sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Viajar é colocar reticências...

“Viajar é colocar reticências naquele momento de vida”. Penso assim e explicarei mais adiante.

Mas a escritora Martha Medeiros concebe diferente, uma vez que em nove de julho, escreveu na Revista Ela, de O Globo, que “viajar é abrir parêntese na vida”.

O tema, já deve ter sido percebido, aborda alguns dos sinais de pontuação, usados na Língua Portuguesa, inseridos completamente em todas as nossas atividades, na escrita e no falar, nem que seja na entonação.

Martha incluiu no texto certa aflição no antes do embarque e inquietação durante a viagem. Ela tratou do deslocamento aéreo, e o nosso foco será nele, também, para analisar da mesma forma.

Mas complementou, alegando que, ao chegar ao destino, livra-se de todo o peso e parte para aproveitar.
 
Bom, agora estou pronto para colocar o meu ponto de vista.

Primeiro dou o entendimento da gramática sobre reticências: indicam interrupção/fatos em curto espaço de tempo/supressão de um trecho.

Pois bem, aproveitemos o conhecer do professor Evanildo Bechara para fazer analogia com a temática da viagem: “interromper” pode está atrelado a deixar a sua rotina e resolver parar, ainda que temporariamente, para viajar. “Fatos em curto espaço de tempo” remetem ao próprio período do passeio, que geralmente é limitado, repleto de emoções, tendo a ver, obviamente, com viagem. “Supressão de um trecho” sugere deixar de fazer o de sempre, retirada de um pedaço com o qual você estava acostumado, o que perfeitamente se encaixa na continuidade da vida, que de repente perde o seu fluxo normal, em função da viagem.

Posso dizer que a gramática nos ajuda a sustentar a validade da ideia das reticências?

Digamos, todos, um grandíssimo “SIM”, pelos argumentos por mim apresentados acima.

Exponho agora a conotação de reticências, moradora no meu imaginário: adoto que as reticências são meninas recatadas, pra lá de educadas. Dão o recado nas entrelinhas, não escancaram objetivos, nem pressão; fazem suspense. Deixam a avaliação para o leitor. Interpretação livre. Carregam alegria ou tristeza. Oferecem liberdade, são democráticas. E andam em grupo, na formação de trio.

Viajar com base nas reticências aponta a dúvida sobre o que será encontrado, retrata a ansiedade e a expectativa por novidades. Por mais roteiro que haja, o inesperado assume grande impacto.

Já na ida para o aeroporto começam as traquinagens da empreitada. O transporte acontecerá dentro do combinado? Sem atraso? O “check-in” na companhia aérea não trará surpresas? As malas chegarão ao destino, sem mexidas do alheio, perdas, etc.? A passagem pela alfândega será normal? O passaporte passará incólume pelos controles virtuais, agora implantados? E, assim, as dúvidas vão se sucedendo...

Na decolagem do avião, você decide se entrega a Deus e relaxa ou morre logo de medo!

Uma vez nos céus, com a aeronave nivelada, surge um “certo” alívio, se os ventos e as turbinas estiverem favoráveis.

Boa sugestão ao viajante é que ele se entregue a Morfeu, Deus grego dos sonhos. Durma tranquilamente, ainda que de cabeça torta e pernas encolhidas.

Voltando à escrita da Martha, peço licença para discordar, quando ela afirma que, no destino, fica em estado de calmaria, descontraída. Não é bem assim...

Em terra, novas apreensões assolam, se conseguirmos chegar ao hotel sãos e salvos.

Abrimos mala, fechamos mala. Verificamos mais de duzentas vezes se ela está efetivamente trancada. Cá pra nós, em função da apreensão, esquecemos o segredo do cadeado ou não nos lembramos de onde deixamos a chave.

Não achamos aquela camisa preta, bem na hora de sair. Aí, optamos pelo ridículo, ficar descasados nas cores e nas indumentárias. Porém, não perdemos a pose, alegando:

- Turista é assim mesmo, de qualquer maneira. Não há quem ligue.

Compramos água na esquina pra economizar dinheiro do frigobar, mas não nos importamos em gastar pernas e paciência, na peregrinação, atrás de pequena economia. O que vale é pagar menos, em qualquer circunstância, embora desconsideremos a despesa de maior monta, já realizada, com passagem, hotel, etc.

A permanência no destino da viagem não é coisa de se tirar de letra. É tensa! Mil atividades, que mesmo que neguem, geram ansiedade e desconforto. Costumo brincar, relembrando os anúncios de turismo, em que alguns deles repassam viagens mirabolantes, do tipo: “realize o seu sonho, viaje conosco numa programação de dez países em nove dias”. Aí, vira correria infindável, sem proveito em parte alguma, entrando e saindo de hotel, além do rígido horário, de colégio interno, até para ir ao banheiro.

Para complicar o que é complicado, por si só, há outros inconvenientes: grupo grande deslocando-se, sempre com algum dissabor, longa espera até que todos estejam prontos ou que cheguem aos pontos de encontro, imprevistos de saúde, de dinheiro, de lidar com a língua estrangeira, e por aí vai... Sem nem tocar na tal doença do viajante, que faz com que o banheiro seja o recinto mais visitado. Que Louvre, que nada!

Essas aventuras sugam o ânimo do viajor. A diversão fica prejudicada pelas circunstâncias, a não ser que a pessoa releve tudo, passando por cima dos contratempos.

E vamos combinar que surgem, pelos caminhos, contratempos de “derrubar”, mesmo quando os envolvidos formam um animado time de turistas. Que tal topar com o furacão “Irma”, enlouquecido, desembestado por mares e terras?

Haja reticências para representar as surpresas, os sustos, mas, também, as alegrias de uma viagem!

Além de tudo comentado, existe, no meio do turbilhão de aventuras, a compra voraz de coisas que nunca serão usadas, não cabem no indivíduo presenteado ou não agradam. Surge, então, a clássica pergunta ao retornar: - Por que comprei isto, meu Deus?

Alfredo Domingos.

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