segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Os "dobrados"



Dr. Benito Valdez e eu viemos de Porto Alegre para o Rio, a negócios. Chegando ao aeroporto, cedo para a reunião no final da tarde, fomos almoçar, de tanto que estávamos famintos. Seguimos indicação de amigo em comum para irmos a um determinado restaurante, no Centro da Cidade, onde os preços eram convidativos, com um sistema de rodízio dos acompanhamentos, para as carnes em geral. Realmente, o estabelecimento oferecia tudo de bom, com valores interessantes. Portanto, a casa estava bem cheia de vorazes e alegres comensais. Gente animada, falando alto e comendo a valer. 

Dr. Valdez, então, valendo-se de voz baixa, com uma das mãos sobre a boca, para encobrir, de certa maneira, o som, disse-me: 
- Repare que praticamente estamos rodeados de “pessoas dobradas”, principalmente os homens, devoradores de comida, sem trégua! Mal comparando, parece que voltamos aos tempos medievais - explicarei melhor: tenho pra mim que essa obstinação por comer é consequência do novo jeito de sermos. A tudo vamos com arrojo, com determinação de forma desproporcional, pelos obstáculos encontrados e para salvar o pãozinho nosso, assim como na labuta diária, onde matamos um leão ou mais por dia, ou por hora, vai saber... Tudo em função do absurdo volume em que as dificuldades se apresentam - os quase bárbaros, de hoje, aqui representados, em pouco tempo estarão endemoniados, em prol de conquistar as coisas, na base da força, da grossura. Avizinham-se tempos cinzentos e bicudos

Atalhei, lembrando que o País mal se equilibra, tendo, inclusive, que contornar os problemas advindos de uma população de 12 milhões de desempregados, sem vislumbrarmos soluções técnicas eficazes e em curto prazo, o que praticamente indica uma piora no quadro sócio-econômico, ao menos considerando a perspectiva atual. Imaginei que crescerão a insatisfação e a desesperança, recrudescendo, talvez, a ira - concordando em parte com o meu interlocutor, afastando-me, porém, da selvageria. 

- Engana-se! Aí, que eu falo: os “dobrados” partirão para a ignorância, buscando soluções particulares e inábeis, com consequências trágicas. 

Contrapus: 
- Homem, deixe de coisa fantasiosa, futurista do passado, quando as pessoas se atracavam, do tipo mostrado no filme “O Segredo das Águas”, de atuação e produção de Kevin Costner, num cenário de combate cruel pela vida e contra piratas ensandecidos, após o superaquecimento do Planeta, o que deu espaço às águas – caia na real! Mais tarde ou mais cedo o País melhorará. O duelo entre as pessoas terá que ser nas urnas, por meio dos votos. 

- Nas próximas sociedades, mais uma ou duas gerações, no máximo, as soluções virão da violência. Na mão, como se dizia no nosso tempo de jovem. Numa engrenagem de vida difícil, com oportunidades raras e privilégios para pouquíssimos, galgar colocações e funções de prestígio será quase impossível. A luta pelo sobrevoo será pesada, desumana. Trabalho. Moradia. Estudo. Assistência médica. Respeito. Outros. Tudo será disputado a tapa e com inacessibilidades. Existirão os aspectos grandiosos e desmedidos, consequentemente: a ganância; a inveja; a mentira; o embate; a ofensa; e o senso do “meu pirão primeiro”. Os fortões levarão vantagem. Os demais pararão de mimimi, pois o pau comerá à solta! Infelizmente, os fracos fenecerão, sem resistência para enfrentar o “status quo” da podridão. 



- Prezado Túlio Bacamarte, amigo de muitas jornadas, estamos a jorrar conversa, quase fiada, e posso, até, passar a imagem de pessimista, perdoa-me, mas entre nós isto pode, ou seja, expor aquilo que nos inquieta. Se me expresso com exagero, releve! Mas, no fundo, prevejo essas horríveis circunstâncias para nossos filhos e netos. A gula, que agora verificamos, faz parte do processo, não crie dúvida. Somente os “dobrados” terão acesso à fenda salvadora, da porta lacrada, que os conduzirá ao escape. 

Alfredo Domingos