Fonte da imagem: foto do autor (17/5/2017)
Desci do vagão do metrô, afobado, andando acelerado, na direção da rua. Estação Uruguaiana, no Centro do Rio. Manhã sob nuvens e vento frio circulando.
O trabalho aguardava-me com um repertório extenso de tarefas.
No início da escada rolante, constatei que ela estava parada. Não sabia do que se tratava. Um transtorno a mais, apenas. Pus-me a subir os incontáveis degraus. De certa forma despreocupado, considerando que fora obra do acaso.
No topo da escada, no entanto, fiquei surpreso ao verificar o exato motivo da paralisação do meio de acesso.
Como a imagem acima expõe, o “pomo da discórdia” era um sapato de salto, de elegante confecção, que, por descuido ou outro motivo mais grave, ficou preso na plataforma superior da escada rolante.
A dona do objeto, a protagonista da cena, que roubava esta posição do sapato, era moça de trinta e poucos anos, de cabelos longos e alourados. Trajava conjunto de saia e blazer, ambos em cor pastel, blusa branca discreta, meias finas compridas, um lenço de tom róseo, de seda, envolvendo o pescoço, e, completando, a bela figura, diga-se de passagem, trazia uma pasta preta, que induzia a pensarmos que havia um laptop no seu interior, o que é equipamento que oferece “status”, mesmo nos dias atuais, nos quais as redes comerciais oferecem o material a preços acessíveis, em parcelas generosas e a longo prazo. A descrição fundamenta a condição observada por mim de que se tratava de gente de bem, que certamente se tornou vítima de um infortúnio profundamente desagradável, cujas consequências jamais foram pensadas.
Anote-se que a fila dos passantes, com aqueles que não conseguiram galgar a escadaria, era enorme, já fazendo burburinho em sinal de reclamação pela espera.
A descrição, falemos de novo, ganha consistência, quando revelo que ao redor da moça havia volumoso grupo de homens, todos gentis ao extremo, na tentativa de livrar o sapato. Ops!... Retifico - na tentativa de livrar a criatura, isto sim, do aperto pelo qual passava. Heróis em potencial, para tentar aproximação - eu imagino.
Cinderela da cidade, na brincadeira de Saci Pererê, num pé só, fazendo o possível para manter-se em posição ereta. Beleza reluzente, mesmo no aperto.
O que acabou ficando engraçado, confesso, foi a minha atitude repentina de atravessar a massa do entorno, abaixado, afastando um a um, para chegar até a moça. Ufa! Ponha luta nisso, viu! Com o celular na mão, meio sem graça, cheguei a ela. Quando me dirigi:
- Incomoda-se que eu tire uma foto do sapato preso? Achei a situação inusitada. Como sou cronista, penso ter conseguido uma boa matéria. Risos! Não incluirei você, em respeito a este momento constrangedor.
Recebi de volta a aceitação, sem problema.
Retirei-me do local com sorrisos. Refleti que as situações ridículas ocorrem e que estamos sujeitos a elas (a restrição é que a pessoa não deve se machucar, obviamente). Ter espírito desarmado ajuda bastante. Os aborrecimentos estão por aí a nos rondar, então para quê o estresse, se o seu sapato ficar preso, se suas chaves caírem no bueiro ou, ainda, se houver um escorregão na rua?
Libere-se, viver requer “savoir-faire”!
Alfredo Domingos