbana

Fonte da imagem: foto do autor (17/5/2017)

Desci do vagão do metrô, afobado, andando acelerado, na direção da rua. Estação Uruguaiana, no Centro do Rio. Manhã sob nuvens e vento frio circulando.

O trabalho aguardava-me com um repertório extenso de tarefas. 

No início da escada rolante, constatei que ela estava parada. Não sabia do que se tratava. Um transtorno a mais, apenas. Pus-me a subir os incontáveis degraus. De certa forma despreocupado, considerando que fora obra do acaso.

No topo da escada, no entanto, fiquei surpreso ao verificar o exato motivo da paralisação do meio de acesso.

Como a imagem acima expõe, o “pomo da discórdia” era um sapato de salto, de elegante confecção, que, por descuido ou outro motivo mais grave, ficou preso na plataforma superior da escada rolante.
 
A dona do objeto, a protagonista da cena, que roubava esta posição do sapato, era moça de trinta e poucos anos, de cabelos longos e alourados. Trajava conjunto de saia e blazer, ambos em cor pastel, blusa branca discreta, meias finas compridas, um lenço de tom róseo, de seda, envolvendo o pescoço, e, completando, a bela figura, diga-se de passagem, trazia uma pasta preta, que induzia a pensarmos que havia um laptop no seu interior, o que é equipamento que oferece “status”, mesmo nos dias atuais, nos quais as redes comerciais oferecem o material a preços acessíveis, em parcelas generosas e a longo prazo. A descrição fundamenta a condição observada por mim de que se tratava de gente de bem, que certamente se tornou vítima de um infortúnio profundamente desagradável, cujas consequências jamais foram pensadas. 

Anote-se que a fila dos passantes, com aqueles que não conseguiram galgar a escadaria, era enorme, já fazendo burburinho em sinal de reclamação pela espera.  

A descrição, falemos de novo, ganha consistência, quando revelo que ao redor da moça havia volumoso grupo de homens, todos gentis ao extremo, na tentativa de livrar o sapato. Ops!... Retifico - na tentativa de livrar a criatura, isto sim, do aperto pelo qual passava. Heróis em potencial, para tentar aproximação - eu imagino. 

Cinderela da cidade, na brincadeira de Saci Pererê, num pé só, fazendo o possível para manter-se em posição ereta. Beleza reluzente, mesmo no aperto.

O que acabou ficando engraçado, confesso, foi a minha atitude repentina de atravessar a massa do entorno, abaixado, afastando um a um, para chegar até a moça. Ufa! Ponha luta nisso, viu! Com o celular na mão, meio sem graça, cheguei a ela. Quando me dirigi:

- Incomoda-se que eu tire uma foto do sapato preso? Achei a situação inusitada. Como sou cronista, penso ter conseguido uma boa matéria. Risos! Não incluirei você, em respeito a este momento constrangedor. 

Recebi de volta a aceitação, sem problema.

Retirei-me do local com sorrisos. Refleti que as situações ridículas ocorrem e que estamos sujeitos a elas (a restrição é que a pessoa não deve se machucar, obviamente). Ter espírito desarmado ajuda bastante. Os aborrecimentos estão por aí a nos rondar, então para quê o estresse, se o seu sapato ficar preso, se suas chaves caírem no bueiro ou, ainda, se houver um escorregão na rua?

Libere-se, viver requer “savoir-faire”!

Alfredo Domingos

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Para não chegar (pressa, incertezas e afins)

Estamos envoltos no “indo” (gerúndio) e no “será (futuro). Coitado do presente, abandonado. Geralmente, residimos na transição – “a empresa está revendo as suas estratégicas”; “os empregados estão sendo capacitados”; a lei passa por mudanças; para citar algumas das falas e procedimentos. Ou, então, tudo se resolverá para frente – “a empresa entrará em novo ciclo de prosperidade; “o governo tomará todas as providências”; “novos servidores serão admitidos, proximamente”; e, assim, transpomos o presente na busca do que ainda virá, e que sempre será algo novo e maravilhoso... pena que, somente na imaginação e nos planos “furados”! 

Pergunta: quando o presente acontece, afinal? (para não dizer “quando o presente estará presente?”) 

Tudo fica para depois. Tudo precisa ser refeito. Tudo está inacabado, em pleno 2017. 

Outra pergunta: quando virão a “prontificação”; o “resolvido”; o “estamos já na nova fase”; e o “planejamento encerrado e colocado em prática”? 

Precisamos penetrar e fincar o pé nas vozes ativa e passiva dos verbos, para que expressemos que as questões estão efetivamente resolvidas. Dessa forma, é que as coisas são encerradas. 

Duas moças pedalavam as suas bicicletas reluzentes, na Orla Conde, no Centro do Rio, semana passada, trocando ideias sobre alguma corporação que tem a sigla “KST” (não sei do que se trata). O que consegui ouvir da conversa, num curto tempo, foi: “A KST está repensando as suas políticas. Em breve ocorrerão mudanças”. 

Desculpem-me as moças, mas disseram o nada! Claro, que não acompanhei o contexto. Foram duas frases soltas para os meus ouvidos, porém, é necessário possuir muito contexto para que esse trecho tenha alguma relevância. 

Praticamente, todos nós estamos nessa vibe de mexer, alterar, revitalizar, reformar, etc., pretendendo chegar, sem alcançar resultados concretos. É um querer sem fim, brilho nos olhos para conquistar. Ansiedade. Alegria extrema. Mas ficando pelo caminho, infelizmente. 

O procedimento antigo do fazer devagar, com cautela, estudando prós e contras, para obter solidez, está em desuso. No embalo do face e do zapzap, com dedos nervosos, vamos antecipando, pulando etapas, terminando de qualquer jeito. Ampliando águas, que não deságuam em oceano algum. A pressa está dominando as ações. Corre-se para o quê? Chegamos sempre atrasados! Não é verdade? 

Aliás, a pressa merece reflexão. Estamos todos afobados. Espavoridos e esbaforidos! 

Reparo que rapidez e proatividade são diferentes da pressa louca. Realizar uma tarefa com pressa, às vezes, é melhor não fazê-la. Há confusão nesse quesito. 

A pressa desponta quando algo saiu do seu curso normal, geralmente motivado por falha no planejamento. O apressamento contamina as outras pessoas. Daqui a pouco, já estamos todos correndo com os nossos afazeres.

Surgem casos de a pressa virar rotina, o que estressa e faz com que o produto final das várias tarefas fique prejudicado. Aí, voltamos ao gerúndio e ao futuro. No meio da correria, começam os comentários: “Fulano está fazendo tal coisa para me entregar. Só depois, farei isto”; “estou aguardando pelo relatório “x”, para realizar a minha parte”; e “somente amanhã, conseguirei terminar este trabalho”. 

A qualidade cansou-se. Esvaiu-se. Para recuperá-la, precisaremos de tempo e de trabalho. Entendo que o pouquíssimo está muito, nas contrapartidas das exigências. É um vazio de solução que está por aí. 

E o detalhamento? Sofrido. Relegado. Não temos paciência nem atenção para aparar arestas, contornar situações, aplicar berloques, longas explicações e usar a correta Língua Portuguesa. Tristeza! 

Há, porém, a certeza de que um dia, mesmo demorando, teremos que chegar... e alcançar os objetivos. Não podemos procrastinar por toda a vida. Atitude, irmão! 

Alfredo Domingos