quinta-feira, 21 de março de 2019

A todos os ventos eu peço coragem



A cada estrela, estrada.

Ao mar que não morre nunca

Eu peço coragem.

E ao sol e a lua. E a todo o firmamento.

A cada pássaro, a cada pedra,

Cada bicho da terra e do ar...

Eu peço coragem a tudo o que vive,

Agora,

E ainda viverá...

Coragem pra cavalgar os dias,

Navegar nas horas.

E a cada minuto e segundo sonhar.


Rosana Murray (autoria)

quinta-feira, 14 de março de 2019

O quê procuram?



O quê procuram, hein? Eles mal sabem aonde circular. São os bebuns; rejeitados; descasados; desabrigados; desempregados; desenganados; destemperados; desabotoados; privilegiados; e tantos outros. Coitados, enfim!

Carentes, entre inúmeras coisas, de orientação, de qualquer origem. A necessidade urge por atendimento, pois é imprescindível que seja dada solução ou paliativo.

Não vamos descambar, achando que é doideira. Vamos compreender.

São errantes, vacilantes, incompreendidos e incapazes de entender.

Duvido de que, ao menor aceno, não caiam de quatro, em busca de socorro.

Trata-se de miscigenação de problemas, mais ou menos como descrito no samba famoso, de Martinho da Vila: “negros, brancos, índios, eis a miscigenação”. Só não dá samba! Permite, no entanto, intensa reflexão.

Os bebuns buscam apoio na bebida, na “marvada”, ficando desconectados, cada vez mais, da racionalidade das coisas. O outro efeito do álcool é o prejuízo à saúde. Não há escapatória. O álcool tal qual o cigarro aniquilam.

Os rejeitados são carentes por demais! A carência enfraquece, alargando os limites de tolerância. A pessoa fica tolerante ao extremo, sem medir as consequências.

Os descasados enfrentam, no mínimo de início, muitos problemas. Enquanto estes não são solucionados, a confusão é geral, além da perda afetiva e financeira.

Os desabrigados, falando da parte física, ficam literalmente sem chão. O sujeito sem o seu canto perde a referência. Normalmente, incomoda e é incomodado.

Os desempregados talvez sejam os que mais padecem. Sem o sustento, a negociação, de qualquer espécie, vai a zero. E a eterna procura pelo emprego depaupera o indivíduo.

Os desenganados podem ser os abandonados pela saúde ou os desiludidos. Ambos os tipos ficam desesperançados. O gosto amargo da inexistência de saída e a decepção cortam o ânimo, e acabam trazendo perigo à existência e a estabilidade emocional.

Os destemperados sofrem menos. Precisam de recomposição de gênio, ter paciência, saber tratar os outros. E pronto!

Os desabotoados sofrem menos ainda! Componham-se, meninos. Ajeitem-se. São semelhantes aos destemperados, dando um jeito, vão em frente. Ressalvo que a falta de botões está no cérebro, também!


Os privilegiados constituem raça à parte. Vivem à margem da dura realidade. Os privilégios cegam. Valem-se da assistência alheia, do “jeitinho”, este tão famoso entre nós. Entendem poder alcançar quaisquer intentos, sem esforço, de mão beijada, como se diz! Considero ser uma doença, que pertence ao favorecido e a quem favorece.
  

Todos os exemplos são casos de vitimização por um ou mais motivos. Não ocorrem ao acaso. Suas raízes são antigas e profundas.

Quanto aos “tantos outros”, serão vistos depois. Deixemos por conta do suspense!

Alfredo Domingos

segunda-feira, 11 de março de 2019

Nas mãos estava o livro



Nas mãos estava o livro “Um Cavalheiro em Moscou”, de Amor Towles, Ed. Intrínseca, 2018. Pus-me a lê-lo. Li. E resolvi falar sobre ele, pelo tanto que gostei.

O elemento principal, na realidade, são três. Um Conde “destronado” do czarismo; a Rússia em transição, da realeza para os bolcheviques, pelo efeito da Revolução Russa, de 1917; e um hotel de luxo, com muitos recursos e compartimentos; para darem vida à história.

Destaco que por trás e por cima dos três agentes do roteiro está a riqueza de costumes, contendo, principalmente, o bom gosto e a fineza do trato, desde a cozinha do hotel, passando por ilustres hóspedes, no começo do Século XX, o que muito ajudou na concepção da trama, além, claro, da situação política russa da época, que permeou suavemente todas as páginas.

Aleksandr Ilitch Rostov é o Conde, que passou a ser prisioneiro do novo regime, no hotel, no coração de Moscou, sem dele poder ausentar-se, por causa de um poema tido como desaforado aos novos tempos. Sujeito bem-nascido e bem-criado, e dono de invejável sabedoria, mesmo sob a condição de preso. Daí, o autor costura as peripécias do Conde, grande finório, relacionado com os “poderosos” do hotel, os funcionários, e com alguns hóspedes, que lhe permitem uma boa vida.
No meio da história, surgem: uma ex-estrela de cinema, que lhe desperta o espírito; uma filha postiça, que lhe enternece a alma; e uma chave-mestra, que lhe oferece oportunidades sem limites, nas inúmeras portas, permitindo bisbilhotices.

No entanto, o protagonista passa de nobre a garçom, o que caiu bem, sem insulto, pois, mesmo quando sem a chave-mestra, consegue desvendar mistérios e realizar suas “obras”. Seu paletó branco servia aos outros e a ele, isto nas suas escaramuças, como disfarce, pelas escadas.

Na arquitetura literária, o autor desperta interesse pela leitura, costurando a história com situações diversas e inusitadas, incluindo a participação enigmática de um gato zarolho. Interessante artifício é a interrupção de ideias, provocada pelo término de capítulos e de fases, retornando ou não, mais tarde, quando conveniente e necessário. Algo convidativo é a inclusão de jogos e adivinhações praticados pelos personagens. Acrescentado, assim, colorido extra.

A dimensão restrita de um hotel, diante de uma cidade inteira, de um País, não diminuiu o espaço da trama, não a encurralou. Há comunicação constante entre o mundo e o confinamento. O Conde fala do passado, recebe visitas, envia bilhetes, lê periódicos, pede para lhe comprarem coisas, e, em consequência, faz com que o cenário ganhe em tamanho.

A História real da Rússia não absorve a história do autor, funciona, suficientemente, como um fino biscoito no contexto de uma xícara de chá. Os tons da História são pastéis. Isto constituiu excelente sacada de Amor Towles, que colaborou para a leveza do texto. O peso do conteúdo foi depositado nas contas da clausura a qual o Conde foi submetido e das artimanhas empreendidas por ele.

A curiosidade maior, logicamente, reside no epílogo do livro. Tratando disso, afirmo que ele foi bem engendrado e melhor ainda materializado, embora fosse ajudado por detalhes em que as artes, incluindo a literatura, facilitam, no mundo irreal. Porém, revelá-lo seria estragar a surpresa de quem lerá o livro; não o digo nem com a guarda militar em formatura, forçando a revelação.

Para arrematar, exponho passagem extraída, “ipsis litteris”, do livro, para a reflexão de todos nós, pelo serviço que poderá nos prestar, daqui para frente:

“Um homem deve ter domínio sobre suas circunstâncias para não ser dominado por elas.”


Alfredo Domingos