Em época de
compras compulsivas para o último Natal, eu estava pensando em algum presente
que verdadeiramente agradasse à esposa.
Rodei pelo shopping, olhando e tendo a sensação de
que ela já possuía quase tudo ou não iria gostar de coisa alguma.
Dei trabalho à
imaginação: “Isto não”! “Aquilo é feio”! “Aquele outro ela guarda em
quantidades absurdas, não”! Ia, assim, numa peleja entre as ideias e a vontade
de agradar.
Resolvi
verificar em lojas de rua. Percorri várias e não obtive sucesso. Fazia cara
feia para todas as opções vistas.
Ao desistir,
enfiei-me num carro de aplicativo, meio desolado, num canto do banco traseiro.
Recebi, então,
mensagem da esposa: “Oi, querido! Onde você está?” – fazendo a pergunta
clássica.
“Indo para a
casa” – respondi sem graça, mas não dizendo o motivo da sem-graceza.
Então, ela
fulminou, para o meu total espanto: “Já sei o que você me dará de presente de
Natal. Pague o vestido que acabei de comprar, adorei! Repasse o dinheiro para a
minha conta bancária e estamos conversados. Beijos e obrigada.”
Caí para trás,
afundei-me no banco do carro, ainda bem que estava sentado. Foram por terra as
minhas tentativas de bem escolher e de fazer surpresa.
Em seguida,
automaticamente, pelo celular, em segundos, transferi a importância. “Caramba!
Que coisa prática e frustrante!” – pensei comigo.
Os tempos são
estes. Zás-trás! Apressadamente! Sem romantismo e segredo.
Paisagens
passando pela janela do carro e os meus pensamentos também.
Poxa! Nos
outros anos, eu cumpria todo um ritual para ter sucesso com o presente.
Inicialmente,
era a compra, pós-escolha minuciosa, com o cuidado de pedir à vendedora que
fizesse uma bela embalagem, com fita grande, terminando num vistoso laço.
Depois, era o
preenchimento do cartão do presente, com frases positivas e elogiosas, expondo
desejos para o Natal e o Ano Novo. Esforçava-me para que saíssem palavras
caprichadas e de acordo com os meus sentimentos e a época do ano. Fazia
praticamente uma retrospectiva dos acontecimentos nossos, de casal, e também de
toda a família. Enfim, ficava terminado o cartão, que era cuidadosamente afixado
ao presente. Como não fazíamos a brincadeira de “amigo-oculto”, o presente ficava
personalizado, com carinho.
Por último nas
tarefas, cuidava de esconder o mimo até o momento de colocá-lo ao redor da
árvore, para a distribuição. Escondia no meu armário de roupas, entre as
calças, ou numa gaveta de cuecas e meias, dificultando o acesso para ela, pois
são peças de pouco interesse durante a arrumação semanal. Pensava que surpresa
é para ser bem guardada.
Em algumas ocasiões,
para divertimento de muita gente, o embrulho ficava amassado, de tão bem
guardado, ou melhor, de tão bem enfurnado.
Agora, houve
radical mudança. O mistério e a expectativa desmancharam-se.
Em três ou
quatro toques no celular, alcançando a conta bancária, o presente fez-se ou
desfez-se, vai saber!
Sem cartão,
com inspirados dizeres, sem fita, sem esconderijo. Ao contrário, friamente, às
escâncaras, de chofre.
Confesso que
fiquei tristonho. O que trouxe alívio quanto às minhas providências, sem
dúvida, trouxe um vazio.
Comecei a
imaginar como seria no momento de dar o presente, em plena noite de vinte e
quatro de dezembro. Passaria a cópia da transferência efetuada, resgatada da
tela do celular? Pegaria um papel qualquer e escreveria “vale um presente”?
Fui mais além:
e a simbologia dos Reis Magos (Baltasar, Belchior e Gaspar), que levaram, fisicamente,
valiosos presentes ao Menino-Deus? Claro que não pretendia dar ouro, mirra e
incenso, tal como eles, porém, o mote é presentear, mostrar reverência, por
meio de objeto que represente valor, nem que seja o valor do apreço, da estima.
Observar
alguém abrindo, maravilhado, o presente escolhido por nós, dá uma satisfação
muito grande, sem que caiamos na armadilha de esperar receber algo em troca.
Convido,
então, a todos que reflitam sobre o estímulo atual de programar tudo para ser o
mais simples possível, oferecendo nenhum ou o mínimo de trabalho. A facilidade,
agindo negativamente, pode reduzir a importância, retirando a grandiosidade da
festa cristã, que é o Natal.
Reconheço que,
aqui na Terra, as coisas estão muito loucas. Não há tempo, no tempo. Corremos
iguais a baratas tontas, mas... Natal é Natal, com todas as suas
particularidades, tradicionais e da fé, indicando que Alguém nasceu e requer
comemoração com grandeza, em todos os detalhes.
Alfredo
Domingos