quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Tem que passar além da dor


Considerando os dois versos do poema de Fernando Pessoa, Mar Portuguez (título original), abaixo transcritos, pus-me a refletir sobre o seu conteúdo:
“Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.”
Há muito que pensar sobre estas rápidas palavras, que simbolizaram a passagem das naus portuguesas pelo Cabo Bojador ou Cabo do Medo, na altura do Saara Ocidental, no caminho para o Oriente. Dizia-se de perigos na travessia. Então, prevaleciam as histórias assustadoras, nas quais os navegadores sofriam desditas nas empreitadas marítimas na região. A primeira passagem pelo acidente geográfico coube a Gil Eanes, em 1434, feito este que se constituiu num marco para Portugal disparar aventuras pelos mares.
Feitas as “considerações iniciais”, vou além. Destacando o segundo verso: “Tem que passar além da dor.”
O verso faz uma convocação especial à superação da dor, dos incômodos.
E é neste aspecto que quero me segurar, sem, porém, afastar-me das “tenebrosas” histórias do Oceano Atlântico (o “Tenebroso”), fazendo link destas com a vida que levamos.
As mirabolantes ações para ultrapassar os medos, os fantasmas, as limitações, as doenças do corpo e da alma, não são tarefas fáceis.
Temos um Bojador pela frente a cada dia. Contornar é preciso, assim como navegar. Se pensarmos detidamente, nem sei se contornar é o verbo adequado, pois enfrentar parece corresponder mais à realidade.
O amanhã sempre é incerto. Deve haver preparo aliado à coragem, para nele chegar auspiciosamente.
Por mais que seja previsto o que irá ocorrer, há diferença entre o planejado e o realizado; sabemos disto. E é bom que seja assim. O inusitado proporciona a esperteza, alavanca iniciativas. O desconhecido aparece para nos testar. Munirmo-nos das armas respectivas, mesmo que repentinamente, é sábia decisão. Enfim, estarmos sempre alertas.
A conquista, finalmente, é o coroamento de muitas lutas, com agentes internos a nós e externos. A peleja é árdua, mas propicia conhecimentos e amadurecimento. A gratidão pelas pequenas conquistas é salutar e robustece a caminhada. Dia a dia surgem novas vitórias. Devemos estar atentos e fortes para dar valor.
Encaremos, portanto, os “Bojadores”, que se apresentarem, sem temor, porque o caminho, não o das Índias (Oriente), mas o caminho para as nossas realizações serão encontrados, com base no empenho, na fé e na esperança.

Alfredo Domingos