quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Presente natalino e a frustração


Em época de compras compulsivas para o último Natal, eu estava pensando em algum presente que verdadeiramente agradasse à esposa.
Rodei pelo shopping, olhando e tendo a sensação de que ela já possuía quase tudo ou não iria gostar de coisa alguma.
Dei trabalho à imaginação: “Isto não”! “Aquilo é feio”! “Aquele outro ela guarda em quantidades absurdas, não”! Ia, assim, numa peleja entre as ideias e a vontade de agradar.
Resolvi verificar em lojas de rua. Percorri várias e não obtive sucesso. Fazia cara feia para todas as opções vistas.
Ao desistir, enfiei-me num carro de aplicativo, meio desolado, num canto do banco traseiro. 
Recebi, então, mensagem da esposa: “Oi, querido! Onde você está?” – fazendo a pergunta clássica.
“Indo para a casa” – respondi sem graça, mas não dizendo o motivo da sem-graceza.
Então, ela fulminou, para o meu total espanto: “Já sei o que você me dará de presente de Natal. Pague o vestido que acabei de comprar, adorei! Repasse o dinheiro para a minha conta bancária e estamos conversados. Beijos e obrigada.”
Caí para trás, afundei-me no banco do carro, ainda bem que estava sentado. Foram por terra as minhas tentativas de bem escolher e de fazer surpresa.
Em seguida, automaticamente, pelo celular, em segundos, transferi a importância. “Caramba! Que coisa prática e frustrante!” – pensei comigo. 
Os tempos são estes. Zás-trás! Apressadamente! Sem romantismo e segredo.
Paisagens passando pela janela do carro e os meus pensamentos também.
Poxa! Nos outros anos, eu cumpria todo um ritual para ter sucesso com o presente.
Inicialmente, era a compra, pós-escolha minuciosa, com o cuidado de pedir à vendedora que fizesse uma bela embalagem, com fita grande, terminando num vistoso laço.
Depois, era o preenchimento do cartão do presente, com frases positivas e elogiosas, expondo desejos para o Natal e o Ano Novo. Esforçava-me para que saíssem palavras caprichadas e de acordo com os meus sentimentos e a época do ano. Fazia praticamente uma retrospectiva dos acontecimentos nossos, de casal, e também de toda a família. Enfim, ficava terminado o cartão, que era cuidadosamente afixado ao presente. Como não fazíamos a brincadeira de “amigo-oculto”, o presente ficava personalizado, com carinho.
Por último nas tarefas, cuidava de esconder o mimo até o momento de colocá-lo ao redor da árvore, para a distribuição. Escondia no meu armário de roupas, entre as calças, ou numa gaveta de cuecas e meias, dificultando o acesso para ela, pois são peças de pouco interesse durante a arrumação semanal. Pensava que surpresa é para ser bem guardada.
Em algumas ocasiões, para divertimento de muita gente, o embrulho ficava amassado, de tão bem guardado, ou melhor, de tão bem enfurnado.
Agora, houve radical mudança. O mistério e a expectativa desmancharam-se.
Em três ou quatro toques no celular, alcançando a conta bancária, o presente fez-se ou desfez-se, vai saber!
Sem cartão, com inspirados dizeres, sem fita, sem esconderijo. Ao contrário, friamente, às escâncaras, de chofre.
Confesso que fiquei tristonho. O que trouxe alívio quanto às minhas providências, sem dúvida, trouxe um vazio.
Comecei a imaginar como seria no momento de dar o presente, em plena noite de vinte e quatro de dezembro. Passaria a cópia da transferência efetuada, resgatada da tela do celular? Pegaria um papel qualquer e escreveria “vale um presente”?
Fui mais além: e a simbologia dos Reis Magos (Baltasar, Belchior e Gaspar), que levaram, fisicamente, valiosos presentes ao Menino-Deus? Claro que não pretendia dar ouro, mirra e incenso, tal como eles, porém, o mote é presentear, mostrar reverência, por meio de objeto que represente valor, nem que seja o valor do apreço, da estima.
Observar alguém abrindo, maravilhado, o presente escolhido por nós, dá uma satisfação muito grande, sem que caiamos na armadilha de esperar receber algo em troca.
Convido, então, a todos que reflitam sobre o estímulo atual de programar tudo para ser o mais simples possível, oferecendo nenhum ou o mínimo de trabalho. A facilidade, agindo negativamente, pode reduzir a importância, retirando a grandiosidade da festa cristã, que é o Natal.
Reconheço que, aqui na Terra, as coisas estão muito loucas. Não há tempo, no tempo. Corremos iguais a baratas tontas, mas... Natal é Natal, com todas as suas particularidades, tradicionais e da fé, indicando que Alguém nasceu e requer comemoração com grandeza, em todos os detalhes.

Alfredo Domingos