terça-feira, 30 de julho de 2019

O tempo voa



Merece constante reflexão, assunto não novo, a velocidade do tempo.

Muitos são os motivos apresentados, que fazem com que tenhamos a impressão do corre-corre, tais como as redes sociais, as agendas lotadas, a ansiedade, etc.

Por estes dias passei por momentos e por circunstâncias que apontaram, perfeitamente, a nossa ou a minha fragilidade diante do tempo. Com se diz: o tempo voa! E esse “deslocamento” nos atropela.

Recebi indicação médica de que precisava mudar um determinado medicamento. Para tal, foi necessário dar um período de sete dias entre um e outro, realizar uma pausa sem qualquer remédio, a partir da semana passada.

Tornei-me vacilante, com medo da vacância da proteção. Proteção esta devido ao uso contínuo do remédio.

O primeiro dia foi repleto de dúvidas e de interrogações acerca das várias sensações que comecei a vivenciar, assim, do nada. Senti-me numa descida de paraquedas, sem o paraquedas. Impressionante como somos testados em nossas emoções, que são vulneráveis a diversas situações.

Meu pai ensinava que estejamos atentos para dominar as situações, ou elas nos dominarão. Porém, na prática, é deveras difícil.

Incrível como a ausência das coisas já inseridas no nosso dia a dia, coloca-nos inseguros. A muleta emocional cai por terra. 

Passei a contar as horas e os dias que me restavam para passar ao novo medicamento. Elaborei uma tabelinha para registrar a contagem regressiva. Marcava cada “vitória” (dia vencido) com uma gaivota (٧), representando um obstáculo a menos ou uma vitória a mais. Hoje, percebo como destinei energia a esse caso de vida, talvez desnecessariamente. Como ele se apoderou de mim. Como me apeguei a uma única razão pessoal, afastando-me de outras preocupações ou diversões.

Com o transcorrer dos dias, foi tomando corpo uma força interior, uma motivação, para prosseguir no “jejum”. Ganhei confiança.

No que podemos chamar de recuperação, percebi, obviamente, como os dias vão-se sucedendo, e de forma muito rápida. A satisfação em vencer etapas, no entanto, era antagônica à percepção da passagem do tempo. No fundo, nenhum de nós quer sentir o tempo escoar entre os dedos, pois, realisticamente, não aceitamos que o envelhecimento atropele o futuro, que é considerado longínquo. Quando ele, o tempo, rompe tão abruptamente causa-nos aflição.

Superei bem o intervalo da espera, foi num estalar de dedos que me vi novamente amparado por medicamento. Ufa!

Foi aí que devaneei. A alegria da conquista misturou-se com o sentimento de perda. Mas qual foi a perda? 

Respondo: - perdi espaço. Enchi a minha cabeça de amofinação. Deixei de pensar em coisas boas e novas. Não reparei como deveriam estar o sol, a lua, a menina, o velho.

Quando o foco recai sobre uma determinada coisa, acabamos eliminando outras. Bom seria se conseguíssemos dar atenção a várias coisas ao mesmo tempo. E mais que isso, se obtivéssemos o valor de todas essas oportunidades. O viver seria mais intenso, diversificado, e menos custoso.

Alfredo Domingos


segunda-feira, 29 de julho de 2019

Existe vida nas palavras


Bromélia, ainda ressentida da hospedagem ao mosquito da dengue, gritou para o marido, Fanfarrão:
- Apanha o dinheiro na burjaca, que está pendurada na chave do armário. Anda rápido. 

O marido, do alto do corpanzil e munido do espavento peculiar, respondeu:
- Calma, não é assim, estou me livrando do Brando, que subiu na cama.
- Se você não vier logo, perco a Pantomima, que está por passar. Preciso pagá-la, ainda que com atraso de dias – explicou a mulher.

Nesse instante, entrou Taciturno, filho mais novo, com a habitual mudez, mostrando em suas mãos uma brocha, das grandes, interrompendo temporariamente a discussão. O jovem é colecionador arraigado de quase tudo: teteias; repiques; chaveiros; canetas; bonés; caixas de fósforos; canecas; bilboquês; canários em gaiolas; bufos; etc. Enche-se consigo mesmo e com as coisas que consegue coligir. Basta-se.

- Pronto, por sua causa perdi a passagem da Pantomima, ela está indo lá, repleta de gestos. Eta, moleza! Vou ter que esperar o Jazigo, que apenas virá amanhã, se vier, pois é um “pé na cova”, quase morrendo – olhando pela janela, Bromélia continuou o desabafo, pra lá de raiventa: - Quer saber? Não tenho mais paciência. É a velha história: sempre se atrasa, não vê e não se lembra de nada, estando alheio a tudo. Só me vem com tartufices. Estou convencida de que você não tem jeito. Deve ser, até, minha culpa. Assumo. O tempo do nosso casamento é maior do que o seu de solteiro. A sua mãe está isenta. 

A cena transcorreu na casa de praia, no doce bairro de Alfajor, cidade de Altaneira, nos raros momentos de descanso de hoje. Os velhos bons tempos foram passados ali. Quando os filhos eram menores, não havia férias, fins de semana e feriados em que todos não estivessem presentes.

A situação atual da família, porém, é outra, diante da escassez de recursos. A realidade não comporta excessos. Os prazeres são cada vez mais incomuns.

Os filhos são três: Taciturno, já apresentado pela intromissão, Ermitão e Brisa.

Ermitão deixou os estudos de “luthier”, abandonou os pinhos e embrenhou-se pelo interior, até que deu com os costados em uma ermida, iniciando-se na ajuda ao sacerdote local. Na verdade, esforça-se para não ser um leguelhé, mas o contexto não lhe é favorável. Nos “antigamentes”, viajava muito, ficando ausente por períodos extensos, o que provocou o seu afastamento do convívio familiar, principalmente dos espalhafatos de Fanfarrão.

Ao tentar analisar o último dos filhos, vale indicar que Brisa é indomável. Locomove-se sem ser percebida, é fugaz. Parece estar em vários lugares em um só instante. Esbanja leveza em sua presença. Sabe ser receptiva e delicada. Merece o apelido que tem: Benfazeja.

Presentemente, com a perda do emprego na fábrica de astrolábios, Fanfarrão ficou sem rumo. Passou a dedicar-se ao artesanato de onomatopeias, o que lhe toma muito tempo, consumindo-lhe, inclusive, os sábados e domingos, além de produzir intermitentes sons ao labutar. Dedicar-se ao lazer ficou difícil, não havendo oportunidade para os jogos de celeuma com os amigos. Menos mal, porque dava muita disceptação.

Resta a ele, na reclusão do banheiro, cantarolar: “bulimia, aqui me tens de regresso; e arrogante te peço a minha nova refeição...” 

A mulher, que não trabalhara antes, colocou-se a fazer pilhérias e peripécias para aumentar a renda. A venda lhe impõe mirabolantes sacrifícios. É dureza! Ainda bem que conta no empreendimento com a prima Lambreta, para percursos de poucos quilômetros. Quando esta falta, a colaboração parte da velha amiga Lamborghini, de resistência muito maior, que propicia trajetos mais longos.

Tia Estrepitosa, escandalosa, mas caridosa e carinhosa (e tudo o mais positivo que tiver “osa”), amofinada com a penúria financeira dos queridos, resolveu doar, vindas do sítio, compotas de mandinga. Umas, para variar o gosto, levam pitadas de engodo. São obtidos uns bons trocados pela iguaria, felizmente!

É preciso superar as dificuldades. Uma das qualidades dos seres humanos é a adaptação, embora haja sempre resistência às mudanças. A união das características de cada membro da família, contudo, é boa medida para a recuperação, para emergir dos momentos de agruras. 

Fanfarrão insere alegria e simplicidade. Bromélia é bom exemplo de resistência, sabendo guardar para quando faltar. Taciturno, introspectivo, pode revelar-se um pesquisador. Ermitão, com suas experiências de se virar sozinho pelo mundo afora, tem o que somar quando o empreendedorismo se faz necessário. Brando presencia a tudo em silêncio, somente latindo quando incomodado. Finalmente, deixada por último de propósito, Brisa distribui frescor e inocência, elementos necessários ao desempenho dos demais.

Alfredo Domingos

Comida que não acaba mais



Você se acha o rei da “cocada preta”, coloca a maior banca, dá uma “banana” para qualquer um que se chegue, e é amargo que nem “jiló”. Mas no fundo, não é de fritar “bolinhos”, não! Faz somente arruaça. Não iremos chorar cascatas de “camarão” por você.


Não temos a intenção de crucificá-lo, e defender a companheira, mas bem que ela merece apoio.


Sua esposa trata-lhe com “mamão e açúcar” e a “pão de ló”, mas você não atenta para isso, só quer moleza, falta apenas se sentar em cima do “pudim”. 


A relação de vocês precisa de muito “chope e batatinha” para ser discutida. A confusão vem de longe. São “pepinos” para todos os lados e vários “abacaxis” para descascar. 


Sabemos que a vida não é deliciosa igual a um “manjar”, porém, a sabedoria está em descobrir a “cereja do bolo”. Aí, que a “porca” torce o rabo. Não é tarefa fácil!


Chances você recebeu de sobra. Não aproveitou, fez-se de “maria-mole”. De ouvidos moucos é o que você se faz.

Saia dessa situação incômoda. Procure colher “repolhos e alfaces” no campo do entendimento. Acrescente uma quantidade razoável de “azeite”, e tudo será amenizado. 

A constante rixa, não nos leva à situação sadia. A cabeça fica quente, pelando, tal qual o caldo de “inhame com gorgonzola”, que, embora seja ótimo, dá uma quentura danada.

Após a entrada, ofereça um prato de bem-querer fresco, compreensão recheada com “presunto”, desculpas empanadas e arrependimento salteado com “cebola e pimentão”. Continuando, sirva algo mais forte como um picadinho de “linguiça”, “carne bovina” e bom senso para realçar o gosto. Verá que surgirá melhora. Encontrará o “badejo” da tranquilidade, feito no forno da esperança, que alimenta o futuro

As mágoas, se existirem, coloque-as numa “macarronada”. Misture “queijo parmesão”, e acompanhe com vinho. Ao comer, enrole os fios do macarrão no garfo e dissipe os desgostos em cada garfada, lentamente. Saborear o vinho representará substituir o amargor da amofinação pelo gosto agradável da “uva”. 

Em complemento, pense nos “morangos” da conciliação e afaste as ervas daninhas das rusgas. Experimente penetrar nos doces e tenros momentos. Abocanhe os “cajus”, os “pêssegos” e as “maçãs”.

Pronto! Solução para tudo você não terá, mas estará aliviado, mais leve, e a caminho da “baba de moça” e das “bombas de chocolate”, ambas da felicidade.


Alfredo Domingos

terça-feira, 23 de julho de 2019

Para ser feliz



Está na moda dar e receber receitas de felicidade. Não fugirei à regra.

Minha receita, com dois ingredientes: SAÚDE E QUERER BEM.

Estas duas coisas já resolvem a sua situação.

Cuide da saúde, por meio de atividade física, boa alimentação, exames médicos e remédios, estes quando precisar, sob a orientação médica. Não se esqueça: a saúde alavanca ideias.

Queira bem, inclusive a você. Ah, a sua vida irá agradecer! Ela será muito melhor. Use o seu jeito de querer bem, com boas intenções, de forma desprendida. Nem precisa pensar nos bens materiais.

Vejamos: dê bom-dia; estenda a mão; conforte; abrace; ria junto; ouça; diga frases confortantes e positivas; faça companhia; sorria; conte piada; fale coisa séria; reze e incentive a rezar; apresente soluções; revele experiências; e tantas outras coisas que contribuam. Use a criatividade.

Certamente, a cada gesto desse tipo, haverá retribuição para você. Um ganho subjetivo, não mensurável, mas de enorme valor. Somos agraciados em função das boas ações e dos bons pensamentos que passamos aos outros. A nossa alma reconhece e renasce.

Um amigo me confidenciou que retira de suas caminhadas alguns momentos para desejar bem para aqueles que estão no alcance da sua visão. Mesmo que nunca os tenha visto. Suplica a Deus a bem-aventurança para todos. Acrescentou que se sente muito mais leve.

Desejar sentimentos afetivos e saudáveis pode contemplar os demais, porém, atingem-nos em cheio, traz benefícios, sem dúvida.

Basta praticar! É uma oferta grátis e extremamente recompensadora.

Alfredo Domingos

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Abstenção



Os escritos de Martha Medeiros têm me inspirado. Caso do que foi incluído, em 30 de junho de 2019, na revista Ela, de O Globo.

A crônica da escritora aborda o “jejum”. Ela faz menção ao jejum físico, ligado à dieta. Mas falo, agora, do jejum dos sentimentos ou existencial, também abordado por Martha. 

Passar algum tempo, de sua escolha, diariamente, sem cometer deslizes, atitudes impróprias, ou mesmo não pensar neles é medida salutar. Experimente. Irá fortalecê-lo, fazendo bem a você e a outros, além de ser tarefa relativamente fácil, diante de desafios mais árduos.

Aponto parte dos deslizes e seus respectivos consertos, num universo grande, que nos rodeia. São ações e pensamentos em que podemos treinar para simplesmente afastar ou não incorporar a nós.

Acusar. Se não consigamos defender, não se faça o ataque. Direcionar o dedo, condenando, é procedimento reprovável, mesmo que haja razão. As situações acabam por ser sanadas. 

Mentir. Use sempre a verdade, mesmo que seja doída.

Intrigar. Não joguemos pessoas contra outras. Não usemos a maledicência.

Destoar. Não sejamos os únicos a ter razão no grupo. Ouvir é de bom-tom. Deixemos a maioria decidir, será conveniente. Não contrariemos apenas por gosto, para implicar. 

Agitar. Espalhar agitação. Incitar à baderna, principalmente quem está quieto, é maquiavélico. Façamos a paz reinar.

Ansiar. Evitemos causar ansiedade. Não tiremos o equilíbrio de outrem. Evitemos espalhar o medo.

Amaldiçoar. Não criemos sentimentos de maldade, que inspirem lançar mão da execração.

Impacientar. Não percamos a paciência. Geralmente, a irritação é companhia perversa, o que não ajuda.  

Extirpar. Não expurguemos alguém do nosso convívio. Por mais erros que sejam observados, conciliemos, tentemos a remição.

Incomodar. Retirar pessoa da sua zona de conforto, somente se for por causa nobre, para incentivar. Tumultuar, não. Usar de chatice, dessas comuns, reconhecida por todos, não.

Orgulhar. Sentir orgulho desmedido. Não devemos nos apoiar na arrogância, no mandonismo.

Praticando os remédios certos, notadamente no período de abstenção ou de jejum, nossas vidas mudarão. Não haverá arrependimentos. A convivência será tão sadia, que nós notaremos a onda melhor que se formará. Quanto aos demais, nem precisaremos comentar, estaremos surfando nessa tal melhor onda, atraindo benquerença.



Alfredo Domingos