sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Como será o daqui a pouco?

O ELEVADOR PAROU. QUE COISA!

Estou sozinho aqui. Não sei se é bom ou ruim. Ao menos, não há gente chata para reclamar, aumentar a aflição. Mas quem sabe fosse bom ter alguém para melhorar o astral? Contar piada. Poderia ser.

Acionei o alarme e a emergência. Todos os botões disponíveis foram apertados. Nada. Esta praga não se move. Ainda bem que não colocaram espelho. Já pensou me ver assim assustado? Encarando-me de frente.
Tentei puxar a porta pantográfica. Nada. Está emperrada. Tudo age contra, nestas situações. Pode ser medida de segurança.

Fim de dia. Pessoas saindo do edifício, que é comercial. Salas e salas. Amontoado de gente indo para não sei aonde, ou ficando para o quê?

Inventei de voltar e apanhar esta pasta para, talvez, olhar o processo no fim de semana. Nem sei se dará tempo. Fazemos besteiras para resultado algum.

Pior, estava em plena rua, livre. E agora, por causa da pasta, estou preso aqui dentro. Deu no que deu. Que babaquice.

Maldita pasta.

No Exército, diziam que soldado no quartel, fora do expediente, quer faxina ou cadeia. Então, que faço aqui? Idiota.

Esmurrar a porta não está resolvendo. Vou desabar. Sentar no chão. Cansei.

Para piorar, a luz apagou.

Contar carneirinhos não é agradável. O sono não virá, de jeito maneira. Acalmará? Acho que não.

Cantar não emplaca. A voz não sai. Também, não sou bom de canto. Minha mãe adjetivava como péssimo.

Não consigo enxergar que horas são. O mostrador do relógio está no escuro. Um dia, haverá relógio com a hora informada diretamente, minuto a minuto, sem ponteiros, e poderá conter luminosidade. Será o máximo.

Faz uma hora ou mais que estou nesta furada.

Deus do céu.

Poderia escrever. Me amarro. Mas como? Cadê a luz? Caneta e papel até tenho.

O porteiro estava na entrada quando voltei. Não observou que não desci?

Não.

Chegou a dar um boa-noite com aquela voz rouca de sempre.

SOCORRO. SOCORRO.

Lembrei-me de gritar. Em vão.

Agora, calculo que tenha passado mais uma hora. O tempo é um mistério. Quando você não quer que passe, ele voa. Quando espera rapidez, ele se arrasta como o quê. Qual o tempo que o tempo tem?

Sei lá. É assunto cavernoso. Na garotice, gostava de estalar o dedo. Tick. Para tudo. Devia ser ansiedade. Falava: “Fulana, faça isso” - Tick. Marcava ritmo.

Estou impressionado de não receber sinal de vida. Uma alma boa para me socorrer.

SOCORRO. SOCORRO.

Maldita pasta.

Começo a pensar que ficarei o fim de semana inteiro aqui. Hoje é sexta. Loucura.

Vou acabar sujando as calças. Estou apertado. Trata-se do tipo 2.
Vou arrancar esta gravata. Não havia sacado que ainda estava de colarinho fechado e gravata. Nas situações de pânico, a gente fica apalermado ou excessivamente ativo, descontrolado. Se estivesse com algum incômodo no corpo, algo me espetando, não daria conta. O perigo maior centraliza a atenção.

O paletó, antes, tinha ido para o chão. Livrei-me logo do estorvo.

Maldita pasta.

Tenho vontade de abri-la e picar tudo do seu interior. De raiva. O que sobrar, lanço no lixo. Ela, inclusive. Com casca e tudo.

Malvina ficou de encontrar-me lá em casa. Bem que poderia dar falta cá do degas e vir me salvar. Não sei de qual jeito, mas poderia.

Mulher sabe criar na necessidade. E ela é danada para fazer isso. Costuma, à toa, tirar coelho da cartola. Solucionar. Gosto da conduta despachada.

Certamente, ao saber, dará uma daquelas suas broncas. Faz parte do cenário. Mãos nas cadeiras, nariz apontado para cima, cara vermelha e língua afiada. Adora mandar coisas do tipo: o quê você foi fazer lá, hein?

Ela anda estranha. Impaciente. Mais reclamona do que o normal. Só aparece nos fins de semana.

Será que estou com os dias contados? Acabará me detonando. Não saberei dizer o porquê. Espero que ela diga. Continuo o mesmo. Acho...

São cinco anos e tal de namoro. Cada um na sua casa. Ela mora com a irmã, uma chata de galocha. E eu tenho meu cachorro velho, Mr. Magoo. Cheio de manias. Igualzinho ao dono. Confesso.

Atualmente, tanta distância entre nós. Quer saber? A relação está cansada.

A Beth esteve me provocando. Fazendo-se de gostosa. Quase capitulei. Mas evitei confusão. Sou fiel. As duas se conhecem da academia. Tinha tudo para dar zebra. Cortei.

Eu preciso, ainda hoje, passar na casa da minha mãe. Estava me esquecendo. Dependendo da hora de este aborrecimento terminar, irei. Sem deixar de, primeiro, apanhar a “Vina”. Se eu bobear, ela estará desmaiada na cama, dormindo. Não vou dar bola. Farei com que levante para me acompanhar. Afinal, é sexta-feira. Dia de arejar.

Meu Deus. Continuo aqui.

SOCORRO. SOCORRO.

Vi que não adianta gritar. O prédio tem mais dois elevadores. Não estão sentindo a falta deste. Incrível.

No meu escritório, não deve ter ficado um puto. Quando voltei, somente o Barbosão estava.

Burro. Mil vezes burro, o que sou.

Lamentar não resolve. A encrenca está consumada. Daqui para frente, somente aceitarei trabalhar no térreo. Gato escaldado... Vou me virar para conseguir novo endereço.

Continuo na maldição. Calor. Breu. Prisão. Até que estou suportando.
No futuro, inventarão um telefone portátil. Sem ligação fixa. Para usar em qualquer lugar. Servirá para estas situações. Ou para as boas novas. Proibirão papo demorado – fofoca longa. Não será essa a finalidade.

Êpa. Êpa. Nossa.

Nossa.
.
.
.
.
.

Uma parte despencou.

Agarro-me numa lateral de madeira.  Feito gato.

Não acredito. A cabine está pendurada por um lado, apenas. Começo a pressentir o fim. Triste fim. Ao menos, virarei manchete, amanhã. O “Diário de Notícias” estampará na página de rosto:

“ADVOGADO MORRE PRESO NO ELEVADOR”

DELEGADO DO CASO ADMITE CRIME. HÁ TESTEMUNHAS DE QUE O ACUSADO DE ROUBO NO BANCO DO BRASIL, AGÊNCIA COPACABANA, HÁ OITO MESES, TERIA JURADO VINGANÇA PELA CONDENAÇÃO.


SOCORRO. SOCORRO.

Maldita pasta.

SOCORRO. SOCORRO.

Vou morrer agarrado nela – bem feito. O feitiço pegou o feiticeiro.

Hê-hê. Se soltou. Meu Deus. Está caindo.

Gente, estou livre.

Livre pra Morrer.

Faíscas. Barulho.

Enquanto tiver consciência,

acompanharei a minha morte.

Será que apagarei antes do choque final?

Dizem que o coração pifa nestas horas,

não suportando a iminência da tragédia.

Cadê a pasta?

Não sinto.

Não ouço.

Não vejo.

Cadê eu?

?

.

Alfredo Domingos
(obs.: o texto não pede exclamações de alegria, na pontuação)