quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Mulher-interjeição



Aprendi, lá atrás, sobre a interjeição. A gramática diz que se trata de expressão apresentadora do nosso estado emotivo. Reação pura, sem rascunho. Não está inserida nas classificações clássicas das palavras. É um vocábulo-frase. Seja ela de admiração, dor, impaciência, espanto, dúvida, alívio ou outra reação qualquer. Pode ser representada por um tico de palavra ou por duas ou mais palavras.

O maneiro é que a interjeição exprime muito com pouco recheio. Por si é uma verdadeira oração. Vai direto ao tema sem delonga. O interlocutor ou leitor capta de imediato a mensagem, mesmo que o motivo tenha sido extenso e complicado.

A nossa secretária na cozinha da fazenda usava “Opa!” pra tudo. Era assim:
- A comida está pronta, Arminda? Aí vinha a resposta: - Opa!
- Que calor está fazendo, hein, Arminda? De novo: - Opa!
- Vou ao comércio, precisa de alguma coisa, Arminda? Nesse caso a contrapartida era diferente: - Opa! Tenho de ver.

Bom, já deu para acreditar que a reação era da mesma maneira, todo o tempo.

Mas, na realidade, esta história da interjeição tem outra motivação. Quero conduzir o barco a outro porto.

Viro e mexo, acabo reportando-me a Violeta Bacamarte, reconheço. Nesse contexto, lembro-me dela de cabeça baixa na máquina de costura ou conduzindo a agulha, sentada no sofá, ao largo da passagem do furacão, que é uma casa, à noite, com cinco pessoas que têm interesses e personalidades diversas.

A criatura é ensimesmada ao extremo. Calada, até quando não deveria. Afirma que consegue sucesso dizendo nada. Melhor do que meter o bedelho.

É daquele tipo que dá uma boiada para não se intrometer em confusão. Relega, positivamente, a entrada em qualquer querela.

Não se trata de ser desprovida de opinião, não. A preferência é pela posição de ouvir muito mais do que falar. Costurar com as palavras não é do seu figurino, muito menos tecer colchas de “disse me disse”. Isso ela deixa para o companheiro, Túlio Bacamarte, que este, sim, é palavrista de primeira hora, nosso escrevinhador, que trazemos no bolso para deleite em vã ocasião; apaixonado contumaz por um pedacinho de papel, de modo a versejar, ou por uma conversa sem pressa para terminar.

Voltando à interjeição, pois chega de tergiversar, Violeta é chamada pelo marido de “mulher-interjeição”. O enredo toma corpo a partir da troça do parceiro.

Chega o poeta em casa, ansioso para deitar falação, encontrar eco, obter parceria, contar sua façanha diária, e encontra, invariavelmente, a mulher debruçada sobre a costura, concentrada, produzindo maravilhas.

Ele agarra a palavra e não solta. Desfiando, com detalhes, a meada em que esteve enrolado ao longo do dia.

De quando em vez, pergunta: - Está entendendo? – O que você acha? – Fiz bem?
A resposta não sai do padrão, mudando apenas a forma de expressá-la.

Ora Violeta responde com suspeita “hum!”, ora alivia-se deixando escapar um “eh!”, mais adiante traduz admiração usando um “ah!”, também se socorre do “tomara!”, para indicar um desejo, e, já no final do diálogo, que foi praticamente inexistente, arremata com uma locução interjetiva, ao defender-se da acusação de que não está participando “ai de mim!”. Mas cá pra nós, na maioria das vezes, emite um conciso “hum!”, que resume tudo e não compromete.

Túlio não se emenda! Sempre reclama de Violeta, mesmo sabendo ser a companheira de poucas palavras. Até porque, ela argumenta que, falando, reduz a possibilidade de errar ou de ser mal interpretada. O jeito particular não significa desprezo. Na verdade, o bom andamento da costura depende de atenção redobrada, para que não haja erro no traçado da linha e na construção da arte, além de ser o SEU MOMENTO, restritíssimo.

Cada um com o seu modo de proceder. Por exemplo, Túlio faz o seu vaivém noturno, em casa, agarrado no radinho, para saber das últimas que estão no ar, principalmente no campo do esporte. Talvez o som incomode. “Psiu!” Não espalhe, OK?

Alfredo Domingos
(o autor apresenta as interjeições, destacadas pelas aspas, valendo-se de um texto)

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