terça-feira, 24 de julho de 2018

Coisinha pra coçar



“Véio” Fagundes possui um cabelinho rebelde na ponta do nariz, bem no ápice nasal. Concentrado em seus pensamentos, em função dos momentos vagos dados pela aposentadoria, ele passa o dedo indicador, no tal cabelo, a todo o instante. Roça o cabelinho pra pensar, pra decidir, e, às vezes, somente de vício. 

Tenta tirá-lo com a tesourinha afiada e o espelho de aumento. Apesar da visão ruim, consegue remover, ao menos, parte do incômodo. Apara! Há, entretanto, ocasiões em que erra o danado e fere o nariz. Se considerarmos que um cabelo cresce um centímetro ao mês, em média, conseguimos imaginar o suplício do homem. 

Fica na janela, debruçado, a olhar para o nada, horas sem dó, e cofiando o cabelinho. Este virou íntimo, mais do que parente próximo, pois está com ele permanentemente. Também, merece um trato no banho, pelo incrível que pareça. 

Ao deitar na cama, no escurão do quarto, inicia a coçagem. E coça. Vira o corpo de um lado para o outro, mas com o dedo lá. 

A sobrinha abelhuda, enxerida, disse: 
- Tio, quer que eu tire o cabelo? – posso até cortar rente, com cuidado, usando um remédio para inibir que cresça. 
- Não! – ele retrucou, furioso, e completou – onde já se viu? 

Ao posar para foto, Fagundes, em seguida, procura se o cabelo está visível. Fica alegre, quando verifica a ausência. 

Sugeriram que fosse ao médico especialista. Aliás, o mais sensato dos conselhos. Foi, nada! Alega que não há necessidade disso.

E o cabelinho na ponta do nariz... Ele mesmo o chama de intruso, horroroso. 

Aposto que o “véio” gosta de ter o companheiro, a ocupar-se com ele, a lhe distrair. Pragueja a existência do cabelo, mas não o larga. Somos assim, o que nos incomoda, acaba inserindo-se, e se terminar, fará falta. 

São pequenas coisas que nos chateiam, porém, não matam, são suportáveis. É uma verruga, um machucadinho, um calo, uma mancha de pele, e assim vai... 

Não sou da área da saúde nem da estética, mas palpitar pode, mesmo que use sugestões antagônicas. Nosso amigo que resolva, se é que existe algo a resolver: 

Fagundes: - esqueça o cabelinho, siga a vida; ou use uma pinça para retirá-lo, talvez para sempre; ou deixe-o crescer, adote-o como seu charme; ou brinque, dê-lhe um nome, faça careta e tire uma selfie; ou, por fim, procure um profissional, para ajuda séria, e que, principalmente, você fique satisfeito com a solução apresentada. 

Vá, que é sua, Fagundes! 

Alfredo Domingos


terça-feira, 17 de julho de 2018

Carpe Diem





Tia Zozó, casada com o Marechal Martins Moura (MM), era ranzinza e desligada do seu tempo.

Até, que bateu a caçoleta.

Aos setenta e cinco anos, MM ficou viúvo; solto e alegre em prol do seu bem-estar. Mudou-se da pacata Tijuca, bairro do Rio de Janeiro, para um baita apartamento no entorno da Lagoa Rodrigo de Freitas, Zona Sul da Cidade. Passou a aproveitar mais e melhor a vida, sob boa reciclagem, que se fazia necessária. Sempre foi homem de diálogo e de bom humor. Então, mesmo carregando a solidão, embora com otimismo, pouco tempo depois, conheceu Yolanda. Aí tudo mudou. Sobraram alegrias.

“Landinha”, com cinquenta e três anos, de saúde perfeita, fez com que MM vivesse bem e intensamente. O verdadeiro sangue novo a correr pelo corpo.

Viagens. Festas. Jantares finos. Reaproximação com os velhos camaradas. Jovens amigos. Diversão. Gosto apurado. Tudo nos conformes!

Como em todas as explicações há sempre um “mas”, conjunção enjoada pela negação que carrega, utilizo-a agora para dizer que MM, aos noventa anos, partiu. Teve que colocar de lado os belos e agitados tempos, para descansar de vez.

Em síntese, foram quinze anos intensos. Joviais. Felizes. Um acompanhou o outro, no que apareceu pela frente. Formaram um par perfeito.

A cada momento, o AMOR ensina que pode ser descoberto. Havendo as condições mínimas, de ritmo lento ou acelerado, ele vem ao nosso encontro, e, irrecorrivelmente, arrebata-nos, por séculos ou por minutos. Como saber?

No entanto, resta saudar e salvar:
- salve a Yolanda! Ofereceu companhia, juventude e refinamento, para ambos.
- salve o Marechal! Ofereceu experiência, suas interessantes histórias, inclusive da Segunda Guerra Mundial, descortino e recursos para a concretização dos sonhos.

Foram, enfim, um casal completo, no período em que foi possível, na maneira em que conseguiram estabelecer. Belo exemplo, praticado pelos dois, de como “colher o dia, os anos”, e patrocinado pela vontade divina.

Alfredo Domingos