terça-feira, 28 de novembro de 2017

Juro que vi!


Juro que vi!

O casal agarrado.

- E daí? Indaga você, desdenhando.

Vamos, então, em sua homenagem, retirar o pano do mistério.

Desfile de carnaval. Não o da Sapucaí, mas o da Gaspar de Lemos, aqui da vizinhança. Menos badalado, mas com a mesma euforia carnavalesca.

A furiosa mandando bem, cheia de mestres da música, cumprindo repertório recheado de sucessos. Pessoal balançando no ritmo, pra lá e pra cá, agitando, arriscando passos de samba, como nos velhos tempos, cantando fácil e de mãos pra cima. Liberdade total! Ambiente favorável.

E o tal casal agarrado. Os dois entrelaçados. Viva o carnaval!

Cada um deles na posição de dança de salão. Nem pareciam estar num bloco animado. O amor é assim. Muda-nos. O que não era para ser acaba sendo. Anula o constrangimento. Em consequência, não é percebido quando saímos do tom, do coletivo. Importa essa escorregada? Não, ora bolas! Viva o amor!

Observando bem, porém, identifiquei que ela, ao abraçar o par, passando um dos braços pelas costas dele, portava um celular ligado.

- Como assim? Nova pergunta.

Aconteceu. Não sei se ela fazia selfie, o que seria bom, ou comunicava-se com tribo diferente, de outro local, de outro planeta, dedilhando mensagens pelo “WhatsApp”, passando e recebendo novidades. 

Vamos e venhamos...

Carnaval ocorre uma vez ao ano. Aproveitemos por inteiro. 

As novidades, agora, dão voltas e retornam. Aquilo que não se sabe no momento chega aos nossos ouvidos e olhos daqui a pouco. É esperar para conhecer ou rever. 

Defendo que a paixão e o entretenimento podem superar a tentação de dar uma “espiadela”.

Alfredo Domingos

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Diário de um pai de pipocas

 

Quando eu morava sozinho e ia à praia, isso era o que eu fazia: calçava um tênis, numa bolsa de corrida colocava carteira e celular, corria 15 minutos. Pronto. Cavava um buraco na areia pra esconder minha bolsa, tirava a roupa, jogava ali mesmo em cima desse monte de areia e me jogava na água. Não tinha grandes preocupações. Aliás, nenhuma. Quem me conhece, sabe que o mar é meu santuário, lugar de me encontrar com Deus e ali me perder na imensidão da praia. Zero preocupações.

Quando se tem esposa, uma filha pipoca de 4 anos que não sabe ficar em um lugar parada e um bebê pipoco de 5 meses que está indo pela primeira vez à praia, é isso que se tem que fazer: numa das (infinitas) bolsas que se tem que levar, coloco brinquedos (muitos... tipo baldes, pás, bonecas, surpresas de Kinder Ovo, frasco vazio de M&M's, e diversos aparatos para se fazer castelos na areia). Outra bolsa térmica com comidas (papinhas, sopa, água pro bebê, além de biscoitos e chocolate pra garotinha viciada). Outra bolsa com roupas (precisa dizer que são muitas?!). Roupinhas diversas pro Bento, fraldas impermeáveis, fraldas não impermeáveis, pomadas, lenços umedecidos, roupas secas pra Marina, incluindo roupa íntima seca pra trocar depois da praia (porque areia da praia "pinica", de acordo com ela) e outras mais que não consigo nem lembrar agora. Não vale nem a pena descrever as outras bolsas, com cangas, outra com tapete pro Bento brincar, outra com protetor solar, óculos e produtos de beleza da Carol (ela insiste em ficar mais bonita... Já expliquei que não dá pra ficar mais linda do que já é, mas...). Contei que também que levamos um ofurô pro Bento tomar um banhozinho de água doce??

Bom, 2 horas e meia de preparação para sairmos, entramos no carro e partimos em direção à praia. Até que chegar foi fácil. Difícil foi achar vaga naquele dia de feriado. Mesmo tão cedo, não havia lugar pra deixar o carro. Achamos vaga 40 minutos depois de rodar duas praias diferentes. E bem longe da praia.

Após andar com todo aquele material e levando as crianças, achamos lugar perto de um chuveirão e com cadeiras de praia e guarda-sol pra alugar (eu não tinha mãos nem espaço pra carregar as que temos em casa). Tira-roupa, troca-roupa, arruma dali, arruma daqui e estávamos, enfim, prontos pra curtir a praia. Descobri, então, que começaria a pior das preocupações. Como a praia estava cheia, era muito fácil de alguém passar ali e pegar algo. Ou pior: pegar alguém... Impossível não ficar atento. Inclusive quando se tem uma filha que não consegue fazer seus castelos de areia perto de você e que quer construir em toda a orla da praia.

Entre tantas turbulências, eu vou me percebendo nos momentos com eles. Aos poucos, acho o equilíbrio entre a tensão e a paz. Afinal, eu também curto brincar de bonecas e de castelos de areia com Marina! Eu me deparo sendo o porto-seguro dela, quando, com medo das ondas, ela me abraça forte e se sente protegida. Eu me deparo com o choro do Bento querendo um carinho pra dormir, e ele acaba cochilando no meu colo salgado da praia. Eu me deparo admirando Carol, sentada na cadeira e apreciando o mar. Mal ela sabe que aquela paisagem que ela observava não se compara à beleza daquilo que eu observava... Tudo, então, fazia sentido pra mim.

Se eu vou fazer tudo de novo? Com certeza! E vou fazer, pra sempre!!!

Diego Lopes Duarte

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Presente de Grego


Ando ressabiado e sumido. Recolhido. Uma gripe durou quinze dias.

E sonhos, muitos loucos sonhos. De quase urinar na cama. No último, acordei suado e espantado. Não consegui, ainda, esquecer o danado do sonho.
Tentarei contá-lo, não sei se chegarei às minúcias.

“Toque da campainha do apartamento. Fui atender. Na soleira, dois policiais à minha procura.
 Queriam fazer entrega de algo que diziam me pertencer. Mal deixaram a coisa comigo, sumiram.
 Num estalo.
 Sabe de que se tratava? Fico apavorado quando me lembro! 
Era uma cabeça humana com o respectivo pescoço. Cabeça de homem, ornamentada com barbicha e costeletas. Os cabelos eram ralos, ruivos. Os olhos? Não sei. Nunca os vi.
 A figura era desconhecida. Fiquei com o troféu, louco para me ver livre. Que terror!
 Estive em todos os cemitérios da cidade. Não fiz escolha de religião. Quis, inclusive, cremar.
As respostas foram iguais e negativas. “Não enterramos cabeça sem corpo, além do mais, sem documentos.”
 Imaginei, pela cabeleira ruiva, ser alguém do norte da Europa. Pirei na batatinha! Estive em várias embaixadas. Sem sucesso.
Isso foi feito por dias. Extenuado e desiludido, voltei para casa.
Enquanto não surgia outra solução, veio-me o insight de guardar na geladeira.
Aliás, preciso dizer que recebi o material congelado, depois, com o rolar do tempo, estava esquentando, quase ficando vivo! (por sorte, como revelei, os olhos estavam fechados – pense se estivessem abertos, à espreita. Cruz-credo! Arre!)
Nesse ínterim, tive a impressão de que a barba do “de cujus” crescia. Esquisito isso. Talvez fosse o efeito do meu transtorno emocional.
Percebi, assustado, que a boca relaxou e alguns dentes ficaram à mostra. Situação macabra, de um quase sorriso.
Nos intervalos das tentativas de resolver o impasse, buscava ferozmente descobrir quem era o dono daquele pedaço de gente. Cadê que reconhecia?! Que presentão de grego!
Voltando à geladeira, desalojei parte do que havia no interior e soquei o “troço” para dentro, como pude. Fechei a porta com pressa, ofegante. Fiquei uma eternidade agarrado, de costas, à geladeira, braços firmes para trás, querendo deixar o segredo inviolável.
Aí, lembrei-me de meu pai. Morávamos juntos. Em nome da verdade, eu é que me aboletei na casa dele, de intruso.
Se ele visse, de certo, não aprovaria guardarmos ali o estrupício, ao lado de carne, queijo, frutas e tudo o mais que comeríamos. Como?! Elementos vivos ao lado de coisa morta? Indesejável. Nojento.
Continuei agarrado.”

Acordei!
Alívio do pesadelo ou início do pavor?
A prudência indicou nem chegar perto da geladeira. Vai que...
Sentado na cama, refleti: se verificar, não foi tão ruim assim. O sonho pode ter representado, afinal, um prêmio. É, sim, fui premiado por ter recebido o cérebro de alguém, porção pensante do corpo! Ganhei a inteligência, o talento, o pensamento. Para o restante, não vale cogitar profundamente.
Em resumo, sobrou para mim aquilo que é a essência do existir, apesar de ser um retalho de morto. Estar sem vida pode ser desconsiderado. Preferi encarar dessa forma.
Pior seria se o recebido tivesse sido um joelho arrebentado ou um pé cascudo. Não haveria explicação para explicar. Desanimador.
Sabe que me conformei com o sonho e com o presente decorrente? O sonho, pensando bem, sonhara, foi-se.

Alfredo Domingos

(por questão de justiça, revelo que Allam (escreve-se assim mesmo), meu primo, deu-me o motivo deste pequeno conto. O tema, verdadeiramente sonhado, veio dele)

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Picadeiro do circo e das letras

A escrita para mim é um picadeiro, no cenário do circo.
Faço malabarismos,
Pulo,
Balanço,
Arrisco,
Vou às alturas,
Desço ao chão,
Mas não há rede,
É sem proteção.
São os sonhos que dão o ritmo,
Regidos pela inspiração.
Aí, vamos!
A vertigem desequilibra,
As luzes passam brilhantes,
No girar incessante,
O foco oscila.
Anestesia para corpo e alma.
O chão se envolve com o teto,
Num vaivém.
O tombo, às vezes, significa voltar,
Para refletir e recomeçar.
Refazer e corrigir o texto dói, porém, constrói.
Você escreve numa ladeira:
Ora sobe, ora desce,
Frases brilhantes, parágrafos medíocres.
O trapézio vai e volta,
Sobe e desce.
A vida no picadeiro tira o fôlego,
A vida nas palavras atua igual.
Cometemos excessos do mesmo jeito.
Há sustos aterrorizadores!
Incríveis são as descobertas!
Urge a cabeça erguida para a nova subida,
É necessário melhor elaborar as sentenças.
Colocar o ponto final é pousar,
Aterrissar em terra firme.
Mas também penso se existe essa terra.

Alfredo Domingos

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Romaria


É de sonho e de pó                                                  
O destino de um só
Feito eu perdido em pensamentos
Sobre o meu cavalo
É de laço e de nó
De gibeira ou jiló                                                
Dessa vida cumprida a sol

Sou caipira pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura
E funda o trem da minha vida
Sou caipira pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura
E funda o trem da minha vida *1

O meu pai foi peão
Minha mãe, solidão
Meus irmãos perderam-se na vida
A custa de aventuras
Descasei, joguei
Investi, desisti
Se há sorte eu não sei, nunca vi *2

Sou caipira pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura
E funda o trem da minha vida
Sou caipira pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura
E funda o trem da minha vida *3

Me disseram, porém,
Que eu viesse aqui
Pra pedir de romaria e prece
Paz nos desaventos *4
Como eu não sei rezar
Só queria mostrar
Meu olhar, meu olhar, meu olhar *5

Sou caipira pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura
E funda o trem da minha vida
Sou caipira pirapora nossa
Senhora de Aparecida
Ilumina a mina escura
E funda o trem da minha vida

Compositor: RENATO TEIXEIRA DE OLIVEIRA (primeira gravação em 1977, por Elis Regina)

O Programa Globo Rural (8 de outubro de 2017) e a Revista Globo Rural, de outubro de 2017, considerando os festejos de 300 anos (12 de outubro) do encontro, no Rio Paraíba, da imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira do Brasil, trouxeram uma homenagem à canção “Romaria”.

Alegrou-me a homenagem! Resolvi partir para a escrita, a reboque da inspiração deixada pelos veículos de comunicação.

A letra, de Renato Teixeira, que também fez a música, foi colocada acima, para deleite de todos nós. Aproveitemos, então.

Claro, que é música conhecida sobremaneira, ainda mais na voz marcante de Elis Regina, cuja mensagem de fé se tornou muito forte. Ao ser executada, comove e faz refletir, seja nas romarias a pé, nas igrejas ou nas apresentações da TV.

A melodia traz a sensação de estarmos numa procissão, em plena sessão litúrgica, pela carga religiosa e pelo ritmo. Olhar para si é mandatório. A contrição faz-se necessária. O momento assume atmosfera diferente e sagrada. Maria, a Mãe de todos, ressurge em cada rito onde a música permeia. Gente, a emoção está presente ao som de Romaria!

Esmiuçando a letra, encontramos curiosidades e licenças poéticas. Tudo a que o poeta tem direito. Vamos percorrê-la. 

Até *1 (vejam na letra), o autor se identifica como cavaleiro, caipira, indicando o trem como representante da sua vida passante, e nos apresenta Nossa Senhora de Aparecida, pedindo luz. Curiosa é a inserção do “jiló”, carregando o seu amargo para indicar o difícil da vida, complementada por “vida cumprida a sol”, colocando a aridez inerente ao sertanejo. 

Até *2, o autor trata da família. O pai na lida, correndo mundo, a mãe solitária nos trabalhos domésticos. Os irmãos nas traquinagens. Ele no dia a dia comum, sem, porém, encontrar a sorte, que costuma aparecer simbolicamente, assim mesmo quando se faz algo extraordinário, não sendo, na verdade, a tal sorte caída do céu, do nada, mas fruto de esforço, de labuta. 

Até *3, sequência repetida, sem novidade. É interessante assinalar que o autor, ao ser perguntado sobre como interpretar “ilumina a mina”, simplesmente, respondeu: - gosto do som que ficou em “...mina” a “mina”. Criação de artista a gente aplaude, não é?

Até *4, trecho pequeno mas recheado de fé. São abrangidas a “romaria” e a “prece”. A primeira no ir ao encontro do momento de agradecer e de pedir, e a segunda exprime a devoção, a súplica. Ainda, consta do pedaço “Paz nos desaventos”, que segundo Renato Teixeira, “desaventos” poderia significar aquilo que está desarrumado, precisando de paz, como ventania inconveniente. Contudo, Renato usa de sinceridade ao confessar que não sabia da inexistência da palavra nos dicionários. Se foi inventada, não importa, coube bem no conteúdo proposto. Valeu!

Até *5, trata-se de espécie de desabafo. O olhar enternecido e, também, esperançoso de tempos melhores substitui a reza que lhe falta. Dessa forma, nem tudo está perdido. Renato, com sua voz mansa, deixou escapar que não sabia como terminar a estrofe. Depois de matutar, obteve fácil solução: repetir “meu olhar”. Talvez não tenha imaginado que a repetição ratificou a crença e deu continuidade ao olhar devoto. Aqui a melodia entra num remanso, dá uma travada, que combina com esse olhar em oração e em espera.

Até o final, houve outra volta ao que se pode chamar de “refrão”, com ênfase para: “Sou caipira, Pirapora nossa”. Este “nossa” afastado de Senhora de Aparecida, que desponta na linha abaixo. Não sei, não, mas está com pinta de ter sido imaginado com duas funções. Apadrinhar a cidade de Pirapora do Bom Jesus, chamando-a de “nossa”, amavelmente, e deixar “Senhora de Aparecida” triunfar sozinha, dando luz à mina. Vai saber...

Vamos curtir, daqui para frente, um pouco mais “Romaria”! Transformá-la em música de fundo de nossas vidas, sofridas ou não. Tê-la nas aflições, para redobrar forças, porém, não desprezá-la nos momentos prazerosos, em demonstração de sabedoria.

Alfredo Domingos

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Sirigaita Escalafobética


– Que “sirigaita escalafobética”, esta Juju!

A frase motivou risada da turma, na esquina das ruas Bartolomeu de Gusmão e Indaiá. Juju é conhecida no pedaço. Inclusive, já namorou alguns dos integrantes da roda de conversa. Ela mora no nº 38 da Bartolomeu. Seu caminho, então, é por ali, indo de ceca em meca.

Sem dúvida, é espevitada, sempre tramando espertezas. Fica à frente das novas ideias. Lidera as iniciativas. Promoveu comemorações durante os jogos da Copa do Mundo de Futebol; agitou festas juninas e julinas, também; arrecadou fundos para vizinho que perdeu tudo em incêndio na residência; e daí em diante. Para completar, não leva desaforo para casa. Responde na lata, tudo, em cima da bucha. É um tanto extravagante, estrambótica! A excentricidade inicia pelo cabelo vermelho, curto, e pelos piercings espalhados pelo corpo e termina na extensa tatuagem, nas costas, sobre a pele alva. De pernas longas e finas, vai de passo largo, traçando rumo, embora sem régua e compasso. Mas segue firme, não há o que lhe trave.

Pronto! Nos parágrafos acima, foi explicada, bem no feitio do “Aurélio” e na linguagem da moçada, a expressão “sirigaita escalafobética”. Legal, eu mesmo gostei! Fiquem à vontade para criar coisas do gênero, recomendo.

Alfredo Domingos

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Viajar é colocar reticências...

“Viajar é colocar reticências naquele momento de vida”. Penso assim e explicarei mais adiante.

Mas a escritora Martha Medeiros concebe diferente, uma vez que em nove de julho, escreveu na Revista Ela, de O Globo, que “viajar é abrir parêntese na vida”.

O tema, já deve ter sido percebido, aborda alguns dos sinais de pontuação, usados na Língua Portuguesa, inseridos completamente em todas as nossas atividades, na escrita e no falar, nem que seja na entonação.

Martha incluiu no texto certa aflição no antes do embarque e inquietação durante a viagem. Ela tratou do deslocamento aéreo, e o nosso foco será nele, também, para analisar da mesma forma.

Mas complementou, alegando que, ao chegar ao destino, livra-se de todo o peso e parte para aproveitar.
 
Bom, agora estou pronto para colocar o meu ponto de vista.

Primeiro dou o entendimento da gramática sobre reticências: indicam interrupção/fatos em curto espaço de tempo/supressão de um trecho.

Pois bem, aproveitemos o conhecer do professor Evanildo Bechara para fazer analogia com a temática da viagem: “interromper” pode está atrelado a deixar a sua rotina e resolver parar, ainda que temporariamente, para viajar. “Fatos em curto espaço de tempo” remetem ao próprio período do passeio, que geralmente é limitado, repleto de emoções, tendo a ver, obviamente, com viagem. “Supressão de um trecho” sugere deixar de fazer o de sempre, retirada de um pedaço com o qual você estava acostumado, o que perfeitamente se encaixa na continuidade da vida, que de repente perde o seu fluxo normal, em função da viagem.

Posso dizer que a gramática nos ajuda a sustentar a validade da ideia das reticências?

Digamos, todos, um grandíssimo “SIM”, pelos argumentos por mim apresentados acima.

Exponho agora a conotação de reticências, moradora no meu imaginário: adoto que as reticências são meninas recatadas, pra lá de educadas. Dão o recado nas entrelinhas, não escancaram objetivos, nem pressão; fazem suspense. Deixam a avaliação para o leitor. Interpretação livre. Carregam alegria ou tristeza. Oferecem liberdade, são democráticas. E andam em grupo, na formação de trio.

Viajar com base nas reticências aponta a dúvida sobre o que será encontrado, retrata a ansiedade e a expectativa por novidades. Por mais roteiro que haja, o inesperado assume grande impacto.

Já na ida para o aeroporto começam as traquinagens da empreitada. O transporte acontecerá dentro do combinado? Sem atraso? O “check-in” na companhia aérea não trará surpresas? As malas chegarão ao destino, sem mexidas do alheio, perdas, etc.? A passagem pela alfândega será normal? O passaporte passará incólume pelos controles virtuais, agora implantados? E, assim, as dúvidas vão se sucedendo...

Na decolagem do avião, você decide se entrega a Deus e relaxa ou morre logo de medo!

Uma vez nos céus, com a aeronave nivelada, surge um “certo” alívio, se os ventos e as turbinas estiverem favoráveis.

Boa sugestão ao viajante é que ele se entregue a Morfeu, Deus grego dos sonhos. Durma tranquilamente, ainda que de cabeça torta e pernas encolhidas.

Voltando à escrita da Martha, peço licença para discordar, quando ela afirma que, no destino, fica em estado de calmaria, descontraída. Não é bem assim...

Em terra, novas apreensões assolam, se conseguirmos chegar ao hotel sãos e salvos.

Abrimos mala, fechamos mala. Verificamos mais de duzentas vezes se ela está efetivamente trancada. Cá pra nós, em função da apreensão, esquecemos o segredo do cadeado ou não nos lembramos de onde deixamos a chave.

Não achamos aquela camisa preta, bem na hora de sair. Aí, optamos pelo ridículo, ficar descasados nas cores e nas indumentárias. Porém, não perdemos a pose, alegando:

- Turista é assim mesmo, de qualquer maneira. Não há quem ligue.

Compramos água na esquina pra economizar dinheiro do frigobar, mas não nos importamos em gastar pernas e paciência, na peregrinação, atrás de pequena economia. O que vale é pagar menos, em qualquer circunstância, embora desconsideremos a despesa de maior monta, já realizada, com passagem, hotel, etc.

A permanência no destino da viagem não é coisa de se tirar de letra. É tensa! Mil atividades, que mesmo que neguem, geram ansiedade e desconforto. Costumo brincar, relembrando os anúncios de turismo, em que alguns deles repassam viagens mirabolantes, do tipo: “realize o seu sonho, viaje conosco numa programação de dez países em nove dias”. Aí, vira correria infindável, sem proveito em parte alguma, entrando e saindo de hotel, além do rígido horário, de colégio interno, até para ir ao banheiro.

Para complicar o que é complicado, por si só, há outros inconvenientes: grupo grande deslocando-se, sempre com algum dissabor, longa espera até que todos estejam prontos ou que cheguem aos pontos de encontro, imprevistos de saúde, de dinheiro, de lidar com a língua estrangeira, e por aí vai... Sem nem tocar na tal doença do viajante, que faz com que o banheiro seja o recinto mais visitado. Que Louvre, que nada!

Essas aventuras sugam o ânimo do viajor. A diversão fica prejudicada pelas circunstâncias, a não ser que a pessoa releve tudo, passando por cima dos contratempos.

E vamos combinar que surgem, pelos caminhos, contratempos de “derrubar”, mesmo quando os envolvidos formam um animado time de turistas. Que tal topar com o furacão “Irma”, enlouquecido, desembestado por mares e terras?

Haja reticências para representar as surpresas, os sustos, mas, também, as alegrias de uma viagem!

Além de tudo comentado, existe, no meio do turbilhão de aventuras, a compra voraz de coisas que nunca serão usadas, não cabem no indivíduo presenteado ou não agradam. Surge, então, a clássica pergunta ao retornar: - Por que comprei isto, meu Deus?

Alfredo Domingos.

A idade é o de menos

Inferno... de garoto! Vive atrás de Julinha. Arruma mil motivos para estar ao lado dela.

Sempre dizendo:

- Ju, espere por mim.
- Ju, ajude na minha agenda.
- Ju, vamos estudar juntos.

Enfim, é assim! Numa pequena amostra.

Ela é quieta por natureza. Não diz taxativamente “sim” nem “não”. Simplesmente, faz companhia, vai no embalo.

A idade é o de menos. Estão no início da adolescência. A pureza mora ali. Mas o coração está disparando por tudo e por nada. Mais por tudo!

Não sabemos se é AMOR. Talvez... Porém, afirmamos que é um grude só. Nossa Senhora!

Ela muito delicada. Baixinha. Branquinha. Magra. Cabelos bem pretos.

Olhos vivos são a sua especialidade. Curiosos, em busca de coisas ao redor.

Usa em excesso o “por quê?”. Quer saber muito sobre os momentos e as circunstâncias que os preenchem.

Ele faz um tipo semelhante, mas com diferenças capitais, que veremos adiante. Ajeitado. Branquinho. Óculos. Cabelos alinhados, no estilo. Carregando a Infalível mochila, com o escudo do clube de futebol.

A dupla caminha pra lá e pra cá, dando risada. Andando para não chegar. Jovens olhares iluminam o caminho. O riso é misto de alegria e de nervoso.

Estão na fase lúdica de esconder material escolar, jogar bilhetinho na mesa do outro, fazer caretas e trazer o lanche de um para o outro.

Depois do primeiro semestre de aulas, após as férias, foram correndo para a porta da escola, ofegantes, ansiosos. Encontraram-se num profundo abraço, de perder o fôlego e de dar dor na boca do estômago.

Ela tem mãozinhas de dedos finos, com unhas rentes, cortadas até o sabugo, reminiscência do colégio interno.

Atende ao tilintar do WhatsApp no mesmo instante que ele a chama. Cumpre horários, chegando sempre adiantada, pronta para o que der e vier. Obediente às regras e responsável.

Ele é mais apressadinho, fere um pouco as horas marcadas, atrapalhado, e recorre a ela frequentemente. Mas há uma qualidade a destacar: usa de bom humor, sendo engraçado, espirituoso, quase irônico.

Suas notas nas matérias são menores do que as de Julinha. Isso importa? Não sabemos responder. As virtudes são múltiplas. Num casal, os complementos são essenciais. Não devemos dar peso às faltas e aos excessos. Estes estão presentes, certamente.

Fazem um par semelhante ao cantado pela banda “Legião Urbana”, em “Eduardo e Mônica”. O poeta expõe os contrastes. No nosso caso, pode igualmente ser que a “liga” da parceria esteja nas diferenças. Quer saber? Acaba dando certo!

Sexta-feira passada, na volta para a casa, os dois iam, como de hábito, com a conversa agitada, quando Marcelinho parou e pegou Julinha por um dos braços, mudando de assunto e atacando, direto e reto:

- Ju, vou perguntar: qual será o momento de darmos um beijo de verdade?
- Há quanto tempo estamos juntos (o termo “juntos” foi forte, mas...) sem que coisa alguma tenha rolado? Nem um beijo decente, “daqueles”.

Julinha permaneceu muda.

- Poxa, o que está faltando, caramba? (perguntou com ênfase)
- Nós damos beijos, sim, você esqueceu? - Ela respondeu tímida, falando baixinho.
- Sim, mas são beijos sem graça, no rosto. Parecemos, até, parentes ou amigos.
- Diga, quero lhe ouvir.
- Marcelinho, calma. Primeiro, faltou que você tivesse um pouco de “técnica”. Beijo não é para se anunciar ou perguntar a respeito. A vontade nasce. Evolui conforme a ocasião. E pronto, acontece! Ocorre que preciso me expressar sobre o quê sinto: ainda não estou à vontade para isso. Tenho, por enquanto, uma sensação esquisita. Entendeu?
- Bem, então precisamos meditar, “profundamente”, sobre o motivo de um beijo na boca ser esquisito. Podemos dar um tempo. Sei lá... durante essa reflexão toda. Só reconheço uma situação real: somos os verdadeiros “BV” (Boca Virgem).
- A nossa próxima atitude, sem dúvida, é sairmos daqui. Estamos no meio da calçada, com todos passando à volta, seu Marcelo Alcântara.
- Não se preocupe, resolverei a questão. A solução está nascendo. Vou dizer como:
- Escute, esse beijo virá, com certeza. Não fique assustada se surgir de repente. Cá pra nós, será muito bom. Afinal, representa o desejo de nós dois, não tenho dúvida. Deixe que viajemos na maionese, pois a dupla estará feliz. Risada!
- Venha, precisamos mesmo desocupar a calçada, Júlia Matos.

Alfredo Domingos

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Como será o daqui a pouco?

O ELEVADOR PAROU. QUE COISA!

Estou sozinho aqui. Não sei se é bom ou ruim. Ao menos, não há gente chata para reclamar, aumentar a aflição. Mas quem sabe fosse bom ter alguém para melhorar o astral? Contar piada. Poderia ser.

Acionei o alarme e a emergência. Todos os botões disponíveis foram apertados. Nada. Esta praga não se move. Ainda bem que não colocaram espelho. Já pensou me ver assim assustado? Encarando-me de frente.
Tentei puxar a porta pantográfica. Nada. Está emperrada. Tudo age contra, nestas situações. Pode ser medida de segurança.

Fim de dia. Pessoas saindo do edifício, que é comercial. Salas e salas. Amontoado de gente indo para não sei aonde, ou ficando para o quê?

Inventei de voltar e apanhar esta pasta para, talvez, olhar o processo no fim de semana. Nem sei se dará tempo. Fazemos besteiras para resultado algum.

Pior, estava em plena rua, livre. E agora, por causa da pasta, estou preso aqui dentro. Deu no que deu. Que babaquice.

Maldita pasta.

No Exército, diziam que soldado no quartel, fora do expediente, quer faxina ou cadeia. Então, que faço aqui? Idiota.

Esmurrar a porta não está resolvendo. Vou desabar. Sentar no chão. Cansei.

Para piorar, a luz apagou.

Contar carneirinhos não é agradável. O sono não virá, de jeito maneira. Acalmará? Acho que não.

Cantar não emplaca. A voz não sai. Também, não sou bom de canto. Minha mãe adjetivava como péssimo.

Não consigo enxergar que horas são. O mostrador do relógio está no escuro. Um dia, haverá relógio com a hora informada diretamente, minuto a minuto, sem ponteiros, e poderá conter luminosidade. Será o máximo.

Faz uma hora ou mais que estou nesta furada.

Deus do céu.

Poderia escrever. Me amarro. Mas como? Cadê a luz? Caneta e papel até tenho.

O porteiro estava na entrada quando voltei. Não observou que não desci?

Não.

Chegou a dar um boa-noite com aquela voz rouca de sempre.

SOCORRO. SOCORRO.

Lembrei-me de gritar. Em vão.

Agora, calculo que tenha passado mais uma hora. O tempo é um mistério. Quando você não quer que passe, ele voa. Quando espera rapidez, ele se arrasta como o quê. Qual o tempo que o tempo tem?

Sei lá. É assunto cavernoso. Na garotice, gostava de estalar o dedo. Tick. Para tudo. Devia ser ansiedade. Falava: “Fulana, faça isso” - Tick. Marcava ritmo.

Estou impressionado de não receber sinal de vida. Uma alma boa para me socorrer.

SOCORRO. SOCORRO.

Maldita pasta.

Começo a pensar que ficarei o fim de semana inteiro aqui. Hoje é sexta. Loucura.

Vou acabar sujando as calças. Estou apertado. Trata-se do tipo 2.
Vou arrancar esta gravata. Não havia sacado que ainda estava de colarinho fechado e gravata. Nas situações de pânico, a gente fica apalermado ou excessivamente ativo, descontrolado. Se estivesse com algum incômodo no corpo, algo me espetando, não daria conta. O perigo maior centraliza a atenção.

O paletó, antes, tinha ido para o chão. Livrei-me logo do estorvo.

Maldita pasta.

Tenho vontade de abri-la e picar tudo do seu interior. De raiva. O que sobrar, lanço no lixo. Ela, inclusive. Com casca e tudo.

Malvina ficou de encontrar-me lá em casa. Bem que poderia dar falta cá do degas e vir me salvar. Não sei de qual jeito, mas poderia.

Mulher sabe criar na necessidade. E ela é danada para fazer isso. Costuma, à toa, tirar coelho da cartola. Solucionar. Gosto da conduta despachada.

Certamente, ao saber, dará uma daquelas suas broncas. Faz parte do cenário. Mãos nas cadeiras, nariz apontado para cima, cara vermelha e língua afiada. Adora mandar coisas do tipo: o quê você foi fazer lá, hein?

Ela anda estranha. Impaciente. Mais reclamona do que o normal. Só aparece nos fins de semana.

Será que estou com os dias contados? Acabará me detonando. Não saberei dizer o porquê. Espero que ela diga. Continuo o mesmo. Acho...

São cinco anos e tal de namoro. Cada um na sua casa. Ela mora com a irmã, uma chata de galocha. E eu tenho meu cachorro velho, Mr. Magoo. Cheio de manias. Igualzinho ao dono. Confesso.

Atualmente, tanta distância entre nós. Quer saber? A relação está cansada.

A Beth esteve me provocando. Fazendo-se de gostosa. Quase capitulei. Mas evitei confusão. Sou fiel. As duas se conhecem da academia. Tinha tudo para dar zebra. Cortei.

Eu preciso, ainda hoje, passar na casa da minha mãe. Estava me esquecendo. Dependendo da hora de este aborrecimento terminar, irei. Sem deixar de, primeiro, apanhar a “Vina”. Se eu bobear, ela estará desmaiada na cama, dormindo. Não vou dar bola. Farei com que levante para me acompanhar. Afinal, é sexta-feira. Dia de arejar.

Meu Deus. Continuo aqui.

SOCORRO. SOCORRO.

Vi que não adianta gritar. O prédio tem mais dois elevadores. Não estão sentindo a falta deste. Incrível.

No meu escritório, não deve ter ficado um puto. Quando voltei, somente o Barbosão estava.

Burro. Mil vezes burro, o que sou.

Lamentar não resolve. A encrenca está consumada. Daqui para frente, somente aceitarei trabalhar no térreo. Gato escaldado... Vou me virar para conseguir novo endereço.

Continuo na maldição. Calor. Breu. Prisão. Até que estou suportando.
No futuro, inventarão um telefone portátil. Sem ligação fixa. Para usar em qualquer lugar. Servirá para estas situações. Ou para as boas novas. Proibirão papo demorado – fofoca longa. Não será essa a finalidade.

Êpa. Êpa. Nossa.

Nossa.
.
.
.
.
.

Uma parte despencou.

Agarro-me numa lateral de madeira.  Feito gato.

Não acredito. A cabine está pendurada por um lado, apenas. Começo a pressentir o fim. Triste fim. Ao menos, virarei manchete, amanhã. O “Diário de Notícias” estampará na página de rosto:

“ADVOGADO MORRE PRESO NO ELEVADOR”

DELEGADO DO CASO ADMITE CRIME. HÁ TESTEMUNHAS DE QUE O ACUSADO DE ROUBO NO BANCO DO BRASIL, AGÊNCIA COPACABANA, HÁ OITO MESES, TERIA JURADO VINGANÇA PELA CONDENAÇÃO.


SOCORRO. SOCORRO.

Maldita pasta.

SOCORRO. SOCORRO.

Vou morrer agarrado nela – bem feito. O feitiço pegou o feiticeiro.

Hê-hê. Se soltou. Meu Deus. Está caindo.

Gente, estou livre.

Livre pra Morrer.

Faíscas. Barulho.

Enquanto tiver consciência,

acompanharei a minha morte.

Será que apagarei antes do choque final?

Dizem que o coração pifa nestas horas,

não suportando a iminência da tragédia.

Cadê a pasta?

Não sinto.

Não ouço.

Não vejo.

Cadê eu?

?

.

Alfredo Domingos
(obs.: o texto não pede exclamações de alegria, na pontuação)

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Nosso grupo

As pessoas formam grupos dos mais variados temas: vinho, azeite, costura, baralho, música, leitura e outros.

O nosso é grupo de pilates. Isso! Conjunto de exercícios criado por Joseph Pilates, alemão, depois radicado nos EUA, que resumidamente trabalha a flexibilidade do corpo, o seu condicionamento, em sincronismo com técnicas respiratórias.

Muito bem! Os grupos da academia cumprem horários e o mínimo de regras. O nosso, em particular, frequenta às terças e quintas-feiras, no horário noturno.

As aulas ou sessões correm em estúdio apropriado, sob a condução da professora “Lidia”.

A grande virtude é que além da atividade física, o entrosamento dos participantes, no relacionamento, é total. Praticamente, realizamos terapia para salvar as nossas atribulações e dúvidas, ademais para serenar o espírito. O corre-corre da vida, ali naquele espaço, dá vaga à harmonia. Cede vez às boas conversas e às gostosas gargalhadas.

Os desavisados podem pensar:
- Gente, qual a loucura desse pessoal, que vai cuidar do físico e acaba entrando em estado de descontração, fazendo higiene mental, delirando nos papos de todo gênero, formando um verdadeiro grupo, além do “WhatsApp”?
E criam mais caraminholas, ao perguntarem:
- A professora não controla a situação?
A resposta às perguntas é simples, e pode ser única:
- O quê? Ela diverte-se mais dos que os alunos, e dá força ao bom convívio - risos!

Na essência, Lidia sabe que o rendimento dos exercícios fica facilitado, não havendo perda de produtividade nem de foco. A alegria aproxima as pessoas, forma ambiente saudável.

No quesito comilança, em algumas ocasiões especiais, suculento cachorro-quente é servido, contendo molho pra lá de especial, segredo de família de uma das colegas. Contudo, ultimamente, houve um incremento nas atividades extracurriculares. Estão sendo servidos lanches, de iniciativa dos alunos, no início das aulas. Se me faço entender, o que deveria ser “fitness” está virando gordice!

Mas todo mundo está curtindo a nova versão da comida! Virou, inclusive, oportunidade para testar receitas. Alguns defendem, marotamente, que é incentivo para maior esforço na prática dos exercícios. Será?!

Está na hora de dar uma palinha, amostra, sobre os “loucos” dos alunos (a professora foi poupada, primeiro pela hierarquia de chefiar a tropa, e, segundo, em função de estar infinitamente à espera do conde italiano, para marido, que, até agora, não apareceu...). Sim, por que não escapa ninguém das situações pitorescas, ao menos, no nosso horário de aula.

Sem nomear as “feras”, vamos relatando algumas passagens engraçadas ou inusitadas, para exemplificar:
Uma companheira caiu do cavalo, ao subir num equipamento, que mais parece um touro mecânico, de nome “barril”. Após ter acessado por meio de um banquinho, não o alcançou e foi ao chão, de bumbum. Sem que pudesse ser feito algo antecipadamente para evitar. Foi aquela dor!

A outra ri de tudo, acha uma graça... Gargalha tanto, que fica vermelha, sente falta de ar e acaba com dor na barriga, mas mesmo com os acessos de riso é solidária, fazendo várias gentilezas. A gente acha graça da risada dela.

Há um cara, nos seus sessenta anos, meio estabanado, que se torna engraçado ao contar histórias, dando apelidos e zoando os outros alunos. Atua em parceria com a professora, sem prévia combinação, criando momentos alegres, motivando a aula.

Integra, igualmente, o grupo a mulher que de tudo quer saber: - por que assim ou assado? Mas como isto? Para o quê? Cadê o fulano, que está sumido? E vai desse jeito à exaustão, indagando sem parar. É a própria mulher-dúvida – risos!

Faz parte da turma, também, aquela que muda o “layout” da aparência com frequência, ficando quase identificável, ensejando surpresa a cada chegada na aula. As alterações variam na cor e no corte de cabelo. Mas cá pra nós, ela consegue acertar no quesito juventude. Muda para melhor.

Por último, lembramos da amiga que, mesmo fora do seu dia de aula, cumpre rotina de comparecer à academia para realizar “nobre missão”: surge, indefectivelmente, no salão dos exercícios, de passinho curto e fisionomia de traquinas, trazendo nas mãos estendidas um pratinho, cuidadosamente coberto, como se algo precioso estivesse ali. O “presente” é bem-vindo, mas a balança acaba acusando aumento de peso, se cair dentro. Houve vez, de ela alegar que trouxe alimento “light”, para a professora. Tratava-se de sopa de legumes. Até aí, ia bem! Porém, com entusiasmo e bem-querença, complementou que o alimento estava ótimo, “levinho”, sem mal a causar, uma vez que fora preparado no caldo da rabada, que fizera, preocupando-se em dar toda a sustância. Meu Deus! A gordura tomou conta!

Mas nem tudo é satisfação! Vamos parar para reconhecer.

Dois desastres aconteceram que deixaram marcas de horror nos participantes.

Por partes, é a melhor forma de relatar.

O primeiro trouxe tremendo pânico, digo, até, que espalhou terror.

Em plena aula, que fluía num ritmo de concentração e de bom desempenho, mais que de repente, uma tremenda barata atravessou a sala do pilates. Cascuda. Grande. Nojenta. Com se estivesse passeando pelo calçadão de Copacabana. Não andava. Desfilava. Irque!!!

Daí, houve gritaria geral. A luz até piscou. Teve gente parando de correr somente na calçada. Fora aqueles que subiram nos equipamentos, em desespero.

O segundo desastre, felizmente, não atingiu com lesões a praticante algum. Poderia ter sido muito pior!

Numa sexta-feira. Fim de atividade. Última turma do dia. Poucos elementos. Estando o pessoal cansado pela dura semana. Acredite se quiser, o que era um pequeno estalo virou uma barulhada. Não houve quem entendesse de pronto. Surpresa.

Grande parte do teto de gesso da sala desabou, do nada. Restou sorte a quem ali estava, pois como eram poucos, o uso compreendia área restrita da sala, durante um exercício de solo.

Contadas algumas peripécias, vale ressaltar que em qualquer grupo o que deve prevalecer é a união. Quando destaco a união, sintetizando, refiro-me ao respeito, à amizade e ao entendimento. Esta é a base de qualquer atividade, ainda mais quando se mexe com o corpo, já combalido pelo lufa-lufa do dia inteiro, trazendo no seu interior problemas, desilusões, cansaço, trânsito ruim, etc.

Mas fica o recado, apesar das dificuldades, mexa-se!

À professora tudo! Então, como é que é?... Lidia, receba de todos nós a gratidão. Continue cuidando dessa gente. Louca gente!

Alfredo Domingos

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Perdida, até certo ponto

Coisas que eu sei. Luisinha é doida. Só pode ser. Valha-me Deus!

Vivo atrás dela, pagando o maior mico. Já me declarei. Abri o coração. Pintei o sete. Não entendo o jeito dela. Não consigo conquistá-la de vez. Pra ficar direto e direito. Ter uma continuidade no relacionamento, com pé e cabeça nos lugares.

Às vezes, escreve quinze minutos ou mais de mensagem no WhatsApp. Desmanchando-se de bem-querer. Então, eu me animo, e digo:
- Vou aí, correndo.
Em resposta:
- Não, agora, não. Tenho um mundão de coisas a fazer.
Pronto, esfria tudo!
Passam-se os dias, ela retorna:
- Querido, você está podendo?
Pelo “zap”, também, respondo:
- Sim, amorzinho.
Veio a contrapartida:
- Foi somente para saber...
Desabafei comigo:
- Maluca! Pô!

Outra vez, depois de um tempão sumida, deixou recado:
- Desculpe-me pela ausência. Os dias são tão corridos (pensei que fosse escrever “os dias eram assim” – deixa pra lá!).
- Não tenho tempo de nada!
Em seguida, relacionou todas as tarefas, até quando escovou os dentes.
Parei. Pensei. E meti esta:
- Criatura, você não visita o vaso sanitário? Caso sim, leve o celular para o banheiro e escreva, ao menos, “oi!” – acho que dá tempo, enquanto se alivia. Ora, bolas!

Lucubro, seriamente, que a prioridade dela em relação a mim está baixa, muito baixa. Minha posição é a última da fila, com certeza! Intuo que ela anda perdida, até certo ponto.

Depois, arrumou a seguinte história:

- Ultimamente, um sedan vermelho ronda a minha casa. Estranho e engraçado, ao mesmo tempo, pois parece com o seu carro.

- Luisinha, “meu bem”, sou eu mesmo! Se você notou, por que não me perguntou sobre a estranheza nem foi atrás, acenando, pulando, sei mais o quê?

Claro, diante da dificuldade de aproximação, decidi mostrar presença! Na volta do trabalho, passava pela porta dela. Tentava despertar mais interesse. Buscar um encontro extra, uma surpresa, uma dúvida, motivos para incrementar o que está fraco. Chamei a atenção, sim, mas ficou nisso, sem reação.

Mas há esperança, penso. Avalio que deve haver, no mínimo, um “sabor” na nossa relação. Relação esta distante. Não posso afirmar que existe AMOR – seria forte. “Quem ama cuida”, diz a música, o que não ocorre, e me deixa triste, confesso.

Esta “largueza”, que nos acompanha, e não o “grude”, instiga-me a continuar batalhando pelo nosso pseudorrelacionamento, querendo estreitar a distância, inventando-me a cada momento. Imagino ser salutar, não? Ou é sofrido?
Deixo no ar, para pensarmos.

Porém, para complementar as ideias, surge o momento de revelar um drama que deve contribuir para este “vai não vai” de Luisinha. O passo à frente e o imediato recuo que frequentemente ela cumpre.

Há alguns anos, quando não a conhecia, ela estava pronta para casar. Refiro-me ao próprio dia do casório.

Foi ao salão preparar-se para a cerimônia. Durante os preparativos, caiu “aquela” chuva na cidade, de inundar tudo. Quando foi pegar o carro para voltar, a rua estava cheia, intransitável. Mas impulsiva como é, mandou o motorista avançar. Mais adiante, o carro enguiçou por causa da água. De repente, ela viu-se em pé na rua alagada, na lamentável situação: maquiada, penteada e de véu. Ah, e sem os sapatos! Em segundos, ficou toda molhada, com tudo aquilo que levou horas para ser feito desmanchando-se, escorrendo pelo rosto, e o véu, embora curto, murcho, despencado.

Conseguiu, no entanto, chegar a casa. Destroçada, mas firme.

Apressadamente, reverteu a coisa. Arrumou-se com o vestido que não esteve na chuva, desprezou o véu arrasado, recuperou, ela mesma, a maquiagem e o cabelo, e largou-se a enfrentar novamente a água. Havia de triunfar, depois de tanta determinação diante da amolação.

Conseguiu, finalmente, chegar salva à igreja.

Mas faltava o noivo.

Resultado: ele não chegou. Não apareceu o tal de Fernando. No seu carro, a caminho do casamento, também na enchente, não pôde evitar cair no rio Jaguarão, dentro do veículo. Acharam-no, rio abaixo, ainda com o cravo branco na lapela do paletó de noivo.

Que má sorte dos dois (mais a dele, aliás!). Chuva assassina!

Provavelmente, Luisinha carrega o peso da tragédia, como um freio, travando a sua decisão de envolver-se definitivamente com alguém. Está de permanente quarentena, ressabiada. Passa essa impressão!

E eu sinto as consequências.

Aqui comigo, crio a esperança de que as coisas têm um tempo e o tempo, do mundo, resolve, obviamente com a nossa intermediação. Precisamos ajudar o acaso ou as circunstâncias. Mas vamos e venhamos, dois anos é um tempo excessivo para indecisões. Urge que o pacote seja fechado. Com solução favorável ou não.

Sonhar não custa nada, mas esperar sem limite custa, e como! O coração baqueia.

Passei a entender que cabe a mim forçar o desfecho da dúvida. Dar rumo. Para um lado ou outro. Necessito desadaptar-me do vazio, da pasmaceira. Desagonizar!

Alfredo Domingos

sexta-feira, 26 de maio de 2017

Cinderela urbana

Fonte da imagem: foto do autor (17/5/2017)

Desci do vagão do metrô, afobado, andando acelerado, na direção da rua. Estação Uruguaiana, no Centro do Rio. Manhã sob nuvens e vento frio circulando.

O trabalho aguardava-me com um repertório extenso de tarefas. 

No início da escada rolante, constatei que ela estava parada. Não sabia do que se tratava. Um transtorno a mais, apenas. Pus-me a subir os incontáveis degraus. De certa forma despreocupado, considerando que fora obra do acaso.

No topo da escada, no entanto, fiquei surpreso ao verificar o exato motivo da paralisação do meio de acesso.

Como a imagem acima expõe, o “pomo da discórdia” era um sapato de salto, de elegante confecção, que, por descuido ou outro motivo mais grave, ficou preso na plataforma superior da escada rolante.
 
A dona do objeto, a protagonista da cena, que roubava esta posição do sapato, era moça de trinta e poucos anos, de cabelos longos e alourados. Trajava conjunto de saia e blazer, ambos em cor pastel, blusa branca discreta, meias finas compridas, um lenço de tom róseo, de seda, envolvendo o pescoço, e, completando, a bela figura, diga-se de passagem, trazia uma pasta preta, que induzia a pensarmos que havia um laptop no seu interior, o que é equipamento que oferece “status”, mesmo nos dias atuais, nos quais as redes comerciais oferecem o material a preços acessíveis, em parcelas generosas e a longo prazo. A descrição fundamenta a condição observada por mim de que se tratava de gente de bem, que certamente se tornou vítima de um infortúnio profundamente desagradável, cujas consequências jamais foram pensadas. 

Anote-se que a fila dos passantes, com aqueles que não conseguiram galgar a escadaria, era enorme, já fazendo burburinho em sinal de reclamação pela espera.  

A descrição, falemos de novo, ganha consistência, quando revelo que ao redor da moça havia volumoso grupo de homens, todos gentis ao extremo, na tentativa de livrar o sapato. Ops!... Retifico - na tentativa de livrar a criatura, isto sim, do aperto pelo qual passava. Heróis em potencial, para tentar aproximação - eu imagino. 

Cinderela da cidade, na brincadeira de Saci Pererê, num pé só, fazendo o possível para manter-se em posição ereta. Beleza reluzente, mesmo no aperto.

O que acabou ficando engraçado, confesso, foi a minha atitude repentina de atravessar a massa do entorno, abaixado, afastando um a um, para chegar até a moça. Ufa! Ponha luta nisso, viu! Com o celular na mão, meio sem graça, cheguei a ela. Quando me dirigi:

- Incomoda-se que eu tire uma foto do sapato preso? Achei a situação inusitada. Como sou cronista, penso ter conseguido uma boa matéria. Risos! Não incluirei você, em respeito a este momento constrangedor. 

Recebi de volta a aceitação, sem problema.

Retirei-me do local com sorrisos. Refleti que as situações ridículas ocorrem e que estamos sujeitos a elas (a restrição é que a pessoa não deve se machucar, obviamente). Ter espírito desarmado ajuda bastante. Os aborrecimentos estão por aí a nos rondar, então para quê o estresse, se o seu sapato ficar preso, se suas chaves caírem no bueiro ou, ainda, se houver um escorregão na rua?

Libere-se, viver requer “savoir-faire”!

Alfredo Domingos

quinta-feira, 11 de maio de 2017

Para não chegar (pressa, incertezas e afins)

Estamos envoltos no “indo” (gerúndio) e no “será (futuro). Coitado do presente, abandonado. Geralmente, residimos na transição – “a empresa está revendo as suas estratégicas”; “os empregados estão sendo capacitados”; a lei passa por mudanças; para citar algumas das falas e procedimentos. Ou, então, tudo se resolverá para frente – “a empresa entrará em novo ciclo de prosperidade; “o governo tomará todas as providências”; “novos servidores serão admitidos, proximamente”; e, assim, transpomos o presente na busca do que ainda virá, e que sempre será algo novo e maravilhoso... pena que, somente na imaginação e nos planos “furados”! 

Pergunta: quando o presente acontece, afinal? (para não dizer “quando o presente estará presente?”) 

Tudo fica para depois. Tudo precisa ser refeito. Tudo está inacabado, em pleno 2017. 

Outra pergunta: quando virão a “prontificação”; o “resolvido”; o “estamos já na nova fase”; e o “planejamento encerrado e colocado em prática”? 

Precisamos penetrar e fincar o pé nas vozes ativa e passiva dos verbos, para que expressemos que as questões estão efetivamente resolvidas. Dessa forma, é que as coisas são encerradas. 

Duas moças pedalavam as suas bicicletas reluzentes, na Orla Conde, no Centro do Rio, semana passada, trocando ideias sobre alguma corporação que tem a sigla “KST” (não sei do que se trata). O que consegui ouvir da conversa, num curto tempo, foi: “A KST está repensando as suas políticas. Em breve ocorrerão mudanças”. 

Desculpem-me as moças, mas disseram o nada! Claro, que não acompanhei o contexto. Foram duas frases soltas para os meus ouvidos, porém, é necessário possuir muito contexto para que esse trecho tenha alguma relevância. 

Praticamente, todos nós estamos nessa vibe de mexer, alterar, revitalizar, reformar, etc., pretendendo chegar, sem alcançar resultados concretos. É um querer sem fim, brilho nos olhos para conquistar. Ansiedade. Alegria extrema. Mas ficando pelo caminho, infelizmente. 

O procedimento antigo do fazer devagar, com cautela, estudando prós e contras, para obter solidez, está em desuso. No embalo do face e do zapzap, com dedos nervosos, vamos antecipando, pulando etapas, terminando de qualquer jeito. Ampliando águas, que não deságuam em oceano algum. A pressa está dominando as ações. Corre-se para o quê? Chegamos sempre atrasados! Não é verdade? 

Aliás, a pressa merece reflexão. Estamos todos afobados. Espavoridos e esbaforidos! 

Reparo que rapidez e proatividade são diferentes da pressa louca. Realizar uma tarefa com pressa, às vezes, é melhor não fazê-la. Há confusão nesse quesito. 

A pressa desponta quando algo saiu do seu curso normal, geralmente motivado por falha no planejamento. O apressamento contamina as outras pessoas. Daqui a pouco, já estamos todos correndo com os nossos afazeres.

Surgem casos de a pressa virar rotina, o que estressa e faz com que o produto final das várias tarefas fique prejudicado. Aí, voltamos ao gerúndio e ao futuro. No meio da correria, começam os comentários: “Fulano está fazendo tal coisa para me entregar. Só depois, farei isto”; “estou aguardando pelo relatório “x”, para realizar a minha parte”; e “somente amanhã, conseguirei terminar este trabalho”. 

A qualidade cansou-se. Esvaiu-se. Para recuperá-la, precisaremos de tempo e de trabalho. Entendo que o pouquíssimo está muito, nas contrapartidas das exigências. É um vazio de solução que está por aí. 

E o detalhamento? Sofrido. Relegado. Não temos paciência nem atenção para aparar arestas, contornar situações, aplicar berloques, longas explicações e usar a correta Língua Portuguesa. Tristeza! 

Há, porém, a certeza de que um dia, mesmo demorando, teremos que chegar... e alcançar os objetivos. Não podemos procrastinar por toda a vida. Atitude, irmão! 

Alfredo Domingos

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Deixe o carnaval nos levar!

Um amigo escreveu-me dura mensagem, tratando do carnaval. Revestido de pessimismo, alegou que “não entende o povo brasileiro, esbaldando-se nos blocos e nas festas de carnaval”. Continuou ele indignado com a efêmera alegria “de quem é tão sofrido, maltratado, mal-assistido e sem condições mínimas de trabalho, como exemplos”. 

Resolvi responder, em defesa do folião! Lancei mão de um papelzinho para entregar, como quem não quer nada. Para deixar debaixo do pires da xícara de café, em um dos nossos encontros matinais. Entendo que matéria escrita, com a nossa letra, causa mais impacto. 

Preparei o pequeno texto, transcrito abaixo. 

Carnaval de fato é passageiro, porém, é um momento de liberdade, sem chefe, sem contas a pagar, sem ponto para bater, hoje eletronicamente, sem paletó, sem macacão e equipamentos de segurança e sem os demais elementos incômodos e sérios. 

O sujeito canta, pula, grita, mexe-se, coloca os braços pra cima, bebe; tudo isso se sentindo livre, às vezes no descer e subir das ladeiras das cidades, escoando-se como o próprio chope derramado, pelas ruas, meio sem rumo, mas dentro da festa. 

Desafinado, repete as letras das velhas músicas, que geralmente trazem conselhos de amor, de encontros, de satisfação, de divertimento, como na famosa “Máscara Negra”, de Zé Keti e Pereira Matos, onde encontramos versos deste jeito: “Quanto riso, oh, quanta alegria! Foi bom te ver outra vez! Eu sou aquele pierrô que te abraçou e te beijou, meu amor! Eu quero matar a saudade! Vou beijar-te agora! Não me leve a mal! Hoje é carnaval!”. Música e letra levantam o astral de qualquer um! 

Fantasiado. Oculto de si mesmo e dos outros. Encarnando personagens inimagináveis, até ridículos, contudo, sem pensar em atribulação. 

Sai dali esgotado, bebum e pronto para mergulhar, em busca do sono profundo, na primeira cama que pintar. Terapia “de grátis” e divertida. 

Ao acordar, ainda sonolento, é que, aos poucos, retorna à realidade. 

Assim, tendo tido lampejos de diversão, no turbilhão da luta diária, conseguiu um oásis de felicidade, de descontração. Isso não é bom? Sim, claro! O resto corre sozinho. Inevitavelmente. 

Alfredo Domingos

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Sonhar não custa nada e faz bem

Lufa-lufa, corre-corre, confusão, atropelo e mais outros tantos substantivos podem indicar a complexidade do nosso dia e a agitação do nosso cérebro, embora, na maioria do tempo, seja o verbo que nos inferniza, designando tarefas.

Vivemos num encadeamento de obrigações, incluindo a rotina de trabalho e, até, a diversão. Ademais, há a íntima relação com as redes de comunicação, que absorvem a maior parte das atenções.

Nos raros instantes de não se fazer coisa alguma, é permitido, e também salutar, sonhar. Um bom instante para isso é o curto lapso de tempo, antes de pegar no sono. A imaginação voa e o torpor da sonolência vem nos abraçar.

É imensamente prazeroso levantar voo, permanecendo no mesmo lugar, com os pés no chão, pensando em passagens agradáveis, chamando para nós aquilo que oferece prazer. Estudos de neurocientistas apontam que sonhar acordado é benéfico. O sonho aceita tudo, ainda mais se engendrado pela nossa engenhosa cabeça. Igual a texto no papel. Nem precisa ser verossímil, sensato e embasado. Ocupa a seara do poético. Não necessita de início, meio e fim. Flui ao gosto do sonhador. Adapta-se conforme a sua vontade. E o melhor é que sendo do agrado atrai o bem-estar, quando estamos em sintonia. Dá a ideia de superpoder, com o qual podemos comandar o presente e o futuro.

Quando algo me aborrece, além de apurar a respiração, peço socorro às ideias, deixando-as soltas, para que a paz retorne. Invento. Crio histórias do meu jeito, normalmente maravilhosas e bem-sucedidas, evidentemente. Acabo dando risada e experimentando prazer. Será uma forma de terapia? No meu sentimento, sim. Escolho apropriar-me de “leveza” e de “o menos é mais”, no cumprimento de conselhos tão atuais, visando estabelecer um “clima” favorável aos devaneios. Devanear faz bem.

Busco personagens simples, que julgo serem interessantes. Boas pessoas para que eu fique bem cercado. Não imagino maldades, traições ou mortes. Os personagens, apenas, somem, não mais sendo lembrados, a partir de saírem do contexto. Desvanecem-se. Quando estão na roda-viva dos acontecimentos, são atuantes, criativos e bons. Procuro atrair a bondade, trago-a para mim, para me acompanhar.

De repente numa história, sem fim por enquanto, pois o roteirista sou eu e estou vivinho da silva, destaquei um personagem do restante dos participantes – Alice. Companheira-namorada. De nome doce ao pronunciar e de imaginar, ligado à nobreza, segundo os estudiosos de onomástica, e ao mundo lúdico de Lewis Carroll. Faço conexão direta entre a Alice criada por mim e a do País das Maravilhas, de Carroll, embora as idades e as épocas sejam completamente diferentes. O coadjuvante número um sou eu, que transito no entorno de Alice, a protagonista. Preferi assim.

À volta de Alice, resolvi inserir pessoas diversas daquelas das minhas amizades reais. Vou ao encontro de outras cabeças. Penetro no novo, uma vez que o sonho abriga qualquer conceito de comportamento, ou até nenhum conceito. Gente que seja de seara alheia à minha, ligada, habitualmente, às artes, às atividades esportivas, à gastronomia e ao lúdico. Busco trajetórias do gênero blasé cujos assuntos me atraiam e gerem conteúdo com característica de sonho mesmo. Penso nos urbanautas (insistentes pessoas andarilhas das cidades, caminhantes sem freio); nos cozinheiros das horas vagas, mestres-cucas amadores; nos violonistas ou pianistas solitários, que dão audições fechadas, pra pouca gente, nos sábados à noite, tendo como ouvinte atenta a chuva na vidraça; e assim vou arrebanhando pessoas de vários gostos e origens, para somarem com os seus comportamentos.

Ah! Na invenção, Alice possui uma filha, de outro homem. Moça casada, que mora fora da nossa cidade. Com a vida resolvida, não nos trazendo incômodos.

Programo, às vezes, uma viagem até a cidade da “enteada”. Passagem rápida, com algumas atividades como caminhada, escalada, etc. Faz parte do lazer pra relaxar. Sair da rotina.

Conhecemo-nos da maneira mais trivial possível. Esbarrão na saída do mercado. Desculpas dos dois, e convite a ela se queria companhia até a casa. Aceitou, desde que a deixasse na calçada, em frente ao edifício, evitando invasão. Concordei. Troca dos números dos celulares. E, dias depois, marcado o primeiro encontro. A partir daí, somente alegrias!

Alice é campeã! Gente fina. Cordata. Paciente. Fala mansa. Disposta para as aventuras. Elegante no vestir, sem exageros, e, principalmente, de gestos gentis. Eu precisava dourar a pílula da personagem! Sem o quê não haveria graça.

Ela nunca teve um parceiro fixo, como se diz. O que pensou que daria em amor definitivo durou o suficiente para ganhar a bebê. Depois, findou num estalo. Não sendo necessário tecer detalhes.

Os meandros do sonho louco permitem comparação com a feitura de refeição de fim de semana, onde os panelões e as grandes quantidades têm espaço. Colocamos ali um pedaço substancial disso; quilos de material com sustância; colheres daquilo; pitadas daquilo outro; bastante coisinha boba e inofensiva, que não matará os comensais; raspas de coisa consistente; algo que irá dar cor; folhinhas verdes para proporcionar frescor e agradar aos olhos; e, se houver fôlego, conseguimos uma travessa refratária para gratinar o que for sem graça.

A escrita, ainda que mental, pode ter a concepção inventada acima. Sem problema. Cabe tudo no panelão da cabeça, assim como na gororoba que o fogão produz.

No seio disso tudo, lanço mão de uma mochila. Carrego-a nas costas, e me utilizo das “facilidades” que ela guarda. Seu papel é especial. Dali, tal e qual os recadinhos do realejo, retiro intervenções para enriquecer o sonho. Coisas dos tipos: cada um morando na sua casa; dirigindo o seu carro; fazendo suas compras; e administrando seu dinheiro. Somos praticamente da mesma idade, para não haver lacunas nos interesses. Ela professora universitária, de História, e quanto a mim deixo em branco. Sou o que sou, quase um anônimo para o “roteirista”. Risos!

As facilidades evitam conflitos. Sabemos como eles atrapalham. Dessa forma, não abro mão da mochila para a felicidade geral do hipotético casal.
Há dois professores, uma professora – os três da mesma universidade da protagonista - e a prima, que fazem parte do grupo mais íntimo. Alice tem irmã, mas não participa muito do convívio. Por motivos particulares, mantém-se um pouco afastada.

Os dois professores trazem a nós boas diversões, de tipos diferentes.

Um dos professores é pianista, fora da sala de aula, praticamente profissional, tão dedicado que colocou um piano de cauda, daqueles famosos, na pequena sala de casa. Brinda-nos em dois fins de semana, pelo menos, no mês, com saraus caprichados. Alguns tira-gostos, taças de vinho, cervejas, e faz a festa! Sujeito simpático, divertido, com vários casamentos nas costas ou nas lembranças. Esforça-se em ser bom anfitrião, uma vez que vive sozinho. Faz pequenos intervalos entre as músicas, para contar histórias, narrando conquistas, algumas bem-sucedidas, outras nem tanto, e também casos hilários. Ri de si mesmo. Há suspeita de que boa parte das conversas é inventada. Porém, isso não nos incomoda.

O outro amigo é sociólogo, professor de ideias progressistas, porém, é com a culinária que faz a sua praia. Possuidor dos mais diversos utensílios, que busca temperos, bons ingredientes e receitas refinadas. Frequentador de feiras e de mercados alternativos. Brinda-nos com belos pratos, na sua área, no apartamento térreo, ou deixando-os na portaria de Alice, de surpresa. Entusiasta de passeios por matas e por cantos escondidos, recolhe frutinhas e folhas comestíveis, fotografando curiosidades da natureza. Calado, desconfiado, mas com boas sacadas e de uma prestimosidade acima do normal. Sem casos amorosos para contar ou parcerias para revelar, reserva-se na sua intimidade.

A professora, com nome marcante, Joana D’Arc, traz, ao lado do marido, a face glamourosa da vida. A participação derrama o luxo no meu sonho, por meio dos grandiosos salões da residência, em Copacabana, endereço de frente para o mar, onde boa parte dos movimentos da cidade ocorre. Das passeatas à festa de final de ano, somos convidados para assistir, literalmente de camarote, aos grandes eventos do Rio. Janelões, praticamente, jogam-nos na areia da praia. Comparecemos todos. Geralmente, brindamos o momento com especial espumante e iguarias servidos por impecáveis garçons. Para completar, no campo das maravilhas, o casal coloca à disposição bela casa na Costa Verde do Rio de Janeiro, dotada de lancha, piscina e a indefectível churrasqueira, além de acomodações confortabilíssimas. Querer mais? Por quê?

O tom cômico, hilário, precisava fazer-se presente. Pronto! Aí entra a prima. Figura sem lenço nem documento, excessivamente espirituosa, tendo a comicidade como modo de vida. Viu-se sem o  companheiro, sem entender bulhufas. O camarada avisou que iria à esquina comprar cigarros. Para brincar ela rememora que era de uma marca antiga – Hollywood – de tradicional embalagem vermelha. Afirma que tem ódio deste nome, pois traz à memória o perrengue que ela passou, pois o homem, malandro, nunca mais voltou. Procurou-o em todos os cantos, inclusive hospitais e Instituto Médico Legal, sem sucesso, no entanto. Desistiu. Não encontrou apetite para fazer outra união.

A vida seguiu e se manteve dona do nariz, “sem estorvo”, como gosta de dizer. Assim, teve aulas de circo, de sommelier, de barista, história da arte e assim vai sem brecar a curiosidade e o arrojo. Parece-me que as invenções são propositais para passar alegria e distração às pessoas. Ah, ia esquecendo-me: ultimamente, faz curso de montanhismo. A idade, contudo, apenas para nos situar, passou dos cinquenta há tempos. Integrante de todas as ocasiões seja para casamento seja para enterro. Aparece sem avisar. Chega chegando. Convoca o pessoal da casa basicamente para três coisas: jogo de cartas, preparo de comidas e muito papo, sendo que este rola recheado de pitorescas situações, para não dizer doces mentiras. Outro dia, adentrou o apartamento de Alice com um polvo pelos dedos, mais vivo do que morto. Lançou-o sobre a pia da cozinha e falou:

- Mais tarde, trataremos deste aqui, enfiando o dedo indicador na carne do molusco. Fazê-lo é minha especialidade!

Bem, outros personagens caberiam na história, assim como poderia tecer tramas paralelas envolvendo as pessoas já citadas, mas pecaria pelo cansaço em pontuar ações e reações do dia a dia. Penso que dei a amostra do tema que queria abordar. Está resolvida a questão!

Gente, tudo isto é sonho. Doideira. Mas faz um bem danado! Dessa forma, uso de escapismo, em alguns momentos do meu dia atribulado, para ser gentil comigo mesmo, na tentativa sadia de misturar a dureza da realidade com o bem-bom do sonho. Trata-se do pilates dos pensamentos, a reviravolta do perfeitamente real em prol da fantasia. Para nos ajudar, Fernando Pessoa deu o recado: “O homem é do tamanho do seu sonho”. Claro, que ele comparava o sonho, naquela sua época, com o que se quer conquistar. Mas mesmo assim, vale o conselho do poeta, aqui na nossa conversa.

Agora, deixo a minha dica: sonhe. Bastante! Tudo é possível na imaginação. Não se avexe, não. Tudo se passará com você mesmo, com os seus botões, no fundo da alma.

Alfredo Domingos
(consulta ao texto "As vantagens de sonhar acordado", de Claudia Hammond, da BBC Future)