quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Conflitos pelo mundo e suas mazelas


As guerras acontecem quando a diplomacia falha. Os grandes mandatários mundiais, então, diante dos conflitos não evitados, enviam seus soldados às batalhas. Estes, inocentemente, envolvem-se para fazer prevalecer os interesses e as convicções daqueles. Surgem, em consequência, as mortes, as devastações, as perseguições, as desigualdades, entre outros sacrifícios. Muitos morrem sem saber o porquê de ter combatido e defendido causas que não eram as suas, embora pertencessem às Forças Armadas, cujo objetivo maior é defender a sua Pátria.

Dos conflitos, vêm as trágicas consequências. Os desabrigados, os mutilados, a fome e todos os tipos de discriminação, além das mortes em massa. Em particular, os refugiados pelo mundo constituem-se preocupação cada vez maior. Em 2014, dados das Nações Unidas, Alto Comissariado para os Refugiados, exprimem o aumento do número de refugiados, em relação à década passada. Cerca de vinte e dois milhões de refugiados foram contabilizados a mais, de um período para o outro. Este quadro assume proporção de drama, quando consideramos que mais da metade dos refugiados mencionados é menor de idade, conforme apresentação do geógrafo Rodolfo Alves Pena.

Cortar os mares em condições precárias, usando barcos despreparados, com lotação maior do que o máximo estabelecido é sina em voga. Crianças, moços e velhos são conduzidos e tratados abaixo do aceitável, como fariseus abandonados pela religião e pela sorte. São rejeitados, largados ao léu. Faltam o apoio e a compaixão de países que, supostamente, têm condições de fornecer abrigo.

Em decorrência, como bem exemplificaram os Tribalistas (Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown e Marisa Monte), em música, as famílias ficam destroçadas, indo cada um para o seu destino, sem o amparo que os entes queridos proporcionam. Apelar às Nações desenvolvidas e orar a Deus são saídas possíveis, nas quais a esperança e os resultados positivos devem imperar.

Resta-nos aguardar por ações concretas para que venham dias melhores, com mais humildade e fraternidade. 

Alfredo Domingos

Obs.: este texto é a realização de proposta da Universidade Mackenzie, em 2018, 1º semestre, para dissertação, com base em três textos apresentados. Os textos não são aqui exibidos.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

Liberdade para amar

A botica do Aperibêncio, após o horário de funcionamento, virava um ponto de encontro de clientes e amigos. Ali rolava um bom papo, muitas histórias. Discutíamos basicamente futebol, política e amenidades da cidade. Surgiam passagens engraçadas de cada um de nós, também. As nossas reuniões faziam concorrência direta aos bares da pequena Guapi, ao menos por um período do dia.


Eu era costumeiro. Passava por lá todo final de tarde. Na encolha, na base do improviso, eram servidos bolinhos de aipim e aguardente. Havia uma bancada de canto estrategicamente instalada para apoio. Cada um deixava no caixa o que bem quisesse. O negócio do estabelecimento era medicamento.


Aperibêncio (é melhor passar a chamá-lo de Peri, será mais fácil) e eu éramos solteiros, apesar de estarmos na casa dos quarenta. Fazíamos muitas confidências. Ele me contou, orgulhoso, que só gostava de moça virgem. Como isso era raro na cidade, de quando em vez, viajava para “pescar” alguma em outras plagas.


A partir do momento em que comecei a namorar Vanja, ela me acompanhava até a botica.


Um dia, após ele me trazer uma batida esquisita, elaborada lá dentro, desmaiei. Depois, foi contado que Vanja e o farmacêutico providenciaram a minha remoção para casa. Os dois tinham ficado amigos. Nada mais justo do que cuidassem juntos de mim.


Vanja era uma morena dessas imperdíveis. Os homens da cidade, desimpedidos ou não, davam em cima dela.


Apesar de eu fazer um tipo bem comum e com nenhuma grana para luxar, ela entrou na minha, como se diz. Sorte deste que escreve.


Passamos a namorar compulsivamente, sempre que surgia oportunidade, mesmo morando em casas separadas. Dávamos o nosso jeito, com certo suspense, o que apimentava o relacionamento.


Eu tinha ciúmes. Pudera, o seu trabalho era a venda de roupas íntimas femininas, andando na rua até escurecer, de porta em porta. Incomodava-me a falta de endereço fixo, de uma referência para a labuta. Indo bater aonde só Deus sabia.


Voltando ao desmaio, acordei na minha cama, tendo na cabeceira um bilhete de Vanja: “Cuidamos muito bem de você. Acho que a causa do ocorrido foi o pileque. Amanhã, procure o médico ou o próprio Aperibêncio (aqui tem que ser o nome completo, trata-se do original do bilhete)”.


Sempre gostei de bilhete. Comunico-me bem por esse meio. Na escola, fui bom aluno de português. Para todas as namoradas usei e abusei do bilhete. Era uma boa forma de galantear. Mas esse em especial me deixou intrigado. Observei que o “cuidamos muito bem” estava sublinhado. Estranho. Confesso que fiquei com a pulga atrás da orelha.


Com o tempo passando, as reuniões a três na botica ficaram constantes. Os outros participantes foram rareando.


Peri, então, veio com a invenção de que ganhara um carro velho do tio, e necessitava da minha ajuda para desenguiçá-lo. A batalha iniciaria tendo que ir ao sítio onde o veículo estava guardado, há anos. Nunca tive o menor jeito para mecânico, mas topei.


Aliás, é o momento certo para falar das minhas atividades profissionais e pendores. Nunca tive aptidão para os trabalhos manuais. Sempre fugi das coisas tecnológicas e complicadas. E para completar, da matemática queria distância.


Porém, sempre me agradou a escrita. Quando estudante, fazia uns primores de redação. Criava personagens e situações que eram verdadeiras maravilhas.


Bem, assim, trabalhei no Cartório da cidade, no Jornal, na administração da Academia de ginástica e no escritório do Supermercado Joelma. Neste último, até me dei bem, dando uma de fiscal, pegando roubos e prejuízos provocados pelos clientes e funcionários. Elaborava relatórios diários, apresentando os acontecimentos indesejáveis. O dono da loja, ao mesmo tempo em que passou a confiar bastante em mim, cobrava cada vez mais a minha dedicação, sem descanso, o que me saturou, fazendo com que pedisse demissão. Vou revelar que o salário deixava a desejar pelo que eu precisava me doar.


Passei a ter o meu próprio negócio. Abri o primeiro sebo da cidade. Numa lojinha de esquina. Falando na esquina, indico o que me dava o maior prazer - os nomes das ruas. A esquina juntava a Rua dos Amores com a Rua da Alegria. Sabe que fiquei todo orgulhoso?! Adorava o que fazia. O meu mundo era aquele. No início, não sobrava dinheiro, apenas pagava as contas, e ia curtindo.


Certamente, Peri sabia da minha incapacidade para a missão a mim confiada; aquela de ressuscitar o carro. Contudo, insistiu na companhia.


Há um detalhe a ressaltar. Indaguei se Vanja poderia ir conosco. Ele negou, alegando não ser trabalho de mulher.


A propriedade ficava metida no cafundó do Judas, longe da cidade, num lugarejo quase inexistente. Com muita subida para enfrentar.


A casa principal estava em ruínas. O terreno prolongava-se para abaixo, bastante acidentado. Em condições de uso, somente um pequeno apartamento com sala, quarto e banheiro. Local mal provido de móveis e equipamentos. O mínimo do mínimo. O melhorzinho de tudo era uma cama de casal, arrumada com lençol, travesseiros e colcha.


Não percebi sinal do tal tio. Algo me dizia que ele não usufruía dali, muito menos da cama. O proveito devia ser de outros.


Porém, o carro estava lá. Era um Pontiac verde-claro, duas portas, e mais velho que a Sé de Braga. A pintura era completamente desbotada. Como estava debaixo de uma amendoeira, tinha quase toda a lataria atingida pelos frutos. Uma calamidade.


Peri tinha pressa. Estava impaciente.


Duvidei de que “aquilo” pudesse se movimentar. Uma coisa foi notada por mim. Os pneus estavam novos. A intenção clara era que a lata-velha corresse mundo e rapidamente.


Fizemos de tudo para o motor funcionar. Quer dizer, fizemos não, Peri fez. Foram postas bateria nova e gasolina. Não houve, no entanto, solução. Operação custosa aquela!


Peri resolveu fazer a locomoção empurrando. Na base da força. Coube a mim sentar ao volante, e a ele esfalfar-se em deslocar a geringonça. Pensei bem, e resolvi que ficasse para ele a missão penosa. Assenti.


Pois bem ou pois mal, com a força empregada começou o deslocamento pelo gramado inclinado, e um certo embalo foi obtido.


A minha euforia por achar que a empreitada estava por terminar durou pouco.


Percebi, tomado de pânico, que o terreno acabara no fim da descida. O carro estava solto no ar pronto para se espatifar. Terra firme só via lá embaixo, no vale entre os morros. A minha visão escureceu. A cabeça foi tomada por tontura brava. Estava perdendo a consciência.


Tempo só tive para observar, muito fugazmente, a cena de paixão entre Peri e Vanja, comemorando aos beijos a liberdade para amar, e, claro, o meu fim. A minha última lucidez foi por conta da lembrança de que Aperibêncio, sujeito safado, apenas gostava de moça virgem. Foi o que vi, não???


 


Alfredo Domingos

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Em família – Dia do Pai

Cidinha, filha única, capitaneando a sua tropa familiar, passou a semana fazendo contatos      com os parentes para o almoço do Dia do Pai. Vários telefonemas, muito uso do whatsApp, alguns “e-mails”, por fim, que trabalhão!
Uns queriam almoço em churrascaria, outros queriam um “churrasquinho” no play. Fechado! A maioria venceu. Ficou para uma churrascaria do tipo rodízio, no Rio de Janeiro, daquelas que ficam superlotadas. 
Na porta, a família esperou pela mesa mais de uma hora. Tudo bem! Afinal, é dia de festa.
Sentados. Pedidos chopes e outras bebidas. Todos com sede e fome. Os acepipes sobre a mesa. Todo mundo “ataca”.
Silvinho, o neto de quatro anos, colocado em uma cadeira alta para crianças. Agitado, derruba, imediatamente, o pratinho de azeitonas. Tira batatas fritas com as mãos, sem parar. 
Silvio, o pai, aquele cunhado inconveniente de quem ninguém gosta, estrategicamente posiciona-se do outro lado, não está para incômodos; só para tomar chope. Foi por isso que distanciou-se da sua família.  
A mãe do garoto, Magali, atrapalhada, querendo manter a finura, ralhando com o filho o tempo todo, mal participa.
Rubão, que de “ão” não tem nada, é magrinho e encolhido. Chega com flores para as mulheres e loção pós barba para os homens, fazendo gentileza, como é do seu jeito.
“Maria dos Anjos”, de nome tão puro, estudou em colégio religioso. A neta, criada para ser “lady”, hoje é “rave”. “Piercings”, vários, que geraram em uns, agrado; em outros, estranheza. Tatuagens espalhadas pelo corpo. Cabelo nas cores vermelha e laranja, uma novidade! A roupa preta e não faltam as botas, é claro!
Cícero, um tio esquisitão, que vai a todos os eventos da família, diz que não liga para comida e que parece um passarinho, pela pouca quantidade que belisca. Na verdade, é um “morto de fome”. Metido a polido, mas não rejeita prato algum! 
Tia Leontina, figura de Fellini, viúva de dois maridos, volumosa, suarenta, cabelos negros e compridos. Fala compulsivamente. Cospe na mesa toda, porém é “suportada”, pela generosidade. Possui duas pensões e uma aposentadoria - estamos antes da reforma da Previdência - “Cheia do ouro”, como dela falam.
Lá pelas tantas, Magali clama a Silvio que fique com Silvinho: - Poxa, estou que não me aguento. Não consigo comer com este menino que é um “inferno” e você aí, distante, feito um nababo! Ele é seu filho também, gracinha! Assim não venho mais... Silvio não se abala, representado pelo interesse de tomar uma “grana” do cunhado, Eduardo, empresário de sucesso, que é querido por todos. 
Vó Isaura já veio almoçada. Portanto, só pede uma asinha de galinha, bem tostadinha. Fica querendo. A asinha não chega. Acontece... 
E o chope rolando... 
Rosa Maria, prima solteira, mas não solteirona, com seus quarenta anos, bonita, esguia, ar enigmático, tendo mãos bem desenhadas, que falam. Guarda segredos que despertam curiosidade. Bem postada na vida, como se diz. Ajuda a quem precisa. Age sutilmente. Come o suficiente, com elegância. Trouxe recadinhos escritos para os pais. Tia Leontina até fez referência: - Rosinha não se esquece das pessoas; ela é ótima!
Ricardo e Osvaldinho são primos. Um flamenguista e o outro vascaíno. Comendo e discutindo futebol. Discutindo futebol e comendo. Fazendo apostas. Colocando desafios.
Sarita, menina ainda, derruba o guaraná, que escorrega e vai direto para a calça branca, de ir à missa, do tio Cícero. Ele sorri amarelo, não reclama! Seca com o guardanapo.
      A torta aparece para selar a data. Chocolate. Morangos. Creme. Presente o canto de parabéns!
        Hora de pagar a conta.  
        Silvio disse que não bebeu aqueles nove chopes que lhe atribuíram. Ele não concordou: - Tem erro nisso aí. Outra pessoa refaz a conta. A discussão toma corpo. 
        Rosa Maria deixou mais dinheiro do que lhe cabia. Mandou um beijo de longe e foi embora. Esquiva-se de confusão. 
        A conta não chega a termo. Discordância. 
        Eduardo, ele sim, o empresário, passa o cartão, metade de todo o valor, e sai. Outro que se desenrola de enrolação. Pelo jeito, avalia que aborrecimento por pouca coisa a menos não vale a pena.  
       Alívio para o resto da turma esperta. A conta fecha. 
       Ufa! As pessoas começam a despedir.
      E as flores? Ficam sobre a mesa. Rubão fez o seu papel, não importando o proceder dos demais. No entanto, o encontro familiar, mesmo tumultuado, deve ser preservado.
      Até o próximo ano!


Observação: muitos nomes desfilaram pelo texto acima. Próprios das famílias. Muitas circunstâncias foram comentadas. Próprias das famílias.
Desses momentos, o que efetivamente resta é a confraternização. O encontro das pessoas faz as datas. Pode chamá-las, as datas, de comerciais, exploradoras, o que for... mas são praticamente elas que unem os membros das famílias, ao longo do ano. Sem elas, os encontros seriam muito mais raros.

Alfredo Domingos