terça-feira, 21 de junho de 2016

Fotografia é o momento que fica eternizado



Batizado de maio de 1951, na Capela de Nª Sª das Graças, no Colégio Militar do Rio de Janeiro, Tijuca, Rio. O celebrante foi “Monsenhor Alfir”, no centro da foto, ao lado do batizando. Que sejam observadas as roupas dos participantes – homens de terno e mulheres de vestido, sendo que algumas estão de casacos suntuosos.
Fonte da imagem: acervo do autor


Vovô não fazia por menos. Passava a chave na porta do armário do corredor e, cuidadosamente, escondia a chave no alto da estante. Era a sua maneira de reter as fotos da família bem guardadas e preservadas, onde estavam as queridas lembranças. Aproveitava todas as oportunidades para resgatar as caixas de papelão, perfeitamente forradas por dentro e por fora, etiquetadas, etc.

Forrava com o antigo papel pardo, amarelão. Usava goma-arábica e, com a ajuda de espátula, passava a cola de lado a lado. Ao fixar o papel, novamente recorria ao instrumento para que bolha alguma se formasse, atrapalhando a perfeição do trabalho.

Apoiava a caixa, uma a uma, no sofá da sala e punha-se a discorrer sobre as histórias que envolviam as fotografias, todas datadas e com anotações de nomes e pormenores.
Enriquecia as fotos com narrativas providas de minúcias, que trazia a todos um pouco de entretenimento. Fazia, com maestria, o relato do registro fotográfico, incluindo atitudes e acontecimentos da família. Acrescentava coisas do tipo:

- Este aqui, sobrinho, está na foto com esta moça, mas não deu certo, tempos depois, babau! Acabou o namoro. Ele foi casar em Goiânia, em rápida passagem pela cidade. Bastou conhecer, para o amor chegar desavisadamente, arrebatando-o. Detalhe: a nova namorada era nove anos mais velha! Bem, deixe isto pra lá...

Adicionava, ainda, a relação, quando havia motivo, da imagem com os fatos da história do País ou da cidade, dando realce ao acontecimento. Aumentava o tom da voz para dizer:
- Aquele ali da direita foi Marechal, figurão do Século passado, foi Chefe de Polícia do Estado tal, quase indicado para concorrer à Presidência. Porém, não chegou ao comando da Nação, tendo morrido meio abilolado, não reconhecendo as pessoas à volta.

Da foto de formatura, extraía vários assuntos afins, incluindo histórias paralelas, usando, contudo, muito bom humor, que nos levava ao riso, o que tornava a empreitada tarefa agradável, solicitada por nós, sempre que surgia a chance.

O mesmo acontecia nos casamentos, praticamente, ele perdia-se em divagações. Vez por outra, precisávamos alertar:
- Vovô, por favor, volte ao tema principal, comente a foto.

Claro que algumas das fotografias ficam amareladas, e a maioria é em preto e branco.

Com o tempo, vovô faleceu, deixando saudades, álbuns e diversas caixas! Em compensação, as aventuras descritas estão conosco, e havendo oportunidade são relembradas.

As relíquias fotográficas prosseguiram do mesmo jeito. A filha mais velha trouxe para si a missão de mantê-las, e em bom estado.

Pois bem, é sabido que quem cuida consegue ter, porém, só podemos zelar por aquilo que existe fisicamente, além do que a nossa própria memória armazena. Para o restante, não se tem controle.

O meio digital torna-se efêmero porque dá a impressão de inalcançável, em função do seu esconderijo natural.

Existe, para ilustrar, enorme quantidade de fotos digitais, que são clicadas em todos os dias, e que, lamentavelmente, ficam perdidas, sem acesso, nas profundezas dos mais modernos celulares e tablets. Como exemplos - 350 milhões de imagens, todo dia, são postadas no “Facebook”, chegando a ultrapassar os 110 bilhões de fotos divulgadas nas redes sociais anualmente, sem contar o que circula pelo “Instagram” e pelo “Flickr” (dados de dois anos anteriores, aproximadamente). Recolhidas, dormem para sempre, fazendo parte de coleção invisível. O impacto que causam é relâmpago, representado por aquele “ah!” que proferimos, por segundos, e que, paradoxalmente, sepulta a emoção do momento registrado. Toda a satisfação flagrada perde-se num estalar de dedos. Em síntese, dispara-se no celular, por meio de dedo nervoso completamente alheio à realidade contextual, causando, depois, perplexidade, materializada com a clássica pergunta:
- Por que fotografei isto?

Situação quase ridícula é aquela em que a pessoa que mostrar a foto e rola, rola, a telinha e não a encontra. E você fica esperando. Às vezes, num ambiente escuro. Na boate, para citar um desses locais, que não são apropriados. Porém, o dono, enlouquecido, não se toca! Quer porque quer, ali, transmitir um “lance memorável”, que nunca mais se repetirá, ao menos é o que ele pensa! Vira agonia. Fica patenteada a voracidade por capturar e compartilhar, sem apurar a necessidade.

Os álbuns, em outra trincheira, além de românticos, mantêm tudo à mostra, sem pressa. O passar de cada folha é acalentador, calmo como era a época das fotos ali guardadas. O mostrar de álbum constituía-se em um evento. O cafezinho a fazer companhia, bolachinhas, e assim transcorria a sessão, saboreada efetivamente a cada “vapt” do avançar da página do álbum, acompanhado da indefectível folha de textura fina, que mantinha a foto resguardada.

Temos que reconhecer o envelhecimento das fotos, grande volume para armazenar, difícil transporte, poeira acumulada, algum mofo instalado; mas vencidos estes empecilhos, elas exprimem recordações, instantaneamente. O grande barato está aí, o rápido encontro entre o passado e o presente. Ali mora a história da família, se bem repararmos. São registros dos acontecimentos importantes e vitais de um grupo familiar. Com observação acurada, pode-se perceber a evolução das pessoas, suas mudanças e opções ao longo dos anos. Vovô sabia disso. Tanto que a cada seção de fotos, com jeito, ia fazendo com que notássemos as diferenças e alterações de rumo. A cada olhada, podem surgir novos detalhes, não percebidos anteriormente, por mais que vejamos. Inclusive, no viés psicológico, estão evidentes alguns modos de ser de cada membro. Aquele primo, por exemplo, sempre com a mão no bolso, encolhido. Ou então o cunhado que se esconde da foto, buscando posição quase oculta, normalmente de cabeça baixa, não encarando a circunstância.

As fotos digitais apresentam a facilidade de ser carregadas no bolso, para qualquer destino. Grande vantagem! Mas há o “porém”: não são mostradas. Verdade constatada: nas ocasiões, posamos para inúmeras fotografias, e só! Nunca mais as vemos.

Você se recorda de ser procurado, dias depois, ou mesmo na hora, com calma, para ver alguma foto em que participou? Duvido que sim!

Há os que defendem a futilidade, geralmente, das imagens postadas nos canais disponíveis, por serem passageiras, sem deixar conteúdo para o futuro. Comidas maravilhosas, paisagens, selfies de si, no espelho, incrementando a condição de superstar, enfim, está tudo com cara de “fui”, não sendo para ficar. 

A foto que ilustra este papo tem muitas e interessantes facetas. Vamos, com auxílio da lupa, bisbilhotar alguns detalhes: cerimônia provavelmente pela manhã, com muita formalidade, situação normal, na época; poucas cores claras nas roupas e, em consequência, a cor escura predominando; mulheres com vestidos na altura da metade da panturrilha, como ditava a moda, usando cabelos curtos ou presos; os homens, além dos ternos e gravatas, traziam lenço dobrado no bolso do paletó (historicamente, os lenços foram usados no lugar de uma bandeira branca, para indicar trégua, além de acenar para longe aos marinheiros do porto. Rei Ricardo II da Inglaterra teria inventado o lenço de pano) e penteavam os cabelos para trás, gomalizados; todos calçando sapatos escuros, independentemente do sexo; o padre ao centro, vestindo batina preta, é marca forte da presença austera e diferenciada da Igreja; o mais velho de todos, o avô do batizando, postou-se justamente ao lado do padre, há de ter tido algum motivo, não é?; outro detalhe relevante é a formatura que se fez, sem que alguém tivesse liderado, imagino... ou será que o fotógrafo organizou? Vai saber...; e, para terminar, notamos que as posturas, roupas e penteados indicavam ausência de ousadia característica do pós-guerra. Ser rebelde era sinal de pertencer à escória da sociedade, até que certo James Dean, do cinema, no ano de 1955, com o filme “Juventude Transviada”, com o qual se consagrou, rompeu essa linha e assumiu a causa rebelde, tendo a moto como veículo indicador do novo comportamento. Essa revolução influenciou milhões de jovens, que passaram a vestir basicamente calças jeans, camiseta e casaco de couro.

No meio da sisudez da cerimônia, como se vê na foto em tela, alguém resolveu liberar as emoções, provavelmente entediado ou exigido demais. Cumprimentos, etc. Foi exatamente a estrela do dia, o batizando, pois chora copiosamente, talvez querendo dizer:
- Deixem-me voltar à minha paz!

Finalmente, por coincidência, dias destes, na Revista O Globo, de domingo, tomei conhecimento da criatividade do artista plástico Marcelo Macedo, que garimpa velhos álbuns em feiras de antiguidade, e depois pratica a sua arte, fazendo intervenções gráficas nos retratos, alterando com colagens, recortes, etc.
Desculpem-me os modernos e antenados, mas com fotos digitais a história do vovô e o trabalho de Marcelo ficariam “dificultados”, assim eu penso!

Alfredo Domingos

segunda-feira, 13 de junho de 2016

Criar a todo custo


 Obra de Edouard Vuillard, de 1891, retratando o ator e diretor
francês Aurélien-Marie Lugné-Pöe – Memorial Art Gallery, Rochester, EUA.
Fonte da imagem: fotografia do autor

Está de bobeira, engendrando besteira? Lance mão do papel, criatura. Pequenino que seja, e do lápis, de preferência bem apontado. Para completar, deixe ao lado a borracha macia.
Pronto! As ferramentas estão expostas.

Sacuda, então, a cabeça. Voe o máximo que puder. Rompa a barreira dos preconceitos e das regras. Organize o desencadear da maquinação. Se lhe ajudar, dê um grito forte e se sinta aliviado e preparado para produzir.

Até mesmo um cantinho irá servir, bastando uma pequena mesa no local. Caso não haja cadeira, não fique melindrado, sente no chão.

Em resumo, inspire-se na imagem acima, de expressiva concepção.

A impressão passada é de total entrega, com o personagem buscando concretizar ideias num tico de papel, meio torto, na quina da mesa baixa, usando, ao que parece, um cotoco de lápis, entre os dedos, quase escondido.

Vale perceber a mínima distância entre ele e o papel, havendo a tentativa de ludibriar a “presbiopia” (visão enfraquecida para leitura próxima), o que torna o exercício de ler e escrever penoso (aliás, faltam os óculos!). Mas o artista foi generoso, inserindo um facho de luz sobre o que era necessário focar, ou seja, o alvo da atenção do homem, deixando de enfatizar outro aspecto.

A mensagem final, que obrigatoriamente devemos entender é a da verdadeira obstinação em externar o sentimento, registrar situações e pensamentos, ao extremo custo! De esguelha, como der.

A escrita não dispõe de tempo a perder e chega a enlouquecer o criador, pois frear impulsos de eternizar aquilo que se reflete não é tarefa fácil de suportar, insere uma ansiedade danada! Quase um vício sem remédio. Não há explicação para explicar!

Somente os gênios desenvolvem sem cessar, criam, inventam, onde estiverem e sob as mais diversas condições, e deixam para sempre as suas obras, que brilhantemente conseguem mudar as nossas vidas, para melhor.

Alfredo Domingos

Oh, vida difícil! Será?

 Fotografado: Gilson Alves da Cunha
Origem da imagem: fotografia do autor

Se você conseguiu safar-se de todos os revezes da vida e chegou à idade avançada, parabéns! Contudo, na condição de idoso, certamente, passa por alguns problemas. Não por sua culpa, mas porque produtos e papéis são feitos para todos, sem distinção, deixando de considerar aqueles que têm restrições. Algumas coisas melhoraram, certamente, porém, falta muito a avançar!

Há a alegação de que com alguns poucos recursos o dia a dia do idoso tem solução. Então, estamos acostumados a ouvir:
- “É só” usar óculos;
- “É só” andar de cadeira de rodas;
- “É só” apoiar-se na bengala;
- “É só” possuir acompanhante;
- “É só” pedir a alguém para ajudar a entender;
- “É só” valer-se das prioridades da idade;
- “É só” receber acompanhamento médico;
“É só”, uma pinoia! Vá, você, enfrentar!

As citadas “facilidades” e outras não são para a totalidade das pessoas nem estão à disposição de qualquer bolso, em todas as situações. Inclusive, pode ocorrer a falta de suporte para arcar com os planos de saúde, tributos, impostos e medicamentos; para revelar alguns. A lacuna deixada resulta na obrigação de o idoso recorrer aos serviços ditos públicos, que não contemplam, como deveriam, as necessidades, além dos transtornos de locomoção e de espera para o atendimento. Referi-me aos serviços “ditos” públicos pela precariedade vigente, ao invés de servir ao público, de forma geral e a contento.

Acontece que surgem contratempos que impedem o aproveitamento total dos já escassos recursos. Óculos ficam defasados ou caem e quebram; cadeira de rodas, uma vez que se disponha de dinheiro para o aluguel ou compra, pede reparo e necessita de quem a empurre e a transporte (pega aqui pra colocar ali, sem fim!); cuidador capacitado é figura rara e dispendiosa (tendo o idoso que manter estrutura para apoiar quem o apoia); a casa precisa ser adaptada em muitos aspectos; há a necessidade da marcação de consultas e exames, tarefa complicada, que envolve também transporte até o local; e, pelo incrível que pareça, a informatização dos contatos, único meio em diversas situações, não acusa solução tão fácil quanto se pensa, pedindo, de início, que haja o equipamento e que se saiba operá-lo, sem incluir a questão da senha, que sempre é um entrave à parte. Claro que é ferramenta utilíssima e quase indispensável, mas... Todavia, acima disto tudo, há problemas intrínsecos, atrapalhantes em demasia: a bula do remédio com letra mínima; a escrita complicada no conteúdo da receita médica; o condutor do fio dental – passafio, na cor branca, que se perde na bancada igualmente branca da pia do banheiro; os parafuzinhos insignificantes das hastes dos óculos (haja paciência e vista para, com uma chavinha, aplicar os tais parafuzinhos); o texto longo, detalhado e praticamente ilegível, de tão pequeno, dos contratos e outros documentos, cujo entendimento é para alguém pra lá de sagaz e com visão de lince; os minúsculos números componentes das etiquetas de preço, nos mercados, que não raramente precisam de auxílio de gente mais nova, mesmo estando o idoso com os quatro olhos a postos; o diminuto tamanho das letras dos livros, que se constitui em outro obstáculo, pois faz com que o idoso perca o interesse pelo enredo em função do incômodo ao ler, e, ao contrário, é o livro infantil/juvenil que traz as letras em dimensão maior, ao lado de grandes gravuras; e, para encerrar os exemplos, saliento a enorme dificuldade em perceber a real validade do medicamento, em função dos insignificantes números colocados, quando não são da mesma cor do frasco ou da tampa.

Enquanto escrevo, já tentei três vezes marcar o oftalmologista para o meu pai, de 84 anos, sem sucesso, por detalhes dificultosos apresentados no contato. A circunstância traz um bom exemplo do incômodo. Talvez, se a incumbência recaísse sobre os ombros dele, já tivesse desistido. E saiba que ele é articulado, sem inibição.
 
Para completar, por motivos da modernidade, pelo corre-corre diário, os membros da família não conseguem auxiliar nos momentos de necessidade ou simplesmente para se fazerem presentes.

Mas, vou levantar o astral, trazendo coisas mais divertidas e positivas, como no caso das irmãs Alvarenga. São três gaiatas, no melhor sentido. Lenir, Lenita e Lenira – a primeira não ouve bem, a segunda não enxerga bem e a terceira namora! Estão na faixa dos setenta anos (escondem a idade), contudo são pra lá de ativas e animadas, realizando todos os cursos e aulas que aparecem, desde bordado à dança de salão. Excelentes cozinheiras, vivem a convidar amigos para um “lanchinho”, que se estende noite adentro, com direito a sarau, porque, além de tudo, cantam à tripa forra.

A outra história pra cima é a do tio Adamastor, sujeito empertigado, alto, magrinho, cabelo esticado para esconder a careca, sempre de roupa branca, que, na aposentadoria, corta, milimetricamente, quilômetros de pão dormido, para fazer torradas e ofertar aos amigos e parentes. Estabelece quantidades certas e as embala em saco plástico, com todo o zelo. Depois, percorre as casas entregando o mimo, preparado com carinho. Diverte-se a cada parada, bebe cafezinho, conta histórias e retorna feliz da vida. Ah... Registro que o tio passou dos oitenta faz tempo!

Em resumo, qualquer que seja a idade, a pessoa, mesmo com algumas fragilidades na saúde e tendo pela frente dificuldades inerentes a quem está vivo, que infelizmente estão aí para nos tirar o sono, deve persistir em fazer o barquinho andar, remar para prosseguir engraçando a si e aos outros, ser generosa e leve consigo e com os demais, principalmente, para que continuem a lhe fazer companhia, que sem dúvida é a parte interessante da vida.

Alfredo Domingos