domingo, 29 de março de 2015

Carta ao Cristo Redentor

Estamos aos seus pés, meu Senhor! Sob a sua proteção! A cidade agradece.

Na euforia em que vivemos por conta dos vários e grandiosos eventos no Rio de Janeiro, vamos discorrer um pouco: o Rio é a cidade que a vida escolheu. Pode ser Maravilhosa, da alegria, do mar, da floresta urbana, do samba e do futebol. Mas é aqui que a vida, na sua plenitude, está presente.

É a cidade da saia-justa, do improviso, do beijo roubado, da pulada de cerca, dos olhares matreiros, das desculpas esfarrapadas, do atraso, do bom malandro, do péssimo malandro, da história-cobertura, do rico e do pobre.

Aqui circula o boato, a troça, a bola nas costas, a conversa ao pé de ouvido, o faz de conta, o passa lá em casa, o vamos nos ver sem falta, o está tudo combinado, o não conta pra ninguém que é segredo; logo, o que circula não está no gibi. O quê?! Tem mais: a sirigaita, o ambulante, a freira, o crente, o pedinte, o gótico, o doutor, o surfista, o faz tudo, o faz nada, o esperto, o bobo, a menina e o velho. Todos circulando.

Penso nas palmeiras da Rua Paissandu, no Monumento aos Pracinhas, no Theatro Municipal, no Pão de Açúcar, na igreja da Candelária, no Jardim Botânico, na Pedra da Gávea, no Palácio da Ilha Fiscal e na Baía de Guanabara.

Penso...

Fico, porém, com a gente que corre nas veias desta cidade. Gente que movimenta as esquinas, que agita os bares, que samba no Sambódromo, que lê jornal de bicão nas bancas, que lota o Maracanã e o Engenhão, que compra no camelódromo da Uruguaiana, que pedala na Lagoa, que joga bola nos campinhos do subúrbio, que faz passeios na Quinta da Boa Vista, que namora à beira-mar, que frequenta os motéis, que solta pipa no alto dos morros, que faz churrasquinho na laje, e que vibra por tudo e por nada. Eta, gente animada! 

Lembro-me do pipoqueiro da Cinelândia, de jaleco impecável, do Miguel do cachorro-quente “podrão” da Praça Saens Peña, da baiana do acarajé da Praça General Osório, do tripeiro Joaquim da Avenida 28 de Setembro, do engraxate da Praça Pio X, do vendedor de cocada da Tijuca, com seu indefectível turbante, do famoso angu da Praça XV, do Adelzon Alves das madrugadas radiofônicas, na defesa do chorinho e do samba, e do Washington Rodrigues (o Apolinho), dos comentários de futebol nas tardes de domingo, com mais de cinquenta anos de carreira. Todos vêm à cabeça, bem preenchendo as nossas vidas com suas atividades. Todos fazendo o Rio.

O Rio pulsa não só no embalo do esporte. É uma cidade de realizações. As caminhadas pela Paz. As campanhas do Betinho contra a fome. Os abraços na Lagoa. As procissões do Santo Padroeiro. Os shows na Praia de Copacabana. Os encontros nordestinos no Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas. O Rock in Rio. A Feira Hype. As maratonas pela Zona Sul. Os passeios de ciclistas. Os blocos de carnaval com seus nomes criativos, levando o povo na corrente do samba e da cerva bem gelada.

A cidade tem alma. É solidária e generosa com os seus visitantes. Oferece-se sem preconceitos, sem reservas. Tem um sol forte a nos banhar quase que permanentemente, deixando-nos com a cara mesmo de carioca. Somos cariocas de espírito, de graça e de corpo inteiro.

Mas isso tudo é obra sua, meu Senhor! Seus braços abertos não estão à toa. São acolhedores, amigos e abençoadores. Ai de nós sem a sua presença! Salvadora presença!

Vale neste momento pedir, assim com ar sôfrego: não desanime, não. Não se canse de nos amparar. Continue na luta pela nossa causa. Mantenha-nos no caminho do bem e livre-nos de todo o mal. Amém!

Enfim, fique com Deus; quero dizer, fique com o Senhor, para que tenha forças no trato com esta cidade e com os seus filhos - bons e loucos filhos.

Alfredo Domingos

sexta-feira, 27 de março de 2015

A perereca da academia


Manhã quente em Petrópolis, quase verão. Academia repleta. Piscina concorrida. Aulas em andamento.   
 Como nos bons filmes de suspense, repentinamente, ocorreu um grito de terror! 
 Pânico! Corre-corre! Todos saíram da piscina, no atropelo! 
 Na balbúrdia, no empurra-empurra, foi derrubado o guarda-sol do entorno da piscina, que ficou aberto, de perna pro ar, apontando para o céu! 
 Mas houve o quê? Esta é a pergunta. “Petúnia Matias”, a perereca aluna (nome científico: Osteocephalus Taurinus), estava dentro d’água, simplesmente cumprindo o programa diário de natação, e, por acaso, fazia o nado de peito, rigorosamente nos limites da raia. 
Porém, escandalizem-se os senhores, o que a sua presença causou de confusão e estresse não está escrito em bula alguma! A indignação foi geral. Os outros nadadores foram obrigados a sair da piscina às pressas, para fugir da “grande” ameaça. Houve um bafafá arretado. 
Enquanto isso, a pobre, quietinha, no canto, a tudo observava, sem entender tamanho espanto. Achando-se completamente inocente, claro! Afinal, era sócia, também, da academia! 
Depois de retirada da piscina, à força, a coitada passou por uma profunda investigação, sendo vítima de cruel vexame. Muitas foram as transgressões apontadas, vejamos: 
- não usava boia de braço, touca, óculos de piscina e pé de pato; 
- estava nua, sem a roupa de banho; 
- exame médico desatualizado; 
- não foi vista passar pelo chuveiro, antes de mergulhar;
- apresentou três meses de atraso quanto à mensalidade (houve quem a observasse passando debaixo da catraca de acesso, ludibriando o controle!);
- devia à cantina o consumo de sucos e sanduíches naturais; 
- seu endereço constava na ficha como “desconhecido”, assim como, o peso; 
- e, por fim, seus modos “espalhafatosos” não foram condizentes, trazendo desconforto aos demais frequentadores. 
E Petúnia, delicadamente, de cabeça baixa e olhos tristes, somente alegou: 
- Não entendo o alvoroço! Apenas, eu nadava, exercitando-me. Qual mal há nisso?

Alfredo Domingos

A lua é dos namorados


A lua é dos namorados
Faço pães, esculpo pães
Confeito-os com creme
São os tais pães doces.

Penso na amada
Que nem reconhece em mim o amor.

Deixo um exemplar, todos os dias, na janela da casa azul
A casa dela é azul.
Passo de volta e vejo que o pão foi retirado
Que bom, ela pegou-o!
Levou um pedaço de mim
Pelo tanto de dias, somados devem ter o meu tamanho.

Falei com ela
Malvina, finalmente, trocou palavras comigo
Soube do dono dos mimos
Expliquei do meu ofício.

As tardes, ainda que de poucos momentos,
Passaram a ser nossas.
Ela procurou-me entre os pães.
De alegria, morri e nasci, queria gritar. Jorrar farinha branca, enfim.
O cheiro do pão assado tornou-se inodoro
Ficou o seu perfume.
Os dois odores não convivem no mesmo espaço
Não há chance.

Estamos bem próximos
Toquei em suas mãos. Beijei-lhe a testa.
O amor está crescendo como a massa
É preciso que crie corpo. Que apareça.
Até, que ouvi de Malvina uma coisa linda!
Quer saber?
Ela falou da imaginação em presentear-me com a lua
Sou louco pela lua, que é dos namorados.
Então, disse-lhe quase sem forças, lotado de amor: - Traga a lua se for capaz.
Venha com ela debaixo do braço
Do jeito que faço com a bisnaga de pão, a mais gostosa.

Alfredo Domingos

Fale baixinho

  Fonte da imagem: doutissima.com.br

Conte-me tudo. Tudo de amor!
Alerte
Reclame
Implore
Pragueje
Desdiga.

Mas, se possível, fale de amor
A qualquer hora e lugar
Fale baixinho
De alma para alma
Sem intermediação.

Deixe o razoável 
Abandone o politicamente correto
Despreze o coerente
Saia do trivial
Faça-me feliz.

Diga-me o que quero ouvir
Claro, que você sabe o quê
Tente
Consiga
Sussurre direto ao meu coração.

Alfredo Domingos

quarta-feira, 25 de março de 2015

A seta de Deus


Aprendi, desde cedo, que as coisas de Deus são para cima. Aquilo que é rasteiro, negativo e sub-reptício não pertence a Deus.
Nossos pensamentos devem ser para cima e positivos. As ações serem produtivas para nós e para os demais.
A foto mais acima, de longe, inspirou-me a imaginar uma seta feita pela natureza e, daí, por Deus. Seu formato não poderia ser diferente. Base da copa larga, onde cabem todos, e apontando para o alto. Permite pensar que, com as próprias mãos, Deus esculpiu a seta, indicando que todos têm condições de chegar até Ele, abrigados pela seta que os conduzirá. E mais ainda, que Ele marca presença por meio da seta, ratificando:
- Venham até mim, ergam seus pensamentos. Estou aqui! Quando queremos falar com Deus, levantamos a cabeça e as mãos para cima, buscando encontrá-lo no céu. A seta aqui selecionada, a árvore, indica a direção das alturas! Para lá vão todos os nossos sonhos e esperanças. Ah! Os nossos alívio e paz também estão no céu.
A segunda foto permite que vejamos mais de perto e compreendamos o motivo da minha inspiração.


Essa fuga de pensamento deu-se na cidade serrana de Teresópolis, no Rio de Janeiro. Ali, em função da altitude, quase novecentos metros, ocorre a noção de que estamos mais próximos do céu e de Deus. Vê-se o céu com mais nitidez à noite. Não há em demasia poluição nem iluminação para reduzirem o brilho do firmamento.
As atividades da cidade são menos intensas do que aquelas de um grande centro, dando chance para chegarmos à janela ou debruçarmos nas sacadas e deixarmos os pensamentos voarem. Os sentimentos, provavelmente, abraçam a seta de Deus e tomam rumo inimaginável, mas tudo sob a Sua vigilância.
De repente, num dia qualquer, a seta dispara e se transforma em foguete. Ganha voo. Ziguezagueando de cá para lá e vice-versa. Devemos considerar que foguete movido a poesia não se locomove reto. As curvas são poéticas!
Quem sabe chegará a Deus? Se Nossa Senhora ajudar...
Prometo falar baixinho ao entrar no céu, com um pé lá, outro cá, para não estragar a mansidão.
Agradecerei pelo muito recebido. Pedir? Pedirei! Sempre há milagre a realizar.
Se na verdade a seta partir, digo com fé, sairei também. Irei à luz. Não juro que voltarei.
Sei lá...!

Alfredo Domingos

Pontuação, pra que te quero?!

Fonte da imagem: professorvallim.blogspot.com

O ponto finaliza, encerra. É frio por excelência. Não ense ja continuação. Depois dele, toda reza cessa. Corta a inspiração. Contudo é enérgico. Acabou e está acabado.
A vírgula é condescendente. Permite pausa, ainda que breve. Dá chance para esticar o assunto, para novos voos. Muito charmosa, insere-se levemente. Sua atuação é quase imperceptível.
O ponto e vírgula é um sinal generoso. Oferece parada maior. Abre portas às novas ideias, concedendo alívio à respiração e tempo para pensar. Não é usado por qualquer um. Exige maestria. O ponto de exclamação é animado em demasia. Com ele, não há tempo ruim. É um cavalheiro, pois realça a circunstância. Faz um brinde à boa convicção. Esboça contentamento.
O ponto de interrogação é um coitado. Curvo por natureza. Carrega o peso da dúvida. De tudo quer saber. Nunca se sacia. É enxerido por ofício.
O travessão quer falar. Abre espaço para a conversa. Amplia o que é de um para vários. Realiza a inclusão a seu modo. Introduz a falação.
Os dois pontos não se contentam com um único dizer. Querem relacionar, enumerar. Executam o papel de explicar bem explicadinho. Usam a vírgula ou o ponto e vírgula e vão fazendo lista, até o ponto final.
Os parênteses são sem glamour. Um tanto intrometidos. Inserem-se. Não podem escancarar a matéria. Vivem para melhorar ou explicar alguma coisa. Mas um mérito eles têm - contêm o cerne de algo, ainda que resumidamente.
As aspas são engraçadas. Saem da escuridão para que terceiros brilhem. São utilizadas, também, para remediar, disfarçar e distorcer o sentido. Propiciam que haja interpretação diferente. Reforçam os estrangeirismos.
 As reticências são pra lá de educadas. Dão o recado nas entrelinhas. Englobam suspense. Cabe ao leitor fazer a sua avaliação. Deixam você resolver. Carregam alegria ou tristeza. Democráticas. E andam em grupo, na formação de trio.

Alfredo Domingos

Tudo por causa do calor

 Encontrei um amigo no centro da Cidade, que esbaforido sentenciou:
- Tudo que somos e pensamos, aqui no Brasil, é por causa do calor. Somos cabresteados pelas escaldantes temperaturas!
Em seguida, ao acaso, entrei num vagão do metrô sem ar condicionado. Consegui apenas uma nesga de espaço para ficar em pé, espremido. Tanto era o aperto, que uma senhora, repleta de bolsas, esbarrou em mim, fazendo com que os meus óculos fossem ao chão. Confusão!
De imediato, voltei o pensamento para o tal amigo. Ele atribuíra, há pouco, culpa irrestrita ao calor por todas as circunstâncias que enfrentamos. Estava certo!
O calor destempera. Aflige. Irrita. Transborda. Enlouquece. O meditativo não se concentra. Um meticuloso relojoeiro não sobrevive. O ambulante cambaleia. O gari não consegue suportar. O motoboy capitula imerso num barril de gelo. A tia não passa a linha de costura pelo buraco da agulha. A banda recusa-se a desfilar. Muito menos a moça permanece na janela.
São exemplos de impossibilidades! O calor modifica o nosso dia a dia.
Vêm, então, as nefastas consequências: todo mundo grita, não há como falar baixinho, somente na poesia amorosa; exposição nas varandas e portas é fragrante; destempero assola, levando ao xingamento, aos impropérios; discussões nas filas são frequentes; meninos são travessos; dedinhos não param nos celulares, por conta da ansiedade e da euforia; mães desesperadas surram os filhos em público; casamentos são desfeitos na rua; mulheres ciumentas rasgam as roupas, umas das outras, perante plateia estupefata; calçadas permanecem cheias de gente até tarde da noite; baratas invadem as casas; cigarras morrem secas de tanto cantar; passarinho suga água de minguadas poças; os açudes fenecem; os volumes mortos estão pra lá de defuntos; toalhinhas, conduzidas nas mãos, acompanham seus donos a todos os lugares, enxugando os suores da vida; e, ainda, com base neste modelo, surgem outras infindáveis situações.
Permito-me divagar, trazendo a imagem da bela passista de Escola de Samba, grávida, dentro de um “biquiníssimo”, no carnaval de 2015, em plena Avenida Sapucaí. Misericórdia, se em Toronto, por exemplo, onde estava batendo vinte e três graus negativos, iríamos encontrar a mesma criatura desfilando os seus passos e a sua formosura! Nunca!
O inverno é introspectivo e calmo.
O frio conduz-se com recato. Impõe a elegância da nobreza. Atua pelas beiradas. Vai chegando devagarzinho. O termômetro revela aos poucos o declínio da temperatura. Em contrapartida, reconheço, a neve é incômoda e traz, até, desastres. Mas ressalto que as pessoas do frio têm comportamento diferente destas nossas aqui, do lado debaixo do Equador. É gente quieta, reservada e de fala mansa, em tom baixo.
 Trancam-se em casa e nos veículos. Não buzinam alucinadamente. Saem para o trabalho e para as compras, porque não há opção. Suas casas ficam fechadas. Aí, evitam barulho e poeira. Não há exposição gratuita nem gestos exagerados. Tratam as crianças com uma terna dureza, sem escândalo. 
Ao buscar respaldo para a inconveniência do calor, socorro-me de Albert Camus, em cujo livro “O Estrangeiro” é evidente a presença do calor nas passagens do seu texto. Em inúmeros momentos, o calor é coadjuvante, quase protagonista. Na cena da morte do Árabe, na beira do mar, o sol acompanha a narrativa, inapelavelmente!
Machado de Assis, no século XIX, já revelava que a “Crônica”, estilo literário, originou-se, tudo indica, no Rio de Janeiro, dos encontros de vizinhos em suas calçadas, em virtude do calor que os retirava de casa, para tomarem a fresca e divulgar os acontecimentos diários, abusando da bisbilhotice.
Dessa forma, é impensável dissociar a vida das pessoas do calor inclemente que nos arrebata. Haverá sempre uma cadência a seguir.
Porém, não devemos sucumbir de todo. O calor tem as suas compensações: sorvete, banho de mangueira, banho de mar e de piscina, caminhadas, sucos, shortinho, rasteirinha, rede no quintal, minissaia, bermudas, cerva bem gelada, crianças brincando na rua, blocos de carnaval, alegria, e demais coisas.
Graças a Deus e aos trópicos!

Alfredo Domingos