quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Grafite da Natureza

Origem da imagem: foto do autor (OUT2015)

É surpreendente estar caminhando na calçada e deparar com esta obra, repleta de criatividade, e totalmente diferente, que possibilita ilimitada curiosidade sobre a sua concepção. Sem dúvida, ela coloca uma pulga atrás das nossas orelhas!

Os artistas da “Produtora Cultural Cazota”, entre eles Fernando Cazé e Nhobi Cerqueira, escolheram como tela um prédio de dois andares (observar a janela no canto esquerdo da construção), na esquina da Rua Conde de Bonfim com a Avenida Gabriela Prado Maia Ribeiro, na Tijuca, bairro do Rio, preenchendo uma boa parte da parede com inusitada arte.

Aliás, não podemos deixar de mencionar a origem do nome da Avenida. Gabriela era estudante, de 14 anos, que foi morta por tiroteio de bandidos, na escada do metrô São Francisco Xavier, também na Tijuca, em março de 2003, o que infelizmente gerou a homenagem. Na ocasião, o caso proporcionou enorme comoção, pela violência envolvida e pela perda de uma jovem.

A arte é espantosa! Dá margem a várias interpretações. Tracei comigo uma das possíveis ideias. Vesti, então, a camisa da minha imaginação.

Vemos o burocrata, tudo indica, de terno e gravata, ao telefone, provavelmente resolvendo assunto urgente, urgentíssimo, na mesa de trabalho, rodeado de papéis, no fundo azulado. Pois bem, isto é apenas um resumo. Precisamos esmiuçar a ideia.

Tenho para mim que a natureza percebeu, graças a Deus, o estado lastimável do cidadão, que dava sinais de tédio, cansaço e estresse, quase jogando, no ringue da vida, a toalha branca da rendição, provavelmente em função da desgastante rotina profissional.

Dessa forma, talvez os deuses tenham engendrado um plano de persuasão do amigo, para que saísse da consumição. Mas a natureza atua com força, invade, no bom sentido, aquilo que deseja tomar para si, realizando um resgate contundente.

A obra exprime perfeitamente a fúria empreendida e a consequente mutação do oprimido.

Há um elemento importante no arranjo, que é o duende, vamos chamá-lo assim, posicionado à direita, com cara de sacana, que folgadamente usa uma das pernas para tomar posse e indicar autoridade. A figura, um tanto hilária, parece divertir-se na missão de tecer a “ressurreição”, determinada pelos céus, para a criatura.

A vida renasce a cada dia. E cada um de nós é o responsável por escrever essa página diária. Acontece que no meio da rotina não sobram cabeça e tempo para pensar em mudar a própria rotina. Aí, o sujeito sucumbe pelo trabalho, não consegue enxergar saídas e acaba rendendo-se, ficando ao sabor da situação incômoda, às vezes para sempre.

Mas na lúdica visão deste grafite, há solução.

O artista idealizou a passagem do sofrimento para o bem-estar, por meio da mudança física, que engloba a alteração psíquica e a de hábitos.

Surge a transição da escrivaninha para o campo, para a mata, sei lá para aonde mais!...

A pessoa amofinada ressurgirá em outro cenário, incorporando-se a ele para alcançar a felicidade.

Não podemos esquecer que estamos em época pré-carnavalesca e a nossa história tem tudo a ver com um samba-enredo de Escola de Samba, que ousa quando abandona a dura realidade para entrar na mágica fantasia, onde tudo é possível.

De volta ao personagem, identificamos o domínio da natureza sobre o corpo, principalmente na cabeça, que foi alterada completamente. O que era normal deu a vez ao revolucionário. Verduras, folhagem, pepino ou abobrinha verde e antúrios entraram em cena, jogando o encurralado cidadão na realidade dos produtos da natureza, aquilo que vem da terra, em que o homem pouco interfere.

Só sei que ficou bonito pra chuchu! Ops! Chuchu sai da terra, também!

Fica evidente o destempero da vegetação, projetando-se pelo pescoço e braços, como numa avalanche, sem freio, sem domínio!

A liberdade abriu as asas e está pronta para decolar. Parabéns aos artistas!

Alfredo Domingos

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Paixão de Carnaval


Soninha, mais do que passista da Escola de Samba, é bailarina nata. Cheia de dengos, com divinas formas corporais. Frequentadora assídua das quadras de samba.
Ele, aquele verdadeiro “nerd”, por conta dos aprofundados estudos.
Pintou o amor. O lúdico se aliou ao sério.
A época era de quase carnaval. Faltava pouco tempo para a grande festa da Sapucaí.
Os ensaios da Escola foram intensificados. Motivação a mil. Os dois inseparáveis.
Finalmente, chegou a hora do desfile!
Ela surgiu linda, dentro de um biquíni de pedras coloridas, que davam luminosidade à menina-deusa. Como madrinha da ala poderia bailar aonde quisesse, mostrar o samba no pé com desenvoltura, ser uma estrela.
Ele não tinha como desfilar. Não pertencia àquele mundo. O seu universo era outro. Mas havia a vontade de acompanhar a amada.
Como último recurso para resolver a situação, foi feito o pedido à diretoria para que desse um jeito. A solução veio.
Aos poucos, o desfile foi acontecendo, ocupando espaços com o deslocamento dos componentes.
A passarela do samba encheu-se de música, brilho e cor. Tudo era mágico!
Ele desfilou. Sim, senhor!
Foi “no chão”, empurrando o principal carro alegórico. Igual aos outros rapazes da comunidade.
Inicialmente, constrangido, até envergonhado. Depois, solto, leve, arriscando uns passinhos. Terminou jogando beijo para a plateia. Alcançou a liberdade que a felicidade permite!
O que parece incompatível pode resultar em boa liga. Bastam compreensão e espírito desarmado.

Alfredo Domingos

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Mentira boa é tolerável?

Há por aí uma onda de “mentira branca”, tendo no seu bojo a possibilidade de dizer tudo ou de mentir, desde que seja com boas intenções, com o carimbo da bondade. Quem pratica chega a confessar, ao ser descoberto:

- Veja, isto é uma mentirinha branca, não se zangue, não!

O que é condenável, por convenção, é o sentimento da maldade e o objetivo da enganação e do encaminhamento do outro para o mau resultado.

Mas é tarefa dura diferenciar uma coisa da outra. Porque pode haver a saída de afirmar que o intuito foi o de alertar ou o de brincar. A justificativa é mais ou menos assim:

- Fui sincera, quis, de maneira gentil, avisar! Amiga é para essas coisas.

Para exemplificar, foram colecionadas algumas situações com as quais topamos a cada momento. Dá até para imaginar que sempre há armação por trás, dissimulação. Vamos recordar:

Prazer em rever você!
A buchada de bode está uma delícia, levinha!
Meu bem, pode ir ao futebol, não me incomodarei!
Bebi pouco, amor!
Querido, é tão bom quando a sua mãe nos visita!
A sua “ex” é simpática, não?!
Como você adivinhou? Adoro salada só de rabanetes!
Não tenho certeza, não posso jurar, perdoe-me, mas acho que vi o seu marido entrando no motel, com uma loura! Ih, falei, pronto!
Preocupe-se, não, mas parece que o chefe está preparando uma baita demissão. Vazaram uns nomes aí! Isola, evidente que você não está na relação!
Não há necessidade de cortar o cabelo. Ele está quase na cintura, porém, está fazendo um gênero! Hoje, está na moda!
Seu carro, vééélho? Que nada! Conservado!
Acabei de lembrar-me de você! Circunstância boa. Não morre tão cedo!

Bem, muitos outros exemplos poderiam constar. No dia a dia, não faltam desassossegos ou confidências a revelar. Existe uma atração pela conduta escusa, paralela à natural, que possui meandros, às vezes, sensíveis ou irreveláveis. Contudo, as pessoas são tentadas a permear esse terreno perigoso. Sentem-se em destaque por divulgar algum assunto atrevido.

Em tempos de desapego total, e, no mesmo caminho, andamos presos por demais aos outros, por vários canais, a relação das pessoas está esquisita. Busca-se a intimidade, mas com a máscara da cerimônia! A delicadeza pediu para descansar, está recolhida, dando espaço à invasão, travestida de sinceridade, de amizade e de outros falsos predicados.

Assim como, evocar a “inveja branca” assume semelhante tom desagradável. Pior! Declarar-se com inveja é extremamente inconveniente, seja qualquer a cor do sentimento, na tentativa de suavizar a ideia indiscreta.

A inveja branca, por si só, apenas faz mal a quem a possui. Corrói por dentro o invejoso. E o agravante vem a reboque. É a revelação com ar de inocência, como se a intenção fosse nobre.

Em resumo, a mentira ou a inveja é uma navalha afiada para cortar! Elimina o básico das relações, que é a confiança. Então, vamos combinar que a tolerância deve tender a zero, para que haja o mínimo de respeito. É imprópria a tal frase que circula livremente no trato interpessoal: “Atualmente, vale tudo, ninguém se incomoda!”.

Alfredo Domingos

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Reflexão de final de ano


 Fonte da imagem: foto do autor
(última lua cheia do ano de 2015 - Baía de Miami, EUA)

Em sua “Receita de Ano Novo”, da editora Record, Drummond deixou para nosso deleite vários textos sobre a passagem de ano. Em síntese, defende que o velho, o de sempre e o novo dependem de nós mesmos. Se quiser, faça!

Com base na escrita do mestre, nesta passagem de 2015 para 2016, estive a refletir sobre as clássicas perguntas:
- O ano que passou foi bom para você? (todos questionam isto)
E para complementar, vem a segunda pergunta:
- Será que o próximo será melhor? (embutido aí o desejo de o novo superar o anterior)

Fiz, então, as duas perguntas a mim, de chofre! Retirei o sapato do pé direito, porque o do lado esquerdo estava fora há muito, rolei o pensamento com mais alívio, e ataquei de responder. Usei, até, a voz alta! Naquele momento, não quis perder tempo em escrever. Pelo celular, lançando mão do WhatsApp, repassei ao grupo da família (coitados dos parentes, a tudo devem aguentar!) as minhas divagações. Rápido e direto, afirmei que o meu ano foi bom, ótimo!

Preciso justificar, no entanto, a bem da seriedade.

A família, a mesma da confissão, será aumentada. Minha filha espera um filho, mas não sabíamos, ainda, o sexo. Recebemos nestes dias a notícia da chegada da NETA. Que alegria! Que venha com saúde! Deste jeito, posso dizer que o ano foi bom!

Aquela documentação difícil de sair, há cinco anos, por fim foi resolvida, dentro do modelo imaginado. Neste quesito, o ano foi bom!

Consegui colocar-me disposto, em todos os dias, para ir trabalhar. Com as próprias pernas, tendo sentidos íntegros e consciência ativa. Não foi necessário fazer o dever de casa, não. Cumpri o expediente dando o máximo de mim, nas pequenas e grandes tarefas, com a atenção e o interesse devidos. Desta forma, o ano foi bom!

Estive todo o tempo em condições de ver, ouvir e falar (este último até demais!), podendo enxergar a vida, ouvi-la e, também, comunicar-me. Assim, o ano foi bom!

Confesso que beijei, abracei e estendi as mãos aos montes. E o melhor: fui correspondido! Então, o ano foi bom!

Conservei à volta os parentes queridos e os estimados amigos. Ao mesmo tempo, angariei novos amigos. Aumentei a rede particular. Diverti-me bastante. Revelei segredos, os meus, claro! Ousei nos comentários. Enviei bilhetes. Passei mensagens. Devo ter ensinado alguma coisa, mas tenho certeza de que aprendi muito. Errei aqui e acolá, porém, acertei nisso e naquilo. Sem dúvida, considerando estas atividades, o ano foi bom!

Realizei duas viagens de porte, que envolveram algum risco e implicaram providências delicadas, com pleno sucesso e satisfação total. Em uma delas, tive a companhia de querida pessoa, bem idosa, que mereceu cuidado. Neste aspecto, o ano foi bom!

Prossegui no ofício de escrever (digo “ofício” para realçar!), não preocupado apenas em elaborar bons textos. O resultado passa a ser secundário em favor da produção e da formulação de ideias. A mente faz ginástica, como dizia a professora de redação. Ao realizar a escrita, obtenho saúde! Para a alma e o corpo. Ocorre da mesma maneira quando caminho pelas ruas. Socorro-me dos dois, permanentemente. Permeando este relacionamento tão vital, o ano foi bom!

Ficou, de propósito, para o final a parte mais relevante (é conveniente fechar o papo com um tema que considero essencial na minha vida, para o meu conforto espiritual).

Noite após noite, durante os trezentos e tantos dias, orei por diferentes motivos, focando na boa travessia da noite e no desenrolar tranquilo do dia seguinte. Na súplica, acrescentava outras pessoas nos pedidos. Aliás, a minha lista de incluídos na reza é extensa. Lembrando-me de alguém, pronto, aquele já entra na relação. Ali, quase escondido, no escuro do quarto, entre as cobertas, rezava com fé. Em contrapartida, felizmente, sempre fui atendido. Deus me descobria, auxiliado pelo anjo da guarda! Neste particular, também, o ano foi bom!

Concluindo, expresso que o ano foi bom, ótimo, em todos estes pontos!

Fazendo uma selfie, tendo ao fundo o ano de 2015, observo que estou à frente e de braços estendidos para sacramentar a foto. Um braço preparado para clicar e o outro para saudar o ano que chega - 2016. Que adentre, camarada! Vejo o seu aspecto um pouco desalinhado, mas há como se recompor. Espero, esperamos todos!

Alfredo Domingos