segunda-feira, 13 de junho de 2016

Oh, vida difícil! Será?

 Fotografado: Gilson Alves da Cunha
Origem da imagem: fotografia do autor

Se você conseguiu safar-se de todos os revezes da vida e chegou à idade avançada, parabéns! Contudo, na condição de idoso, certamente, passa por alguns problemas. Não por sua culpa, mas porque produtos e papéis são feitos para todos, sem distinção, deixando de considerar aqueles que têm restrições. Algumas coisas melhoraram, certamente, porém, falta muito a avançar!

Há a alegação de que com alguns poucos recursos o dia a dia do idoso tem solução. Então, estamos acostumados a ouvir:
- “É só” usar óculos;
- “É só” andar de cadeira de rodas;
- “É só” apoiar-se na bengala;
- “É só” possuir acompanhante;
- “É só” pedir a alguém para ajudar a entender;
- “É só” valer-se das prioridades da idade;
- “É só” receber acompanhamento médico;
“É só”, uma pinoia! Vá, você, enfrentar!

As citadas “facilidades” e outras não são para a totalidade das pessoas nem estão à disposição de qualquer bolso, em todas as situações. Inclusive, pode ocorrer a falta de suporte para arcar com os planos de saúde, tributos, impostos e medicamentos; para revelar alguns. A lacuna deixada resulta na obrigação de o idoso recorrer aos serviços ditos públicos, que não contemplam, como deveriam, as necessidades, além dos transtornos de locomoção e de espera para o atendimento. Referi-me aos serviços “ditos” públicos pela precariedade vigente, ao invés de servir ao público, de forma geral e a contento.

Acontece que surgem contratempos que impedem o aproveitamento total dos já escassos recursos. Óculos ficam defasados ou caem e quebram; cadeira de rodas, uma vez que se disponha de dinheiro para o aluguel ou compra, pede reparo e necessita de quem a empurre e a transporte (pega aqui pra colocar ali, sem fim!); cuidador capacitado é figura rara e dispendiosa (tendo o idoso que manter estrutura para apoiar quem o apoia); a casa precisa ser adaptada em muitos aspectos; há a necessidade da marcação de consultas e exames, tarefa complicada, que envolve também transporte até o local; e, pelo incrível que pareça, a informatização dos contatos, único meio em diversas situações, não acusa solução tão fácil quanto se pensa, pedindo, de início, que haja o equipamento e que se saiba operá-lo, sem incluir a questão da senha, que sempre é um entrave à parte. Claro que é ferramenta utilíssima e quase indispensável, mas... Todavia, acima disto tudo, há problemas intrínsecos, atrapalhantes em demasia: a bula do remédio com letra mínima; a escrita complicada no conteúdo da receita médica; o condutor do fio dental – passafio, na cor branca, que se perde na bancada igualmente branca da pia do banheiro; os parafuzinhos insignificantes das hastes dos óculos (haja paciência e vista para, com uma chavinha, aplicar os tais parafuzinhos); o texto longo, detalhado e praticamente ilegível, de tão pequeno, dos contratos e outros documentos, cujo entendimento é para alguém pra lá de sagaz e com visão de lince; os minúsculos números componentes das etiquetas de preço, nos mercados, que não raramente precisam de auxílio de gente mais nova, mesmo estando o idoso com os quatro olhos a postos; o diminuto tamanho das letras dos livros, que se constitui em outro obstáculo, pois faz com que o idoso perca o interesse pelo enredo em função do incômodo ao ler, e, ao contrário, é o livro infantil/juvenil que traz as letras em dimensão maior, ao lado de grandes gravuras; e, para encerrar os exemplos, saliento a enorme dificuldade em perceber a real validade do medicamento, em função dos insignificantes números colocados, quando não são da mesma cor do frasco ou da tampa.

Enquanto escrevo, já tentei três vezes marcar o oftalmologista para o meu pai, de 84 anos, sem sucesso, por detalhes dificultosos apresentados no contato. A circunstância traz um bom exemplo do incômodo. Talvez, se a incumbência recaísse sobre os ombros dele, já tivesse desistido. E saiba que ele é articulado, sem inibição.
 
Para completar, por motivos da modernidade, pelo corre-corre diário, os membros da família não conseguem auxiliar nos momentos de necessidade ou simplesmente para se fazerem presentes.

Mas, vou levantar o astral, trazendo coisas mais divertidas e positivas, como no caso das irmãs Alvarenga. São três gaiatas, no melhor sentido. Lenir, Lenita e Lenira – a primeira não ouve bem, a segunda não enxerga bem e a terceira namora! Estão na faixa dos setenta anos (escondem a idade), contudo são pra lá de ativas e animadas, realizando todos os cursos e aulas que aparecem, desde bordado à dança de salão. Excelentes cozinheiras, vivem a convidar amigos para um “lanchinho”, que se estende noite adentro, com direito a sarau, porque, além de tudo, cantam à tripa forra.

A outra história pra cima é a do tio Adamastor, sujeito empertigado, alto, magrinho, cabelo esticado para esconder a careca, sempre de roupa branca, que, na aposentadoria, corta, milimetricamente, quilômetros de pão dormido, para fazer torradas e ofertar aos amigos e parentes. Estabelece quantidades certas e as embala em saco plástico, com todo o zelo. Depois, percorre as casas entregando o mimo, preparado com carinho. Diverte-se a cada parada, bebe cafezinho, conta histórias e retorna feliz da vida. Ah... Registro que o tio passou dos oitenta faz tempo!

Em resumo, qualquer que seja a idade, a pessoa, mesmo com algumas fragilidades na saúde e tendo pela frente dificuldades inerentes a quem está vivo, que infelizmente estão aí para nos tirar o sono, deve persistir em fazer o barquinho andar, remar para prosseguir engraçando a si e aos outros, ser generosa e leve consigo e com os demais, principalmente, para que continuem a lhe fazer companhia, que sem dúvida é a parte interessante da vida.

Alfredo Domingos

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