quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

A ambulância literária

  “É possível que eu me esteja a transformar num ser humano”, afirma a protagonista de “The uncommon reader”, de Alan Bennett, depois de ter descoberto as alegrias da leitura. Como que a dizer que os livros, e, portanto, as palavras podem curar, produzir mudanças positivas, salvar. De tudo isto, está também convicto o italiano Cono Cinquemani, nascido em 1980, autor e realizador, para além de fundador do Pronto-Socorro Literário, que desde 2017 permanece em itinerância.

“O que faço, juntamente com outros voluntários, é deslocar-me a todas aquelas realidades periféricas que, em Itália, não têm nem biblioteca nem livraria”. O objetivo é devorar quilômetros a bordo da ambulância literária (um utilitário branco), para levar, aos lugares privados de espaços culturais, livros e, sobretudo, palavras.

O “Pronto-Socorro Literário” desloca-se de norte a sul, e quando chega ao local programado é como se desse vida a hospitais de campanha. Os voluntários, vestidos de médicos, propõem aos pacientes literários cartões, nos quais é possível assinalar uma de cinco emoções ou personalidades (ciúme, tristeza, ira, stress, timidez). No seguimento dessa triagem, prescrevem, mediante uma “receita”, um livro, que pode ser um clássico ou uma novidade.

Trata-se de uma experiência a alcançar sucesso, conseguindo, entre outros feitos, avançar não só entre os jovens – crianças e adolescentes –, como também nos adultos, que se deixam guiar neste percurso empático, de cura, de possibilidade de renascimento.

“Eu, com o Pronto-Socorro Literário, não inventei nada de novo; as bibliotecas itinerantes remontam ao século XIX. Mas ao adentrar-me no mundo editorial, na sequência da publicação do meu primeiro livro, fiquei perturbado pela descoberta que no nosso território são 687 as vilas ou povoações sem o letreiro de uma livraria ou um cartaz que conduza a uma biblioteca pública. Em resumo, nasce desta exigência, e depois também do estudo da metodologia relativa à biblioterapia, o meu desejo de dar vida àquilo que podemos definir muito propriamente como um serviço”, explica Cinquemani.

Um serviço, sim, um serviço para a comunidade, para quem está à procura de palavras para definir as suas emoções; palavras para dar um nome àquilo que se experimenta, para encontrar conforto, remédio, solução, mas também para rasgar o manto de solidão que tantas vezes envolve os habitantes desses lugares.

“Estamos convictos de que o livro certo lido no momento certo salva-te de algo, até de ti mesmo. Por isso, plenamente conscientes da importância das palavras, não temos intenções de nos determos: continuaremos a assinar milhares de receitas literárias e a confrontarmo-nos com centenas de pessoas de todas as idades”, refere-se Cinquemani.

(de: zelmar.blogspot.com.br)

*Enrica Riera (texto)
In
L'Osservatore Romano – 17/2/2022