sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Os números do meu jeito


Sem considerar a numerologia, tenho maneira particular de interpretar os números. Apenas pelo estilo gráfico, atendo-me às formas. Devaneando. Um pouco de humor e outro tanto de inspiração. Quando converso a respeito, damos risadas, e, afinal, isso é o que importa. Alguns concordam, outros não. Modo de encarar cada um possui o seu. Mas vale a diversão!

Vejamos o que costuma sair da brincadeira:
- o zero (0), deixa pra lá! Oh, nada!
- o um (1) parece um monge tibetano, magro, obediente, cabeça inclinada, respeitoso;
- o dois (2) tende à interrogação, sentado nele próprio, duvidoso;
- o três (3) possui duas corcundas e duas bocas, guloso;
- o quatro (4) nem sentado nem em pé, indeciso;
- o cinco (5) olha para trás à procura do que passou, atrasado;
- o seis (6) apoia-se nele mesmo, barriga em excesso para poucos miolos, deprimido;
- o sete (7) encara firme o que vem, altivo, senhor de si, decidido;
- o oito (8) de pé, sabe Deus como, sem saída, não é finito nem infinito, enroscado; e
- o nove (9) cuca cheia, curvado, último da fila dos únicos, decano.

É fácil apontar o preferido! Vou de sete (7) e não abro. Místico. Detém muitas referências. Algumas exitosas, outras fatais, porém, sempre com algum ingrediente diferente ou imprevisível. A citação mais comum refere-se à crise dos sete primeiros anos de casamento. Há, também, a relação com o demônio, que suscita muita polêmica, sendo a mais traumática. No conjunto, a criatividade não falta. Contribua você também.

Alfredo Domingos

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A natureza imita a vida?

Fonte da imagem: fotografia feita pelo autor.

A natureza imita a vida ou a vida imita a natureza? Sei lá… Não convém elucubrar.

Caminhando pela Rua Sorocaba, Botafogo, na cidade do Rio, deparei-me com a árvore da imagem aí de cima, na altura do número 190. Uma senhora árvore. Bonitona! Fiquei pensando que a árvore, com a ajuda laboriosa das raízes, busca vida, espaço e completude, entre outras coisas.

Os humanos também têm necessidades semelhantes, no mesmo emaranhado, na mesma disputa desenfreada das raízes da planta, numa confusão enlouquecedora. Mas existe a desvantagem de precisar obrar, ralar, como se diz comumente.

A resolução dos interesses das pessoas não é tarefa fácil. Várias searas são envolvidas, desde a gestação até a situação de idoso. Não há como não interagir. O isolamento é fatal para o indivíduo, que, por mais que recuse, não consegue progredir sem a colaboração de alguém: a mãe, a professora, o síndico do edifício, o patrão, o agente público, o médico, o marido, o próprio filho, e por aí vai…

Com a nossa amiga árvore, ocorre diferente. Ela consegue viver com muito pouco. Silenciosamente. São necessários, basicamente, ar, sol, água e terra, com incômodo mínimo, resolvendo-se sozinha. Até acontece o contrário, são as pessoas que perturbam a mansidão da planta. Dá para observar na foto que a expansão da árvore está contida pelo canteiro feito na calçada. A bonitona está encurralada, safando-se do jeito que pode.

Caso fosse a situação de um “senhor” humano, ele destruiria o empecilho, romperia o obstáculo e sairia arrotando bravura. À coitada, por outro lado, só resta conformar-se e proceder da forma que Deus permite.

Cabe comentar o costume de uma amiga de origem oriental, Yeda, que, quando estava aborrecida ao dormir, deitava sob uma pequena árvore da sua sala, no chão – não sei se de quimono… Dizia, candidamente, que ao acordar estava renovada, leve. Santa companheira! Recordo-me da nora Luciana, que, ao fazer a mudança da cidade de Niterói para o Rio, não se esqueceu de Gertrudes, árvore do seu xodó.

Aproveito para narrar história pitoresca sobre a tal Gertrudes: no transporte, em plena ponte Rio-Niterói, a árvore, instalada na carroceria da picape, balançava cordialmente a copa, no embalo do vento, como no gesto de cumprimentar a todos, expressando-se numa delicada saudação. Parecia uma imponente porta-bandeira, cumprindo o seu desfile.

Voltando à nossa árvore, lá de Botafogo, se fosse para dar-lhe nome, não hesitaria. De pronto, pediria licença às “Severinas” deste Brasil para usar o nome. Sim, batalhadora e persistente, não caberia a ela outro chamamento. Antes de ir embora, confesso, não vacilei. Dei aquele abraço apertado na Severina. Que fique em paz!

Pois é, caminhando encontra-se, e encontrando comenta-se. Fala-se, graças a Deus, ainda, da natureza, mesmo sofrida, porém, presente, sendo testemunha muda da nossa complexidade, criaturas deste planeta.

Alfredo Domingos

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

“Do arco-da-velha”, vá saber o significado!...



Do arco-da-velha é uma expressão popular da Língua Portuguesa que significa "surpreendente", "incrível", "espantoso", “inusitado”. Às vezes, a expressão completa é: "coisas do arco-da-velha". Ela também pode servir para qualificar uma história ou alguma coisa que foi atingida pela invencionice.

Do arco-da-velha, geralmente, é usada para fazer referência a histórias do passado, para contar proezas e astúcias, enfim. Os escritores, mascates, artistas, barbeiros e pescadores são mestres neste tipo de narrativa.

Por volta do século XIX, a expressão "arco-da-velha" servia para descrever o arco-íris, chamamento que não é tão comum atualmente. Uma das explicações aborda que a denominação foi criada graças à história bíblica de Noé. Depois do dilúvio, Deus fez o arco-íris para indicar a sua aliança com o ser humano, e afiançar que não haveria outro dilúvio daquela grandeza. Dessa forma, na expressão "do arco-da-velha", a palavra "velha" representa a “velha aliança”, que Deus formou conosco. Por esse motivo, o arco-íris também é evocado como arco da aliança.

Há alternativa para a origem da expressão. Inicialmente, ela seria "arca da velha" e não "arco-da-velha", em função de que senhoras idosas guardavam quinquilharias e recordações secretas nas suas arcas.

Alfredo Domingos

Fonte de pesquisa: http://www.significados.com.br

A confissão de Adelaide

A senhora é praticamente a minha última esperança. Por isso estou aqui. Com sinceridade não aguento mais tanta pressão. Tomei consciência do meu problema quando era ainda menina. De lá para cá não tive mais sossego. Vivo escondendo a situação. A minha mãe aconselhou esconder. Esse jeito me trouxe uma carga danada. Dissimular pela vida toda é difícil. Trago este fardo pesado. É demais! Inicialmente é preciso revelar o descontentamento acerca do meu próprio nome – Adelaide Ozório Grosso. Trago comigo dois nomes masculinos que me desagradam. Sendo que “Grosso” me dá arrepios. Ele tem tudo a ver com o meu problema. O destino quis assim. Não me poupou do castigo. Ao pensar nisso tenho náuseas. Fico abalada. Sofro de uma eterna constipação. Ou pode chamar de obstipação. Em linguagem clara sofro pra caramba de prisão de ventre. Quando quero ser fina digo que tenho retardo do trânsito intestinal. Embora a medicina esteja hoje avançada o meu caso é considerado doença. Eu posso? Recuso convites de passeios para não me expor. O senso comum indica uma situação vexatória. Imagine que em bate-papo com amigos há de repente mudança do rumo do assunto. Qualquer que seja ele. O comentário pode estar acalorado sobre uma partida de futebol envolvendo até Vasco e Flamengo que logo alguém arruma um jeito de perguntar por mim. Surge o maldito tema. A preocupação reside se eu me resolvi ou não. Absurdo! Fico superconstrangida. Não sei onde me enfio. Questiono brava pela falta de matéria melhor. O que desvenda o segredo e me coloca desprotegida é justamente a parte mais desagradável do infortúnio. É quando vem o alívio. A consequência é terrível. Devastadora. A emenda adquire condição pior que o soneto. Após a prisão de ventre acontece o desembaraço do material. As dimensões são assustadoras e desproporcionais ao meu tamanho. Afinal sou do tipo mignon. As pessoas querem saber se precisam fatiar o “estrupício”. O deboche toma conta por mais cerimoniosos e distantes que sejam os envolvidos. Não entendo tanto abuso. Olha que trato todo mundo com cortesia. Como manda o figurino. Sou professora. E não é que a história já invadiu a escola? Teve colega indagando pelo meu intestino. Na hora fiquei muda. Só olhei para o indivíduo. Não excedo no que faço. Meu modo de ser é discreto. Idem para a forma como me visto. A Senhora vê a sobriedade da minha roupa. Nada de decotes ou alças. Muito menos saia curta. Em época passada usava diariamente casaco. Bastava sair à rua. A temperatura não importava. Acho que deve haver relação com o problema. Sou toda presa. Trancada. Até os meus cabelos estão constantemente amarrados em rabo de cavalo. Ao longo da vida não me coloquei de braços cruzados diante da desventura. Procurei me cuidar do imbróglio. Percorri muitos médicos. Tomei incontáveis remédios. E segui imenso cardápio de receitas caseiras ou não. Além das igrejas, estive em rezadeiras e nos centro espíritas. Antes de deixar a Senhora falar vou mostrar a última brincadeira feita pelo meu pai e pelos meus irmãos. Foi recente. Um final de semana em Santas Águas com parentes e alguns amigos. Preliminarmente, devo dizer algo. Dias antes viajei a Campo Geral. Espere o fim para sentir como foi longe a tal brincadeira. Com antecedência houve o preparo de um falso comunicado. Seria oriundo do Prefeito de Santas Águas. O mote obviamente envolvia os meus escandalosos dejetos. Montagem pura. Farsa para divertir os outros às minhas custas. Vergonha para o meu lado. Tenho a prova. Veja aqui o papiro:

COMUNICADO

A Prefeitura Municipal de Santas Águas comunica que a permanência da Professora Adelaide Ozório Grosso no Município está subordinada aos cuidados mínimos necessários, de acordo com os tratados internacionais de saneamento básico, no que tange à eliminação de dejetos fecais que, em nenhuma hipótese, deverá prejudicar o ecossistema marinho. Informamos que esta Prefeitura tomou todas as providências no sentido da prevenção, inclusive inaugurando um novo emissário submarino, com capacidade de vazão de 800.000.000 l/min, e a montagem de um plano de pronta evacuação da região, com apoio da Força Nacional de Segurança, no caso de um descontrole. As cidades vizinhas, no raio de quatrocentos quilômetros, foram notificadas da possibilidade de uma hecatombe ecológica. As nações africanas do Atlântico foram orientadas a tomar medidas acauteladoras contra uma possível onda gigante. Conhecendo a dificuldade que a citada Professora terá para evitar um desastre ambiental no Município e no mundo, serão mantidos em plantão constante dois guardas sanitários e um engenheiro de tubulações. Estarão disponíveis os mais diversos equipamentos, tais como desentupidores hidráulicos, perfuratrizes de ponta de diamante, medidores de bitola; além de grande reserva de creolina e outros solventes industriais. Complementam a relação tanques de eliminação de lixo atômico, operados pelos veteranos de Cubatão e Chernobyl, dragas e mergulhadores de combate.

A seguir listamos as orientações pertinentes:
1) usar continuadamente fibras alimentares;
2) evitar a ingestão de gorduras e produtos possivelmente deteriorados;
3) consumir constantemente laxante;
4) não ingerir nenhuma comida vendida por ambulantes em locais públicos; e
5) utilizar banheiros químicos.

Cabe registrar, ainda, que o Prefeito de Campo Geral enviou oficialmente o seu repúdio pela catástrofe deixada pela Professora em sua região, com o prejuízo da produção de soja daquela área. Dessa forma, resta-nos informar que a cidade de Santas Águas encontra-se em ALERTA VERMELHO, estando preparada para operar o seu sistema de proteção aos seres vivos.

Finalizando, cumpre registrar que todo o cuidado por parte da Professora será pouco.

Prefeitura Municipal de Santas Águas, 8 de janeiro de 2010.

Rubão Arruda – Prefeito


Alfredo Domingos

Nota do autor: os nomes usados são fictícios, das pessoas e das cidades; mas a situação é real. Foi tentado dar ritmo de desabafo, de pressa, à história; assim, não foram utilizadas vírgulas na confissão.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Aprontando o lápis

 
O escritor Ruy Castro apresentou mais um brilhante artigo, que tratou de tema curioso. David Rees, cartunista americano, abandonou a antiga carreira e passou para a lida de “apontador de lápis”, dentro do mais perfeito rigor profissional. Cobrava quarenta dólares por lote, hoje já nem se sabe quanto, valendo-se de sofisticados equipamentos, entre lixas e tornos.

Imagino que o seu trabalho seja restrito a um seleto público, exigente a ponto de conferir nas próprias bochechas a excelência do resultado.

Admirei o artigo pela excentricidade do ofício, mas muito pela tentativa de David em manter vivo um instrumento que tentam sepultar, em função da avassaladora onda da informática e das demais formas de mensagem, que deixa obsoletos lápis e caneta.

Bem na minha frente, sobre a mesa, tenho uma larga caneca repleta de lápis. Com satisfação, mantenho-os impecáveis, prontos para novas aventuras. Afirmo que nem preciso dos serviços de David, lançando mão de um antigo apontador de metal, herdado do meu filho.

Lembro-me, saudosista, dos vários empregos desse empertigado e longo pedaço de pau, que risca e rabisca quase todas as superfícies, abusando, inclusive, do frágil papel, produzindo recados, cumprimentos, desaforos, desenhos, chegadas, partidas, dedicatórias, notícias e muitas, muitas, declarações de amor.

Sou adepto do bilhete. Faço, ainda, uso constante. Não fico vexado em deixar papeluchos ou enviá-los, embora saiba da força do face, Whatsapp, e-mail, torpedo e de outras invencionices. E sempre por meio do lápis. A minha caligrafia agradece. Ela se faz mais bonita. Até a Língua Portuguesa ganha com isso, pelo bom tratamento recebido, pois nós sabemos dos maus tratos impostos pelos outros modelos de comunicação.

O bilhete assinala que a outra pessoa esteve presente, fazendo com que a escrita leve um pouco dela. O sentimento é conduzido de forma forte ou fraca, conforme a intensidade do segurar no lápis, a raiva ou a mansidão de momento e o tipo de grafite. A relação é real, emocional e estritamente pessoal.

Falar nisso, habituei-me a conduzir no bolso da camisa um afiado lápis. A gente nunca sabe quando terá necessidade de escrever as tais mal traçadas linhas, não é?

Alfredo Domingos

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Independência ainda que tardia

Foi criada na religião. Santana, desde menina, frequentava os cultos, reuniões e cerimônias. Os amigos e as mínimas brincadeiras estavam ali. Passou pela infância e adolescência num estalo. A descontração, o riso fácil e a comunicação foram cerceados ao extremo. Quando se achou, era adulta e casada com um companheiro de coral.

Suas roupas obedeciam ao esquema das mangas compridas e saias longas. Os sapatos eram baixos e fechados. As golas, todo o tempo, permaneciam hermeticamente fechadas. Passou vários anos sem cortar o cabelo. Ostentava grossas tranças que, presas, davam voltas na cabeça, serpenteando até se tornarem quase uma carapaça.

O pai abandonara as coisas comuns, dos tipos futebol, bar e bate-papo, para se dedicar inteiramente às atividades religiosas. Fazia o que aparecesse. Da troca de lâmpada à pintura de paredes. Saía do trabalho às carreiras para dar o segundo expediente na casa de Deus. Parecia, até, ter satisfação nas tarefas. O foco era uno.

A mãe, habilidosa na costura, fez um sem número de enxovais, ao longo dos anos. Esbanjava capricho. Fazia questão de ir à casa das pessoas para entregar, morta de alegria, as roupinhas e mantas. Chegou a ser madrinha de muitas crianças. Embrulhava cada peça cuidadosamente em papel fino, e, dependendo do sexo do recém-nascido, usava a cor rosa ou azul.

Sabemos que a rotina, de tão rígida, acaba viciando, oferecendo como única opção obrar, desmedidamente, em vez de o nada fazer ou de procurar algo diferente.

Santana iniciou os três filhos na igreja, também. Era dura com eles. Exigia estudo ou trabalho, de preferência os dois. Os bons modos não podiam faltar. Repetia à exaustão:
- Filho, seja honesto.
- Cumprimente as pessoas.
- Só o estudo e a religião fazem um homem de valor.
- Filha, dê lugar aos mais velhos.

Assim, seguindo alguns exemplos como estes, conseguiu edificar, sem trégua, o bom combate diário, privando-se de vícios e exageros.

Concordamos que o envolvimento com a ditadura das obrigações é cansativo. Põe cerco e sufoca a criatividade. Tira-nos o ar. Cega para os instantes leves e doces. A tensão se instala de tal forma que nos rouba a liberdade.

Entre um credo e outro, nesse ritmo acelerado e encurralador, a vida avançou sem que, na realidade, os personagens envolvidos dessem conta.

Ao contrário, quando se está à toa, o tempo não passa. Os momentos fluem vagarentos. Há espaço para a poesia, a troça e o refletir sadio.

Como é gostoso devanear, soltar as amarras!

Santana não se tocou sequer de um tantinho disso. Seguiu locomotivamente, absolutamente nos trilhos.

Mas aí, no correr dos anos, vem a parada obrigatória. A estação surge no caminho, fazendo com que haja a desaceleração.

Santana, já idosa, ficou doente, sentindo isso e aquilo. Ora era uma tosse persistente, ora uma dor nos ossos incessante. Faltavam-lhe as forças. Exames eram feitos aos borbotões. Ocorriam idas e vindas do hospital. Emagreceu, perdeu a cor e foi para a cama. A cura parecia distante ou inalcançável.

Combalida, constantemente reunia a família em oração e, cheia de fé, pedia salvação. Em segredo, lamentava-se da sorte, lançando mão do inevitável “logo eu, por que, Senhor?”.

E nessa derrocada, surgiu o final sem explicação para explicar. A saúde foi embora e Santana acompanhou. No momento derradeiro, com todos ao redor, pediu que dessem as mãos, e, em lágrimas, soltou no mais alto tom que pôde: - eu quero CACHAÇA!!!

Em seguida, descansou sem provar da “marvada pinga”.

Estamos concluindo, obviamente, que Santana não pretendia se embebedar, tomar todas. Porém, queria, num último suspiro de lucidez e vida, gritar ARREGO!!! Rasgar a regra e dar uma grandíssima banana para o correto. Promover a sua independência de tudo, embora com atraso. Livrar-se terminantemente, mesmo sendo por meio dos braços conspiradores da morte.

Alfredo Domingos

Oração da bola



Sou feita de couro, plástico, papel ou meia.
Redonda, às vezes nem tanto.
Sim, sou a bola, tão em moda nestes tempos.
Estou em cena, aqui, acolá, alhures.

Circulo no gramadão, graminha, quadra, cimento ou terra.
Aliás, estou presente em qualquer espaço, por estranho que seja.
Sou conduzida por craque, pereba ou fominha.
Recebo chutão, colocada, enfiada, chutinho ou bico.

Ocasionalmente, sou isolada fora do estádio, sem volta.
Alcanço voo. Entro em órbita.
Em outras, ganho beijo ou fico sob as camisas, viro barriga.
Tenho cores e desenhos sem fim.

Com toda a força ou devagarzinho.
Com a mão ou pé.
Invado áreas ou cruzo linhas. Sou levantada ou enterrada.
É o árbitro quem me conduz nas mãos. Sou a estrela.

Mas os grandes momentos são: o GOL; a CESTA; o ACE; e o PONTO!
Aí, me acabo. Fico envaidecida. E comovo os outros, também.
Grandíssima é a alegria.
Ave-Maria, que loucura!

Não finalizo em vão.
Sirvo-me desta oração.
Que a minha atuação seja traço de união!
Povo feliz, irmanado, estenda a mão.

Alfredo Domingos

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Assim falam os boleiros


Fonte da imagem: www.radiodeverdade.com
Da esquerda para a direita: Sergio Américo (Tupi), Sandro Gama (Band), Sergio Guimarães (Transamérica), Eduardo Gabardo (Gaúcha) e Rogério Ribeiro (Transamérica) – 2013

Entre os esportistas, os jogadores de futebol, principalmente, têm um linguajar característico. De natureza simples, é o que se pode chamar de papo reto, direto, movido por poucas palavras. Porém, não são apenas eles, chamados de “atletas”, que assim procedem. As pessoas envolvidas com o esporte também se inserem no mesmo modo de falar, incorporando a forma de expressão dos jogadores. São estes os treinadores, médicos, massagistas, fisioterapeutas, árbitros, auxiliares do árbitro, comentaristas, narradores e repórteres.

O jeito peculiar da comunicação é reconhecido de imediato. Inicialmente, nota-se a dificuldade que o repórter tem em conseguir respostas à suas perguntas. Normalmente, o entrevistador esforça-se em conduzir a pergunta, facilitando ao máximo a resposta.

Um exemplo do malabarismo do profissional, após ter obtido por outras fontes todas as informações necessárias: - a tendência para o próximo jogo é que você volte à equipe, segundo revelou o médico do Clube, e assim ocupará posição no meio-campo, de acordo com o que o treinador externou, pela ausência do Pedrinho, jogador que executa a função, não é?

Resposta: - é...

São monossílabos, geralmente, tão somente complementando a abrangente arquitetura da pergunta.  Ou será que o repórter elaborou em demasia a pergunta, não dando chance a uma resposta também elaborada?

Fica nítido que a entrevista é na base do saca-rolha, a não ser que o craque queira desabafar ou reclamar de alguém, usar para si o momento. Aí, ele conduzirá a fala sem poupar palavras, às vezes ásperas, e com bastante entusiasmo.

O entrevistador comenta que atualmente há limitações extras, do Clube e do representante do jogador, no acesso para colher informações.

Outro óbice existente no mundo do futebol é que as coisas mudam a cada segundo, conforme declara o competente repórter Sérgio Américo, da Rádio Tupi. Dessa maneira, prever o que acontecerá na partida vindoura é tarefa difícil. A declaração dada hoje, por jogadores e dirigentes, pode não ter sentido amanhã.

No meio do processo, está o torcedor, ávido de notícias sobre o time do coração. Pregado na TV, na internet, no carro e de radinho ou celular no ouvido, nos estádios.

Para ilustrar, reunimos algumas expressões e palavras usadas costumeiramente pelos habitantes do planeta bola, que, afinal, dão graça ao esporte da nossa preferência:

- como eu falei;
- levantar a cabeça;
- o companheiro quer nos ajudar;
- prefiro não falar do árbitro, mas...;
- o “professor” pediu para...;
- estamos preparados;
- temos que pontuar;
- sairemos desta situação incômoda;
- zona da confusão;
- estamos focados;
- foi questão de desatenção;
- houve falha de posicionamento;
- entrar no G4;
- sair do Z4;
- conto com...;
- temos tudo para melhorar na tabela;
- o objetivo é sair na frente;
- voltar melhor no segundo tempo e virar o jogo;
- o jogo está equilibrado;
- vamos lá;
- sofrimento;
- pressão;
- raça;
- superação;
- recuperação;
- descansar;
- paciência; e
.
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- Conte o que você viu, aí atrás do gol, Aquiles Júnior! – disse o narrador, após um emocionante lance, passando a palavra ao repórter de campo.

Alfredo Domingos

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Cortar - o verbo do momento

Há etiqueta, orelhinha, unha grande, sobrancelha peluda, ponta de qualquer espécie, fio pendurado, barbantinho saliente - tudo é cortado!

Praticamente, em cada cômodo uma tesoura. E na bolsa de mão, também. São tesouras de todos os tamanhos, tipos e marcas. Sempre afiadas. Passa a encomenda aos amigos, qualquer que seja a viagem. Alega que não ocupa espaço na bagagem.

Procura a mercadoria, inclusive, nos brechós, nas feiras de antiguidade e nos armarinhos.

Se a namorada expõe-se de calcinha e sutiã, desavisadamente, já é motivo para a tesourada funcionar, e as etiquetas irem para o espaço.

O homem é atento!

Por outro lado, um primo possui a mania de comprar Band-Aid. Mas, o produto deve ser estrangeiro. Para durar, por exemplo, no calcanhar, durante vários banhos. O estoque é gigantesco. Vez por outra confere a validade. Vamos e venhamos, ele precisa, para dar saída nos Band-Aid, sofrer muitos acidentes. Vive oferecendo às pessoas mais chegadas. Parece que se orgulha em observar o curativo grudento circulando por aí, como sendo sua marca.

Porém, o homem da “desetiquetagem”, nosso mote, é infalível no corte. Parece o “Edward Mãos de Tesoura”, devastador dos cabelos alheios.

Há incomodação com o que está fora de alinhamento. Ponteagudo. Saliente. E excedente. O desconforto aumenta nas camisas, quando as etiquetas ficam fustigando-lhe o pescoço. Barbaridade! Dá coceira no cidadão.

Atualmente, principalmente no Governo Federal, algumas tesouras podem ser distribuídas, pois terão utilidade em excesso. Falamos em cortes, de despesas, de cargos, aqui e ali, mas a situação está grave, sem resolução. Onde estão as tesouras, afinal?

Então, é chegado o momento, se não atrasado, de retirar o mau pela raiz e aparar o que cresceu indevidamente. Os jornais e entrevistas na TV apontam, frequentemente, e muito, todas as providências a tomar, não precisamos repeti-las. Os políticos e os economistas estão na pista. Que pensem e façam!

A história de pacto para o soerguimento da Nação é pura teoria. Mesmo sem a união das múltiplas correntes, que sejam realizadas as ações positivas e de forma imediata. Basta haver um mínimo de liderança interessada no bem público, desgarrando-se do olhar pequeno sobre grupos ou partidos. Existem o partido do governo e os partidos aliados; pois bem, que se empenhem em recuperar as questões básicas, fornecendo o apoio devido ao Dirigente Máximo do Poder Executivo, mesmo com a oposição em ebulição. Pronto, pensemos, assim, no País!

E a mania de cortar do nosso amigo? Coitado! O máximo que consegue é estirpar umas etiquetas incomodativas, na esfera do lar. Caso recebesse um “tesourão reforçado”, para as  tarefas maiores e emergenciais, talvez obtivesse sucesso, salvando-nos dos problemas nacionais.

Vá, que é sua, cortador de etiqueta!

Alfredo Domingos

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Deus por todos, coitado!


“Depende de nós”! Com a devida licença de Ivan Lins e de Vitor Martins, uso o título da música dos dois artistas. Mas pedir a Deus pode! Sei da sua ocupação e do provável cansaço. São intervenção e vigília permanentes.

Quase em todas as ocasiões, levantamos a cabeça para o céu e pedimos. E como! Ave-Maria! Há momentos que, também, erguemos as mãos.

É para achar a chave perdida. É para o menino tirar nota boa na prova. É para o namorado voltar. É para a comadre ter sucesso na cirurgia. É para a samambaia crescer. É para o processo andar na Justiça. É para as unhas não quebrarem. E vão por aí e por aqui o rosário de intenções e as consequentes promessas.

Agora, suplicar para o time de futebol ganhar partida ou campeonato é demais da conta. Vamos economizar Deus, por favor! Geralmente, os envolvidos com o futebol fazem milhões de bobagens, e será Deus que dará jeito em tudo?

A mesma coisa é para a criança não se estabacar em plena correria desabalada, pela rua. Deus estará amparando a criaturinha levada da breca, sem a mãe a zelar? Não tem cabimento exigir tal façanha de um Senhor.

A turma bebe todas no churrasco e, em perfeita união, solta a pérola: “agora, cada um por si e Deus por todos”! Missão esta prá lá de impossível. Coitado de Deus! A ação divina poderia ser ansiada antes da tragédia, mas depois que a loucura se instala, aí, a Inês é morta!...

Bom, resumindo: orar, suplicar, confessar, chorar, enfim, evocar Deus pode. Afinal, crer não custa nada! Se será satisfeito, dependerá de muitas coisas e de nós mesmos. Acima de tudo, estarão em jogo as nossas próprias condições. Faça por si, que Deus terá mais chance de contribuir para acontecer!

Alfredo Domingos
 

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Sonho de voar


 Fonte da Imagem: www.treinointerativo.com.br

“Voar é um milagre”.
Que o digam os dois terços dos seres vivos aos quais a vontade divina
concedeu tão abençoada graça.
Por isso, considero todos eles autênticos rebentos dos céus.
Há quem veja no viador um ser heróico.
Pois eu vos digo do alto do meu ultraleve: nem heróico, nem épico.
O homem que voa é, sobretudo, um ser utópico. Um ser místico.
Milênios se esfumaram: os pássaros voando, os homens pastando,
neste vale de lágrimas.
Voa a borboleta - asa de vitrais, no seu voo soluçante.
Voa a galinha - não sei bem pra quê. Puro assanhamento.
Voa o bem-te-vi - benza-te Deus.
Voa a garça, branca, leve - branca de neve.
Voa a andorinha - prenda minha.
Voa o urubu, luto fechado, teu planeio te redime.
O mosquito voa - bichinho à toa também voa.
O vaga-lume também voa - vaga luz, navegando pela noite,
sua noite intermitente.
Voa o morcego - nunca vi asas tão vis.
Voa a coruja - rasante maldição da meia-noite.
A gaivota voa - como invejo a tua dócil geometria.
Até o besouro... O besouro também voa,
rastejando pelo espaço sua penosa aerodinâmica.
Graças à imaginação, o homem acabaria contemplado com o dom de voar.
Um dia, alguém me perguntou porque gosto tanto de voar.
Devaneio puro. Quem voa, sobrevoa. Quem voa, sobreleva.
Quem voa é cúmplice dos ventos.
Quem voa busca no céu um lugar de onde Deus possa vê-lo melhor.
Quem voa perpassa as sete cores do arco-íris.
Quem voa reparte com os anjos a castidade azul do céu.
Quem voa é confidente das nuvens.
Quem voa sabe que a nuvem tem coração de mulher: beija e balança...
Quem voa sente o perfume das rosas dos ventos.
Quem voa é capaz de ouvir e entender estrelas.
Quem voa contempla, de perto, o instante em que o sol se cala.
Quem voa, quando pousa, está voltando da eternidade.
Só quem voa descobre o tamanho de Deus.

Armando Nogueira

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Luan Santana - um bom exemplo


Considerando os atuais tempos, em que a esperteza é valorizada ao extremo, o que seria normal de ocorrer passou a ser uma exceção, de causar espanto, digna de efusivas referências. Amostra disso: Fulano devolveu uma carteira perdida, recheada de dinheiro. Louva-se! Em consequência, o indivíduo comparece ao jornal televisivo de grande audiência, é enaltecido, etc. e tal.

Não deve ser assim! Até que o objetivo seja o de realçar a boa ação.

A correção constitui-se em parcela inerente ao cidadão. É obrigação. Nasce na família. Melhora na fase de estudante. E se complementa na atividade profissional.

Falando objetivamente, urge que tenhamos mais referências populares para virarem exemplos e ter seguidores, para que não venhamos a precisar de acontecimentos esporádicos.

A população ressente-se desses exemplos, considerando que, por diversos motivos, a estrutura familiar apresenta-se precária, e, em triste complemento, a escola atravessa uma situação ruim, no que tange à formação e ao conhecimento, apontando para dificuldades que tão cedo não serão sanadas. Esse conjunto indica um vazio desolador, cujo preenchimento não está ao alcance do poder público, ao menos no momento.

Mas, há salvação. Na confusão em que estamos quanto ao entendimento sobre idoneidade, respeito ao próximo, cumprimento das leis, retidão de caráter e outros, ainda, vislumbramos pessoas que fazem o seu papel, cumprindo o que a sociedade clama.

Daí, surgem motivos para destacar pessoas; não vale desistir de peneirar alguém que faz a diferença. Nossa juventude não tem mais tempo a perder, há necessidade de condutas impecáveis.

Na história recente brasileira, pescamos na memória: Zico, Senna, Guga, Joaquim Barbosa, Sérgio Moro e Luan Santana. Este último tem passado aos fãs o seu jeito de bom-moço, como cantor da nova geração do ramo sertanejo.

As letras de suas músicas são extensas, mas repassam mensagem de conciliação, de perdão e de esperança. Luan reforça a ideia de que o futuro pode ser melhor.

A principal lição contida no seu trabalho é a possibilidade de voltar atrás, de reconhecer equívoco e acertar a convivência.

Que seja observado o trecho a seguir, da letra de “Escreve aí”, de sua autoria ao lado de Douglas, Bruno e Dudu:

“Mas quem é que eu tô tentando enganar/É só você fazer assim (estalo), que eu volto/É só você fazer assim (estalo), que eu volto, que eu volto/É que eu te amo e falo na sua cara, se tirar você de mim, não sobra nada.”

Está presente acima o recurso da reconciliação, apenas por meio de um estalo de dedos, que é uma ação muito simples, porém, com grande apelo.

A solução encontrada pelos autores da música revela sinceridade, espírito desarmado e, sobretudo, boa vontade na iniciativa de reatar uma separação ocorrida.

Claro, que a nossa abordagem é singela, mas de passo em passo conseguimos resolver questões, sejam quais forem, e, mais que isso, podemos deixar bons exemplos.

Você pensa que não há testemunhas para pequenos gestos? Engana-se. Tudo é constatado, principalmente pelo seu sentimento. Deixe que ele flua. Você obterá excelentes resultados. Tente.

Alfredo Domingos

sexta-feira, 31 de julho de 2015

O Poema está morrendo...


 “Vem, noite antiquíssima e idêntica,/ Noite Rainha nascida destronada,/ Noite igual por dentro ao silêncio, Noite/ Com as estrelas lantejoulas rápidas/ No teu vestido franjado de Infinito”.
(versos do poema de Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa, “Dois excertos de odes”)

O Poema anda embolorado,

Encostado numa parede fria de sentimentos.

Abandonado numa gaveta, com falta de ar,

Envelhecido e esquecido.

Ao sair, manca e reclama.

As palavras não têm eco,

O andamento ressente-se de empolgação,

O conteúdo escorrega pelos ralos,

O alvo não é atingido.

Sua dosagem de vitamina D está baixa,

Falta sol, claridade.

Sangue quente circula escasso,

Necessita de urgência para a vida.

Urge a volta de Pessoa, Vinicius, Manoel de Barros, Mário de Andrade,

Tantos!

Salvem o Poema!

Alfredo Domingos

sexta-feira, 24 de julho de 2015

A dona dos que se foram


Carminda carrega em si um ar de sétimo dia. Natural dela! Parece que uma coisa atrai a outra. Desde mocinha, adora um enterro. Considera evento de grande monta.

Mas há uma particularidade importantíssima: empenha-se em reservar somente para ela os defuntos. Intenciona não os dividir com alguém. Parece uma galinha a tomar conta dos seus pintos. Se conseguir, não participa o ocorrido, não anuncia no jornal, nada. Chega a trocar, de propósito, a data-hora do sepultamento, apenas para “desfrutar” do morto, sozinha ou com poucos.

Assume posicionamento ao lado do caixão, de pé, absolutamente vigilante. Repreende quando percebe risos ou conversa alta. Exige respeito e concentração para o salvamento da alma em passagem

Esmera-se em decorar o caixão, alisar, bem alisado, o pano de renda que cobre o ocupante, e incansavelmente posiciona as flores, daqui e dali. Absorve todas as condolências e as dores. Conforta os abatidos pela perda. Sofre mais do que os próprios parentes. Desanda a falar bem do "de cujus", mesmo que não o conheça, utilizando as informações obtidas dos presentes.

Outro gosto intransferível é o de arrumar e vestir o corpo. No caso de parente, fica apontando pertences que possam compor a vestimenta. Teve ocasião de lembrar-se do relógio de bolso do tio. Argumentou: - desde que me conheço por gente que vejo o tio Jorge carregar o relógio pendurado nas calças. Não será agora, na partida, que o deixará para trás. Vai levá-lo, sim!

E dessa forma, cumpre obstinadamente um ritual que não lhe foi encomendado. Oferece-se, com prazer! Os familiares, já combalidos pela tristeza, acabam cedendo ao seu zelo, sem reclamar.

No momento de chamar o religioso, para encomendar o corpo, apressa-se em confessar que sabe tudo sobre o ato, e que pode dar cabo da missão sem auxílio. Na verdade, realiza com maestria o falatório; temos que admitir.

Ah! Ia esquecendo-me. A função de carpideira fica, também, na sua seara. Possui vasto cadastro de moças para fazerem o ofício. São pagas para chorar, todo o tempo, com profundo sentimento, em luto fechado. Como se regente fosse, Carminda não deixa baixar o volume da choradeira e mantém o grupo em harmonia. Põe-se atenta para que o coral do sofrimento faça bonito; se isso é possível de ocorrer. 

Mas não pensem que se encerram por aí as suas atividades. No instante derradeiro de baixar o esquife ao jazigo, profere mais algumas palavras. Pedindo passagem entre as pessoas, nas ruelas estreitas do cemitério, consegue oportunidade para deixar a sua marca de excelente oradora fúnebre e exemplar cuidadora daquele que não mais precisa de cuidados. Relata as qualidades e solicita, para arrematar, uma salva de palmas.

Termina assim a cerimônia, mas as atenções de Carminda permanecem. Não é rara a vez que ela sustenta o relacionamento com a família enlutada. Faz constantes visitas, mencionando o defunto e o seu sepultamento. Praticamente, porta-se com inconveniência, pois fica relembrando a tragédia ocorrida.

A alegria deve ser preservada, mas quanto à tristeza é de bom tom que haja esquecimento. Não convém a abertura contumaz do baú dos dissabores, para que as más recordações não venham à tona.

Alfredo Domingos

terça-feira, 9 de junho de 2015

Está ruim? Ajude!

Fonte da imagem: fotografia realizada pelo autor
(Bairro da Tijuca, Rio, RJ, em 28/4/15)
“O bom malandro enverga, mas não quebra!” - ditado de domínio público - pode ser inserido na ideia da fotografia acima. Embora a solidariedade seja o cerne.
A árvore, de aspecto frágil, tronco magro e copa rala, meio em crescimento, meio em derrocada, pedia socorro, ao menos, essa é a impressão. Estava em situação difícil, mais para quebrar, em função do forte curvamento.
Mãos salvadoras entraram para acudir. Providência complicada? A resposta é não! Um pouco de boa vontade, até utilizando uma ripa de madeira abandonada, e ficou resolvida a necessidade. Não houve sofisticação nem gasto de dinheiro excessivo. Ao contrário, a benquerença ao ser vivo esteve presente, com gesto simples e barato, sem recompensa alguma, a não ser a consciência leve. Pronto!
Eu, que apenas caminhava, observei e fiquei matutando durante o resto do percurso. Pensei alto: como é possível fazer muito! É só querer!
Não precisamos de grandes empreendimentos para participar. Estender a mão, oferecer palavra de conforto, dar aquele abraço, presentear com um bombom, ajudar na recuperação do telhado, colaborar na limpeza do terreno da escola, ensinar matemática ao sobrinho, orar para o bem de familiares e amigos, enfim, são infinitas as oportunidades de se manifestar ao próximo.
No meu antigo endereço, pude conviver com um vizinho bastante especial. Elias repetia a sua expressão-chave: “não tenho dinheiro, mas conte comigo”. Realmente, dispunha-se a cooperar em quaisquer hora e circunstância. Além disso, possuía ilimitada capacidade de fazer quase tudo. Habilidade era o que não faltava, o que facilitava muito.
Dessa forma, no espírito da doação de atenção, o dia a dia fica menos pesado. As facilidades tecnológicas atuais não diminuíram as nossas atividades. Enganou-se quem assim imaginava. As demandas são excessivas. Vamos atribuindo a nós mesmos uma infinidade de tarefas, o que sobrecarrega a agenda e o humor.
Resta-nos aprender a cooperar e a abrir espaço para que os outros façam isso também.     Não nos adianta a permanência isolada, no nosso recolhimento. Abrir as oportunidades aos demais é questão de inteligência. Refiro-me a dar chance para que nós sejamos ajudados e venhamos a receber os benefícios da colaboração.
Tenho comigo que ainda farei leitura dos meus textos para pessoas deficientes visuais, num trabalho que obterá ganho muito maior para mim, com certeza! Idealizo que poderá acontecer como contação de histórias, uma vez que as sei de cor e salteado, podendo haver uma relação no tom de bate-papo.
Tudo começou com a salvação da árvore, pois bem, não vou abandonar o foco. Realize para alguém ou para alguma coisa, se estiver ao seu alcance, como no dizer do samba, não custará nada ou quase nada! Verá que a recompensa emocional cairá no seu colo, e, ainda por cima, terá a gratidão de muita gente, animais e demais seres.
Alfredo Domingos

Tudo rápido! (a tecnologia empurrando você)


Contando com a mensagem muito oportuna do texto de Martha Medeiros, de 24/05/2015, trago à discussão a rapidez que é exigida, hoje, para tudo.
Martha tratou da saudade do e-mail, que era, tempos atrás, comunicação tranquila, reinando solitária, dando tempo para que você respirasse. Conseguia-se analisar o texto, pensar na resposta e finalmente responder.
No cenário profissional ou particular, é de bom senso ter oportunidade para embasar e concluir com propriedade.
O e-mail repousava à espera da solução a dar. Varava noite, sem pressa.
Com a chegada atabalhoada do celular, cada vez mais enxerido, que encontra o outro em quaisquer hora e lugar, do Face e do WhatsApp, principalmente este último, a coisa degringolou.
Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega! Não há jeito.
A exigência é a de ser acelerado. Você deve estar em cima do lance, sem pestanejar, e com a obrigação de fazer comicidade, ser espirituoso. A obrigação de viver no pique é cruel. Quando alguém diz que respondeu na bucha a alguma situação, não considero coisa extraordinária. Fico me perguntando se não é melhor abandonar a bucha e entrar na boa.
Nessa disputa pela informação, sobressai a entrega total, sem reservas. Revela-se tudo! Desde os aspectos cotidianos até as situações reservadas, que devem ser mantidas com maior zelo.
No uso do WhatsApp, acontece algo pra lá de sensacional, se não fosse trágico. Um pode não esperar o outro concluir. A conversa acaba sendo conduzida fora da ordem, com frases curtas, palavras cortadas, no esquema da ansiedade. Batalha-se com o vocabulário, claro, atropelando-se a Língua Portuguesa, sem piedade!
Há aqueles que defendem a forma descuidada, em nome do papo reto e ágil. Demorar com o qual sentido?
Respondo: a demora provavelmente leva você a verificar o que foi exposto pelo antagonista, a refletir, a explicar melhor, a ter cuidado com a redação, etc.
Quem gosta de escrever, prefere ter a chance de fazê-lo direito, com raciocínio e todas as letras.     
Martha Medeiros lembra, ainda, a insanidade do corretor de texto. Um desvairado, que conduz o usuário no caminho do absurdo. Não preste bem a atenção para ver o que lhe acontecerá!
Escrevo o nome carinhoso da minha filha, e sai “Clã”, no lugar de Cla.
Uma tia arriscou dedilhar o celular para nos cumprimentar pelo nascimento do nosso menino. Pois bem, escreveu “Vi a foto, que feiura”. Isto deu um quiprocó sem fim! Coitada da tia. Ela queria, gentilmente, passar a mensagem “Vi a foto, que fofura!”.
Então, o corretor atua descontrolado? Ou somos nós, com os poucos conhecimentos e a afobação, que contribuímos para o seu destempero?
De qualquer forma, é preciso cuidado. Calma, para não derrapar na conversa.
Existe a sensação de que estamos sempre atrasados! Corremos para aonde? E o pior: ficamos à espera, invariavelmente! Todos nós corremos, mas mesmo assim não cumprimos os horários e deixamos de complementar o que consta da pauta. Os sentimentos que nos invadem são o do esforço em vão e o da incompletude. Porém, continuamos no desespero.
Para finalizar, deixo a sugestão: promoção de um abraço coletivo na área da Lagoa Rodrigo de Freitas, já que está na moda, cujo cerne será a busca da CALMA. Será inusitado, mas necessário!
Concito a fazermos menos comunicação e a alcançarmos mais tranquilidade. O básico da vida é calmoso!
Alfredo Domingos

O amor não é pesado

 Fonte da imagem: www.ideiasnamala.com

Só pode haver erro! Não, de jeito algum, pode-se aceitar que o amor, em forma de cadeado, pese e comprometa a ponte de Paris, de Londres ou de Florianópolis. Mesmo que haja laudos intermináveis, carimbados e assinados, a renegação do amor não deve triunfar. Obrigar a retirada dos cadeados é providência forte! Trata-se de ato arbitrário, desconsiderando a força do amor, representado pelos sonhos de cada um dos casais, que, na euforia, tomou a decisão simbólica de dar bom presságio à união.
Que fosse reforçada a estrutura da Ponte das Artes (o nome conspira a favor do romantismo!), em Paris.
O que eram 45 toneladas em forma de amor?
Quase nada!
O Vice-Prefeito de Paris (convenhamos que “Vice” não é o mandachuva, mas fazer o quê?) alegou que os cadeados atrapalhavam a “estética” da ponte, além do abalo estrutural.
Começando pelo início, devemos dizer ao “Vice” que o amor jamais compromete a estética, a estática e a graça de qualquer coisa, ainda tratando-se de pedra e cimento. O amor, sobretudo, enobrece, acerta e complementa todos os empreendimentos.
A peraltice, que cercava o ato da colocação dos cadeados, obedecia ao ímpeto da benquerença, à irracionalidade sadia de quem ama. Ademais, constituía-se em procedimento de turista, que é um animado por natureza, inconsequente no melhor sentido.
A ideia do uso do cadeado pode ter tido origem, lá atrás, na segurança que ele transmite, o que tem a ver com o amor que se deseja para sempre.
Deixemos o recado, para terminar:
- Sr. “Vice”, era para ter mantido a invencionice. Certamente, o Sr. acharia outras maneiras de sustentar a ponte. O amor é extremamente leve, não se esqueça, experimente!

Alfredo Domingos

terça-feira, 2 de junho de 2015

O Fusca moderno

Fonte da imagem: www.opaua.com

- Que saudade de você, Juju!
É o sentimento que bate ao conhecer este grafite “andante”, num fusca, carrinho que me traz grandes e queridas recordações, dos nossos tempos de intenso amor. Éramos felizes e sabíamos, não?
Quantas aventuras, se é que podemos assim chamar aqueles inocentes passeios, infalíveis nos fins de semana. Para nós, ainda adolescentes, realmente pareciam coisas do outro mundo. Ríamos de tudo! Usávamos jaquetas e óculos escuros. Tudo muito dentro dos padrões do fim dos anos 1960 (ano do fusquinha azul - 1967). 
Para o lanche, a sua mãe preparava uma cesta com sanduíches, frutas e a garrafa térmica contendo suco de uva geladinho. Não existia fast food. 
De segunda a sexta-feira, eu preparava o carro para sairmos. Recebia tratamento caprichado, com direito a “cheirinho” de aroma lavanda. Pronto, ele ficava uma teteia! Brilhando!
Adorávamos subir as estradas do Alto da Boa Vista e do Joá, aqui no Rio. A sensação era de que estávamos absolutos, não havia obstáculos. Reinávamos a bordo do “Paschoal” (nome carinhoso dado ao fusquinha).
Realidade do passado. Sonhos de hoje.

Mas... Voltando à arte do presente, observamos, na imagem acima, o artista em plena realização da obra, utilizando extrema criatividade, dando show na escolha das cores. Ele é o conhecido “Alemão”, cujo nome é Anderson Ferreira Lemes.  
O intenso trabalho precisou de três dias; muitas latas de tinta spray; rolos diversos; e ilimitada inspiração, o que de fato importa. 
O carro, de 1973, exibirá arte em todos os cantos, sendo uma real exposição itinerante, ao alcance dos passantes! 

O resultado final, na imagem abaixo, possui tudo para agradar a qualquer pessoa:

Fonte da imagem:  www.ampliart.com (Galeria Ampliart, Poços de Caldas, MG)

Temos uma roupagem moderna, brilhante, instigante, misturando corneta, máscara, flores e outros vários símbolos artísticos. Que beleza! Que diferente!
Cumprimentos ao artista!
Este maravilhoso fusca e outros trabalhos do autor estão disponíveis aos aficionados, na Exposição “Sonhos Lúdicos”, da cidade de Poços de Caldas (MG). Vale a pena conferir.
Para concluir, preciso fornecer notícias sobre aquele fusca das estripulias de antes. O fusquinha azul foi passado à frente. Troquei por um de 1969. Depois, veio o de 1971. Na sequência, no entanto, parei de possuir fusca. Desandei o gosto. Andei traindo o famoso “VW” estampado no círculo. Tive outras marcas. 
Porém, atualmente, graças à venda feita por uma prima, há alguns anos, tenho nas mãos uma verdadeira “joia”. Trata-se de um fusca branco, imaculado, todo original, ano 1977; e podem ficar surpresos: o seu odômetro marca, em 2015, menos de 70.000 quilômetros. Pura verdade!
Falta esclarecer apenas um detalhe (será que é detalhe?). Sobre o destino de Juju, que protagonizou a história aventureira do primeiro fusca e abriu este texto. 
Para os meus botões, por inocência, a separação teve motivo bobo, ao menos achei. 
Ela revelou-se encantada, de estalo, por um tal de Fernando. Imagino que tenha preferido experimentar outras aventuras. De régua e compasso, pois não havia mochila, foi ao encontro da felicidade que acreditava estar ao seu alcance, em outro ponto. A partir daí, em pouco tempo, mudei de colégio e perdi o contato. Naquela época, não se gravava telefone no celular, e o velho caderninho foi perdido.
Talvez o relacionamento tenha deixado alguma marca. Não é conveniente negar. A circunstância de eu ter iniciado este papo com “Que saudade de você, Juju!” não é para subestimar. Há sentimento aí, quem sabe?!

Alfredo Domingos

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Se o Rio de Janeiro fosse uma mulher

Se a Cidade do Rio de Janeiro fosse uma mulher seria assim, deste jeitinho: morena, altura mediana, magra, sarada, queimada do sol; usaria óculos escuros, mesmo à noite, sandálias do tipo Havaianas, blusinha top e shortinho, sem combinar cores e estilos; permaneceria jovem, mesmo que chegasse aos 450 anos; assumiria comportamento simultâneo de atrevimento e doçura, sempre com o espírito de solteira, extemporâneo e rebelde, pela liberdade, independentemente do estado civil; faria o tipo preocupado, com traços de “blasé”; consagraria o sexo desbragado, dizendo-se pudica até debaixo d’água; produziria caretas para a sogra às escondidas, colocando-se como muito amiga da mãe do marido; saborearia iogurte desnatado pela manhã e salada o dia todo, mas beberia chope acompanhado de linguiçinha, nos fins de semana; teria a praia como a sua primeira casa; sinalizaria o “nome do padre”, sem negar a umbanda; tocaria bateria, porém, carregaria um violino às costas no metrô; lutaria pelo transporte público de qualidade, mas pediria um táxi; soltaria pum no elevador sem perder a pose; cumpriria campanha a favor do bichinho abandonado; daria esmola ao barbudo deitado na porta do restaurante chique, contudo, detestaria o “flanelinha” pidão; estaria no “face” permanentemente, confessando-se aborrecida pela invasão de privacidade; conduziria dois ou mais celulares, precisando carregar as baterias; desceria dos saltos, instantaneamente, para rodar a baiana contra um desaforo; abraçaria, solidária, a Lagoa Rodrigo de Freitas por uma causa das minorias; adoraria defender a classe operária, segurando o copo com whisky, em Ipanema; comeria, vorazmente, cachorro-quente de carrocinha das ruas da Lapa, bairro boêmio, após a noitada, achando tudo um nojo só; criticaria o canalha conhecido, mas cometeria pequenos deslizes, na encolha; anunciaria aos quatro ventos, gabando-se, que assistiu à ópera no Theatro Municipal, tendo, na véspera, arrasado-se na quadra da Escola de Samba preferida; acharia todo mundo abusado, mas não dispensaria o abraço íntimo em quem acabou de conhecer, chamando imediatamente de “camaradinha”; marcaria encontros a torto e a direito, sem comparecer, ao menos, a um; confessaria ser leitora assídua dos clássicos literários, esquecendo-se dos livros empilhados na mesinha de cabeceira; compraria bolsa falsa nos mercados populares, tirando onda de material genuíno; caso pudesse, tivesse realmente coragem e saúde, devoraria toneladas de chocolate; conheceria a delícia de ser o Rio, em carne e osso; e enfim, seria do jeito que as pessoas são, com altos e baixos, virtudes e defeitos!

Alfredo Domingos

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Se houver necessidade


Normalmente, as famílias têm alguns personagens com posicionamentos marcantes, que acabam ditando o ritmo, fazendo a ligação entre os caminhos dos familiares, indicando ao grupo o rumo a seguir.
Prima. É um elemento-chave. De forma positiva ou negativa.
Inicialmente, apresento exemplo de uma madura e discreta professora da Língua Portuguesa, que a todos ajuda, em várias ocasiões. Reconhecida pela sensatez. Solidária contumaz. Aquela que não se esquece das datas dos parentes, presenteando com mimos criativos, muitas vezes confeccionados por ela. Frequentemente consultada, influi sobremaneira no núcleo. Leva nomes românticos, compostos, dos tipos: Maria Helena, Elizabeth Maria, Vânia Regina e Sandra Mara.
Outro exemplo traz a contrapartida da primeira situação. Trata-se de figurinha jovem, carregando inúmeros piercings, cabelo cor-de-rosa e roupas escuras e estranhas. Tipo de pessoa espaçosa, sem limites, que se atrasa para tudo e se esmera em causar, quando finalmente chega. Oferece mil desculpas esfarrapadas, sem que alguém tivesse questionado, falando pelos cotovelos. Centraliza de pronto as atenções. Acarreta inquietação. Traz dúvidas sobre os assuntos consolidados pelas pessoas.  Provoca ondas. Não inspira confiança pelas contradições e procedimentos já conhecidos. Geralmente, seus nomes são diminuídos, viram apelidos: Dri, Fê, Lu e Cla.
Sendo a prima de um jeito ou de outro, isso não é algo relevante. Se você possui uma delas ou as duas na sua família, não se alegre nem se entristeça. É perfeitamente normal! Você faz parte de uma família de fato.
Agora, se você não convive com uma nem com outra, tome tento! A coisa não anda bem arranjada na estrutura familiar. Cabe uma reflexão: é melhor tratar de conseguir uma prima. Correndo. Há uma lacuna nas suas relações mais íntimas. A falta, cedo ou tarde, será observada.
E note, não é tarefa difícil incorporar uma prima ao seu grupo. Aproveite as redes sociais. Talvez comova moça desprotegida, carente. Divulgue a necessidade. Faça um anúncio semelhante a este: ADOTA-SE PRIMA, TRATAMENTO VIP.

Alfredo Domingos

quarta-feira, 13 de maio de 2015

A vida das ideias

Coisas que você matuta e rói, corroendo o seu íntimo. Nos momentos de solidão ou perto disto. Fazer a barba é um exemplo. Dirigir o carro é outro.
Então, damos asas às expectativas, às tristezas, às dúvidas, aos sonhos, às reclamações e às matérias semelhantes.
Falamos sozinhos, no recolhimento dos pensamentos. Argumentamos. Negamos. Concordamos. Rimos. Choramos. Todas as reações, enfim! Negociação sem oposição, a não ser de nós mesmos, que somos nossos adversários implacáveis. Sem trégua.
Embora venhamos a abrir as preocupações mais recolhidas a outras pessoas, por dilema ou insegurança, a decisão é sempre solitária. Não há coadjuvante de peso, que divida a responsabilidade. Aliás, esta não é delegada a alguém.
As opiniões são várias, veementes, públicas ou veladas, no intuito de oferecer a solução salvadora, cujo problema não lhes pertence. Dessa forma, é fácil! Aí é que mora o perigo! Afinal, palpitar descompromissadamente não custa nada ou quase nada. Quero ver quando o deles estiver na reta.
Existe corrente de pensadores que defende o deixar fluir. Argumenta que o rio segue para o mar, e que mais tarde ou cedo, por si só, a tormenta, que atormentava, amaina. Muita intervenção prejudica o raciocínio, mascara o caminhar das questões. Dou-lhe razão.
Por outro lado, estão aqueles que lembram da máxima de que devemos correr atrás, estarmos diligentes, interferindo, etc. Até, acrescentam que, ao dormirmos no ponto, o jacaré abraça. Não é que também dou crédito?!
Bem, uma postura é certa: seguir a consciência.
Pensou e pesou, decida. Vamos que vamos!
Depois, verificaremos o resultado. Outra história começará.
O que não podemos, no entanto, é buscar martírio naquilo que já se sucedeu. Não!

Alfredo Domingos
(o título era usado pelo escritor e diplomata José Guilherme Merquior em suas colunas de jornal)




terça-feira, 12 de maio de 2015

O homem que mofa... E escreve


Trabalha sem parar. Sua vida é isto. Sala acanhada. A cadeira de sempre, de pau e de tecido surrado e rasgado. Escrivaninha velhíssima, onde gavetinhas já estiveram por lá. Janela fechada. Luz fraca, amarelada.

A cara enfiada no computador. Folga para fazer o quê?

Pés fincados no chão, comprimidos por sapatos da cor marrom, de cadarços. Meias de seda umedecidas. Cotovelos enterrados nos braços da cadeira. Óculos embaçados, trazidos na ponta do nariz. E o nariz pontudo. Mãos frias e frenéticas sobre o teclado danificado. Dedos tortos, como tortuoso é o gengibre. Unhas mofadas.

Ideias muitas. Sentimentos à flor da pele. Detalhes. Velhas e gratas lembranças. Necessidade de colocá-las na eternidade. Certo toque bem-humorado. Ansiedade por escrevinhar tudo que a memória ainda armazena. Escrever é sofrido. Não imaginem moleza. Quando bailam as emoções, a leveza se ausenta.

Gatos asmentos por companhia, entre as pernas.

Paredes úmidas. Verdes. Sensação de frio. Folhas desorganizadas no armário de portas emperradas. Livros despencando da estante torta. Caixinha de lembretes de couro mofado. Lata do lixo transbordando.

Filtro de barro para fornecer água que rareia. Torneira pingando o pingo. No chão, mancha verde.

Guarda-chuva sem o pano, encostado na parede, toda hora a cair, com varetas inconvenientes.

Biscoitos murchos numa vasilha plástica sem tampa, quase tombando da mesa. Balas do tempo do ronca. Caneca encardida, com a asa quebrada. Resto de café no fundo, há séculos!

Molho de chaves de umas três ou quatro casas. Tantas chaves. Algumas enferrujadas.

Calendário do ano passado. Ultrapassado, claro!

Lápis sem ponta. Caneta sem carga. Toquinho de borracha.

Mofo. Verde.

Cheiro de coisa velha.

Colarinho roto, da camisa puída. Abotoaduras faltando a pedra, que era verde.

Vidro da janela imundo.

Rádio de pilha com antena quebrada e som com ruídos.

Velho chapéu preto de feltro pendurado no cabideiro.

Tapete destruído, quase careca, com cara dos anos 1980. Paraíso de ácaros.

Este é o cenário sombrio de um escritor entregue à sua lida. Mas não pensem ser algo horripilante! Cada um segue a vida que consegue ou quer fazer. Ele não possui cabeça para circunstâncias diferentes. Costureiro obstinado em costurar tramas. Superar-se. Transformar retalhos de divagação em colcha de pensamento. Aparar os pedaços bicudos, tornando-os arredondados, moldados à história pré-concebida. Como é difícil sair do verde do ambiente para o azul do céu da realização! O que parece não ter consistência acaba fazendo sentido. Sim, o sentido do criador da obra. Aquilo que ele idealizou. Muitas são as tentações para sair dos trilhos. Enveredar por caminhos vãos. Colocar a língua para fora e eca!... Tentar corrigir injustiças, dar a mão à palmatória, elogiar, espinafrar, provocar boas ações, destacar bons exemplos ou simplesmente contar doces histórias, sem maior compromisso. Tudo isso pode! Mas o que não pode é ele, de repente, deixar de ser ele. Não dará certo. Nem conseguirá. Há procedimentos e modos de pensar enraizados na gente. Impossível mudá-los. A solução, por exemplo, não reside em tomar um banho e se livrar. Não. É mais complicado. Não sabemos ao certo se queremos nos livrar, ainda há isso!...

O nosso escritor vive assim e não se afasta. É parte do seu ser, sem dúvida. E tudo está amalgamado. A sua produção resulta da mistura de ambiente e mente. A inspiração está aqui, ali e acolá. Sendo que o aqui é nele.

Não acreditem numa depressão. Não existe. O imaginável abatimento moral não está presente. Provavelmente, há desleixo. Admite-se. O que não incomoda não prejudica. Arrumadinho é prato feito à base de feijão, charque, toicinho e farofa, com os componentes muito bem arrumados para servir. Uma baguncinha não mata ninguém e não rouba os devaneios do escritor, não inibe frase magistral como esta: “A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos para o futuro” (John Lennon).

Trato da aparente contradição para trazer à pauta a reflexão de que nem tudo obedece a um script, com raras exceções. A opção pelo pão, pão, queijo, queijo está démodé. Devemos ir ao topo da onda e descer nela para provar dos altos e baixos, tendo condição de reagir, da maneira que conseguirmos. Não implica apenas termos sucesso. O desincumbir-se já é grande feito.

Ressalto, sem pestanejar, a insistência do escritor, operário das palavras, na magnífica arte de escrever. Comunicar-se. Emocionar-se.
Dane-se o resto! Salve!

Alfredo Domingos

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Imaginar é...

"Imaginar é ficar num estepe (patamar) acima da realidade!"
Alfredo Domingos
Nada melhor do que um dia frio, uma bom vinho e um bom lugar para almoçar para se deixar levar pela imaginação...
Diego Lopes

quarta-feira, 6 de maio de 2015

A mulher amada


A mulher amada precisa, antes de qualquer coisa, ser minha, e bailar no nosso amor. Gostar das mesmas coisas, talvez nem tudo... Mas fazer cara de aprovação quando manifesto o gosto.

Deve ficar à vontade para falar de mim, dela mesma e da relação. Falar em relação, não precisa a todo instante querer discuti-la. Não, não precisa.

Pode ser crítica, fazer comentários picantes, divertidos, até que discorde daquilo que penso. Para tal, a alma deve ser leve, arejada. Uma fofoca inocente, vez por outra, até que vai bem, não tira pedaço, vamos combinar.

Gostar de futebol, isso precisa. Afinal, a mídia está no futebol e nas celebridades a ele ligadas, o que rende assunto. Curto muito o futebol. Se puder, que fique ao meu lado ouvindo as resenhas esportivas pelo rádio, no escurinho do quarto, melhor ainda.

Deve ser branquinha, de pele macia. Não precisa ser sarada, marombeira. Caminhar pelas ruas de mãos dadas é tudo de bom. Tanto faz se for despojada ou elegante produzida. Pode usar tênis ou saltos altos. Vestido, calças apertadas ou bermudas largas, tudo vai bem.

Fico amarradão se for parceira numa noite chuvosa de sábado, em casa, saboreando queijo curtido e vinho honesto. Não reclame na falta de taça sofisticada e de faca apropriada, de corte infalível.

Que seja companheira nos momentos de aflição. Quando vier aquela dor maluca, que diga chorosa: - está sofrendo, coitadinho. Em seguida, que me leve ao médico e fique na sala de espera rente que nem pão quente.

Não se incomode com as minhas roupas desarrumadas no armário. Quanto aos papéis amontoados na escrivaninha, bagunçados, que não se amofine com eles.

Pode ser inquieta, ansiosa, medrosa, espavorida ou esbaforida. Não dou importância. Tudo isso é suportável e fornece inspiração para histórias. Acaba protagonizando hilárias situações.

Carece, sim, de ser disposta para o amor. Que tenha disposição para estripulias e aventuras amorosas. Que faça, com arte, os movimentos do globo da morte e da mão que balança o berço.

E, principalmente, que me perdoe sempre, em especial ao saber destas exigências de ser isso ou aquilo, deste verdadeiro cardápio egoísta, que aprontei aqui. Que dê risada desdenhando estes tolos requisitos e que de bom humor diga: - Vá esperando, meu filho!...
Alfredo Domingos

Aldravia

Fonte da imagem: http://www.preciolandia.com

Um grupo de poetas brasileiros iniciou maneira diferente de fazer poesia. Eles são aldravistas e assumem o desafio de fazer poesias curtas (ALDRAVIAS). Em novembro de 2000, com o lançamento do Jornal Aldrava Cultural, nascia este novo Movimento Poético.

O nome relaciona-se com aldrava, um batente antigo de metal, com o qual se batia às portas, pedindo licença para entrar. Era comum a sua existência nos casarões de Mariana, Ouro Preto e outras cidades mineiras. Há semelhança com a poesia que, também, bate à porta para tomar vez.

São poemas curtinhos, simples, de seis versos univocabulares. Apenas seis palavras, condensando ideias, sem obrigação de rima.

Trata-se de usar o mínimo de palavras para ensejar o máximo de possibilidades, seguindo o espírito da poesia revelado há muito tempo. O cerne da ALDRAVIA é o conceito de metonímia, que dá oportunidade de tudo ser expresso com outras palavras, embora, isoladamente, tenham significados diferentes.

Alguns dos criadores do estilo da ALDRAVIA são os escritores: Andreia Donadon Leal, Mário Donadon Leal, J. S. Ferreira e Gabriel Bicalho.

A seguir, alguns exemplos de ALDRAVIA:

Andreia Donadon Leal

- aldravias
buscam
continentes
em
longínquas
porções

Gabriel Bicalho

- aldravia
meu
verso
universo
em
poesia

Marilza de Castro

- solicitude

lícita
se
verdadeira
atitude

Messody Ramiro Benoliel

- chuvas
gostosas
lembranças
tuas
minhas
nossas

Luiz Gondim

- fui
letra
depois
palavra
agora
oração

Alfredo Domingos

- pratico
abstração
para
chegar
à
poesia

- sorver
palavras
matutar
pra
sentenças
edificar

- balançar
sacudir
não
pense
mal
remédio!

- cheguei
olhei
provei
larguei
azar!
enjoei

Alfredo Domingos

Pesquisa:
http://wwwliteraciacaleidoscopios.blogspot.com.br
http://g1.globo.com/jornal-hoje
http://www.recantodasletras.com.br/teorialiteraria

Abotoaduras - vivendo e aprendendo


Meu primo Anfilóquio veio com mais uma das suas. Revelou que ganhou uma belíssima camisa social da toda “poderosa” secretária, e constatou estupefato que não havia botões nos punhos.

Desabafou comigo:
- Veja só, esta camisa deve ser vagabunda, embora bonita, pois já vem sem botões!
- Seu energúmeno, trata-se de uma camisa chique, e não ter botões significa que deve ser usada com abotoaduras.

Antigamente, a maioria das camisas precisava do acessório, que, em última análise, reúne os lados de cada um dos punhos da camisa. O mercado oferecia vários modelos, em especial o de ouro, que era papa-fina, trazendo até as iniciais do presenteado. Dar bom presente incluía a ideia das abotoaduras – respondi de pronto.

Foi então que retrucou:
- Nunca vi essas tais abotoaduras, servem para o quê?
- Preste atenção, acabei de explicar a serventia! – atalhei.
- O que lhe resta é comprar o par e ficará resolvida a questão. Atualmente, como é coisa em desuso, os preços estão acessíveis, mas é verdade que não é mercadoria encontrada em qualquer loja – complementei.
- Você está me dizendo que ainda terei que gastar uns trocados para poder usar o presente, além de bater pernas? Não acredito...
- Exatamente, faça com bom ânimo, pois não houve pessoa que tivesse mandado você ser enrabichado pela tal secretária, agora aguente o tranco.

Alfredo Domingos

O “pedra-noventa”

Diego é um camarada “pedra-noventa”!
E o porquê desta expressão, que cai muito bem no amigo?
Mexe e remexe, chegamos à conclusão, com a seguinte pesquisa:
=> criou-se uma história, que se mantém no tempo, de que a pessoa trabalhadora, vencedora e querida por seus méritos, de boa fama, acaba sendo chamada de “pedra-noventa”.
A origem está na “Tômbola”, jogo de loto, bastante parecido com o “Bingo”, alterando de roleta para saco, mas com 90 pedras. A virtude do jogador está em conseguir marcar exatamente a pedra de número 90, a de maior valor no jogo. Aí, ele se consagra, e passa a ser rotulado de “pedra-noventa”, gozando de prestígio.
Então, quando queremos elogiar alguém, inclusive o Diego, vale recorrer ao chamamento de “pedra-noventa”.
Está certo que há desuso no tratamento, porém, o descobrir de vários “pedras-noventa” deve ser tarefa a realizar, para o aprazimento de todos nós. Pesquise você também!

Alfredo Domingos

terça-feira, 28 de abril de 2015

Palavra-ônibus

Fonte da magem: www.etimologista.com
De cá pra lá e vice-versa, matutando, criando sulco no chão, dei com o bestunto num substantivo muito significativo, que é a “palavra-ônibus”.
- Hum, não é que dá caldo! – expressei.
Ela é instigante e, ao mesmo tempo, muito bonita. Sua composição revela a ligação da diversidade de significados, que uma única palavra pode ter, com a grandeza do ônibus. O veículo, como sabemos, abriga coisas e gente à larga, surgindo daí o respaldo para fazer parte e bem representar a variedade de ideias residente na palavra.
Algumas palavras ficam para sempre. Outras caem em desuso. E, ainda, há as que vêm sendo transformadas, assumindo interpretações diferentes.
“Amor” é para a eternidade. “Boco-moco” (brega) saiu do uso. E a “palavra-ônibus” é a expressão da mudança.
Alguns exemplos de “palavra-ônibus”:
- bacana – que é aplicada para designar a pessoa bem vestida; rotular o sujeito esperto, com a conotação pejorativa; demonstrar o mérito de um grandíssimo professor; enaltecer uma boa moradia; ressaltar que a pessoa é bem-educada; e por aí vai;
- aposentadoria – que tanto significa sair do trabalho ativo como é empregada para dar pouso; fazer pausa; e, até mesmo, cessar alguma coisa;
- complicado – que se por um lado indica situação embaraçosa, pode indicar pessoa de gênio instável, e, também, atividade de difícil solução;
- envolvente – que abarca, no sentido de proteção; que alicia, no jeito negativo da corrupção; que atrai, com sedução; e que passa a lábia, obtendo algo por astúcia;
- legal – que se submete à lei, o mais comum; mas cabem as formas de perfeição, de lealdade e de dignidade. Não há, no entanto, como esquecer a relação com o bonito e com a corriqueira expressão “Fulano é gente boa”. Tudo no mesmo pacote.
Porém, a melhor palavra-ônibus, a rainha delas todas, que broca doidamente a minha cabeça, é “coração”, que consegue reunir infinitos sábios significados. Alguns deles estão formulados:
- venha cá, meu “coração”;
- não magoe o meu pobre “coração”;
- digo-lhe, de “coração”, que é verdade;
- saio da relação de “coração” limpo;
- juro, de “coração”, que a coisa foi assim;
- em “coração” de mãe sempre cabe mais um;
- é com o “coração” apertado que me despeço;
- o prédio da Prefeitura é o “coração” da cidade;
- mentira de “coração” não é maldosa; e
- cumpro o dever de abrir, despudoradamente, o meu “coração”.
Que a moda pegue! É a minha dica.
Pense você também nas “palavras-ônibus” que circulam por aí.
A cada parada, a cada semáforo e a cada esquina elas surgem. Que tal pegar carona?!
Alfredo Domingos

Cadela vai à Justiça


A cadela “Pretinha” está nas barras do Tribunal! Como?!
Ela foi acusada, a princípio, injustamente. Seu dono recebeu a intimação gerada pelo vizinho. O teor do documento assinala que “Pretinha” matou doze galinhas de Julião, o desesperado proprietário das penosas. A confusão ocorreu no interior do Rio de Janeiro.
A Defensoria Pública do Estado alegou que as galinhas são o ganha-pão do reclamante, e, em decorrência, solicita conciliação pecuniária.
A qual ponto nós chegamos! Há tanto bandido solto, e querem trancafiar a “Pretinha” ou levar dinheiro do seu dono! A Justiça já anda emperrada sobremaneira, não necessitando de mais procedimentos para lhe atravancar os trâmites.
Américo alega em defesa da cadela que o seu animal não invade terreno alheio, em função de robusta cerca. Em acréscimo, oferece como prova a inexistência de penas no quintal. Ainda, rebate a ofensa, indicando que as galinhas são abandonadas à própria sorte por Julião, que, na verdade, não cuida como deveria daquelas que lhe dão o sustento.

- Elas são umas rueiras, isso sim! – pragueja Américo, danado da vida.

Exageros à parte, confesso terlido notícia sobre ladrão de galinhas, mas   envolvendo quem as comesse vivas é novidade. Quersaber? Lamento a situação dos dois lados. Coitadas das galinhas, devoradas! E pobre da “Pretinha”, se tiver levado má fama sem proveito!
Em consequência, os dois “patrões” terão que seguir o caminho da rinha. Cada “galo” buscará o seu direito, afinal a culpa sempre é de gente tamanhona.
Pesquisa: feita no jornal EXTRA, de 17/10/2014, página 4, artigo de Igor Ricardo.
Alfredo Domingos


A vida é...


Aproveitei o aniversário da minha filha para passar a ela o que o meu sentimento estava pedindo no momento. Então, foi feita uma carta, em forma de poema. Transmito a todos a mensagem. Usem-na, se gostarem!
A vida é feita de pequenas coisas, que viram grandes porque nós as valorizamos:

O “bom-dia”
O beijo na testa
O “obrigado”
O “pensei em você”
A chuva na vidraça
O sol no rosto
A lágrima que corre
O soluço fora de hora
O tombo na soleira
O bilhetinho recebido (e o entregue também)
As mãos entrelaçadas
O aperto de mãos
A dor da saudade
A alegria do reencontro
O piscar de olhos
O nariz arrebitado
O trocar de bem
A entrega do presente
A meditação
O tagarelar
O silêncio
O “venha tomar café comigo”
O quindim reservado
O sanduíche dividido
O riso frouxo
A ruga na testa
A batida nas costas
Os pijamas lado a lado
A nota boa na prova
O susto da entrada súbita
A foto no quadro imantado
E, sempre, o amor! Nas mais diferentes formas. Até nas pequeninas demonstrações.
Fazer a vida é essencial. Ela é, afinal, do que jeito que você a faz.


Alfredo Domingos

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Lira Paulistana (homenagem ao seu autor)

Fonte da imagem: www.tribarte.blogspot.com (arte da Tarsila do Amaral)

Quando eu morrer quero ficar,

Não contem aos meus inimigos,

Sepultado em minha cidade,

          Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,

No Paissandu deixem meu sexo.

Na Lopes Chaves a cabeça

          Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem

O meu coração paulistano:

Um coração vivo e um defunto

          Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido

Direito, o esquerdo nos Telégrafos,

Quero saber da vida alheia,

          Sereia.

O nariz guardem nos rosais,

A língua no alto do Ipiranga

Para cantar a liberdade.

          Saudade...

As mãos atirem por aí,

Que desvivam como viveram,

As tripas atirem pro Diabo,

Que o espírito será de Deus.

          Adeus.
Mário de Andrade