terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Mentira boa é tolerável?

Há por aí uma onda de “mentira branca”, tendo no seu bojo a possibilidade de dizer tudo ou de mentir, desde que seja com boas intenções, com o carimbo da bondade. Quem pratica chega a confessar, ao ser descoberto:

- Veja, isto é uma mentirinha branca, não se zangue, não!

O que é condenável, por convenção, é o sentimento da maldade e o objetivo da enganação e do encaminhamento do outro para o mau resultado.

Mas é tarefa dura diferenciar uma coisa da outra. Porque pode haver a saída de afirmar que o intuito foi o de alertar ou o de brincar. A justificativa é mais ou menos assim:

- Fui sincera, quis, de maneira gentil, avisar! Amiga é para essas coisas.

Para exemplificar, foram colecionadas algumas situações com as quais topamos a cada momento. Dá até para imaginar que sempre há armação por trás, dissimulação. Vamos recordar:

Prazer em rever você!
A buchada de bode está uma delícia, levinha!
Meu bem, pode ir ao futebol, não me incomodarei!
Bebi pouco, amor!
Querido, é tão bom quando a sua mãe nos visita!
A sua “ex” é simpática, não?!
Como você adivinhou? Adoro salada só de rabanetes!
Não tenho certeza, não posso jurar, perdoe-me, mas acho que vi o seu marido entrando no motel, com uma loura! Ih, falei, pronto!
Preocupe-se, não, mas parece que o chefe está preparando uma baita demissão. Vazaram uns nomes aí! Isola, evidente que você não está na relação!
Não há necessidade de cortar o cabelo. Ele está quase na cintura, porém, está fazendo um gênero! Hoje, está na moda!
Seu carro, vééélho? Que nada! Conservado!
Acabei de lembrar-me de você! Circunstância boa. Não morre tão cedo!

Bem, muitos outros exemplos poderiam constar. No dia a dia, não faltam desassossegos ou confidências a revelar. Existe uma atração pela conduta escusa, paralela à natural, que possui meandros, às vezes, sensíveis ou irreveláveis. Contudo, as pessoas são tentadas a permear esse terreno perigoso. Sentem-se em destaque por divulgar algum assunto atrevido.

Em tempos de desapego total, e, no mesmo caminho, andamos presos por demais aos outros, por vários canais, a relação das pessoas está esquisita. Busca-se a intimidade, mas com a máscara da cerimônia! A delicadeza pediu para descansar, está recolhida, dando espaço à invasão, travestida de sinceridade, de amizade e de outros falsos predicados.

Assim como, evocar a “inveja branca” assume semelhante tom desagradável. Pior! Declarar-se com inveja é extremamente inconveniente, seja qualquer a cor do sentimento, na tentativa de suavizar a ideia indiscreta.

A inveja branca, por si só, apenas faz mal a quem a possui. Corrói por dentro o invejoso. E o agravante vem a reboque. É a revelação com ar de inocência, como se a intenção fosse nobre.

Em resumo, a mentira ou a inveja é uma navalha afiada para cortar! Elimina o básico das relações, que é a confiança. Então, vamos combinar que a tolerância deve tender a zero, para que haja o mínimo de respeito. É imprópria a tal frase que circula livremente no trato interpessoal: “Atualmente, vale tudo, ninguém se incomoda!”.

Alfredo Domingos

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