segunda-feira, 25 de abril de 2016

Março para não esquecer


Quer saber? Foi de arrepiar!

Dizer ou escrever “no meu tempo...” ficou brega, sinônimo do que estacionou lá trás, pelo bolor do tempo e pelas ideias consideradas antigas.

Apesar desse consenso, vamos fazer uma pequena andança pelas posições e procedimentos ditos ultrapassados.

As chamadas “autoridades investidas” e profissionais de destaque recebiam consideração e chamamento correspondentes, naturalmente, dos tipos: Vossa Excelência, Senhor, Professor, Doutor, etc.

Por exemplo, acostumei-me a dar destaque aos meus professores, quase veneração. Sempre achei o médico um ser perto de Deus, ou seu representante, e nesta linha atribuía a ele irrestrito atendimento.

Hoje, tudo é íntimo, sem cerimônia, e, sobretudo, invasivo. Então, o tratamento é de você, cara, e assim vai, podendo falar e fazer o que der na telha!

O que parece bobagem, não é! Tratar pessoas considerando sua posição, título ou condição é dever. Pedir licença para entrar, sair, sentar, pegar coisas que não nos pertencem, abrir ambientes alheios e tantas outras circunstâncias era conduta habitual. Era! Agora, a situação mudou de figura, com a desculpa de não precisar dar satisfação, prestar conta, e que há liberdade de expressão e de ação. 

Respeitar e obedecer eram sentimentos inerentes às pessoas. Normalmente, as relações eram conduzidas sem descuido. Era dispensado respeito aos idosos, gestantes, gente de farda, pessoal da saúde e do ensino, poetas, magistrados; numa lista a se perder.

Dessa maneira, o bom jeito permeava a sociedade e balizava os procedimentos. Claro, que havia os exageros nos caminhos da dominação, da exploração, da intolerância de gênero, do racismo e do desrespeito à mulher; para nomear alguns desses excessos.

“Por favor” é expressão quase em desuso.

“Obrigado”, então, é facilmente substituído por “valeu”, “falou”, “show”, “devo esta”, etc.
Os membros da família andavam em bloco, unidos, e havia um chefe instituído a representar e a defender o contingente. Essa conduta permitia aspectos positivos não somente para eles como para a sociedade.

Nestes tempos, há a dispersão da família e o seu enfraquecimento, o que interfere no tecido social. Evidentemente, que a necessidade de correr atrás das oportunidades contribui para a desagregação. Os horários e os interesses são diferentes, o transporte nas grandes cidades é perverso, afastando os encontros, e, apesar das facilidades de comunicação, o tempo disponível é cada vez menor.  

A lufa-lufa separa as pessoas e faz com que elas vivam correndo, sem calma para os entendimentos, para a compreensão e para dar o respeito esperado. Sei que em tempos de pouco dinheiro o que vale é conquistá-lo. Aí, infelizmente, entra o pega pra capar desmedido!

Os valores básicos da sociedade estão em situação discutível, no mínimo, para não dizer que estão deteriorados. Os ânimos circulam agitados. A insegurança adentra os nossos lares e o trabalho, sem contar as ruas, que estão abandonadas e, ao mesmo tempo, tumultuadas. E, por fim, foi instalado o senso da artimanha, da arrogância, do pulo do gato, da malandragem, etc. 

Vamos ao ponto, no que arrepiou: o mês de março de 2016 não será esquecido! E tem tudo a ver com o aniquilamento dos agentes sociais. Março foi atingido duramente pelas questões negativas abordadas no parágrafo anterior, nos campos da política e da ética. Na verdade, não foram apenas as águas de março que nos atrapalharam, foram os vendavais do disse me disse; do falei isso, querendo dizer aquilo; da questão de foro; do concorda sem tomar para si; do está autorizado, porém, nem tanto; do sou sem assumir; do não conheço; do não vi; do caso precise; do não era meu; do não houve crime; etc.; etc. 

Essas desculpas esfarrapadas representam o que todos nós pensamos e agimos - retrato da Nação. Daí, temos como resultado várias ações desastrosas, de honestidade duvidosa: o voto mal dado, a ganância, o acreditar na impunidade, o entender que o jeitinho abre portas e achar normal fazer porque muitos fazem. Dessa forma, concordo com o pensamento contrário à afirmação de que o brasileiro é bonzinho, educado, hospitaleiro e outras qualidades a nós atribuídas. Estamos longe disso.

O livramento da pele, a qualquer preço, esteve presente, sobre quaisquer sinais de fogo e evidência. Foi um salve-se quem puder! E muita gente endoidou, na fuga apressada da responsabilidade. 
A conduta nos acontecimentos de março e naqueles de antes, com desdobramentos, que dominam a opinião pública desde 2013, além das consequências diretas ruins, indicou diversos agravantes, de repercussão incalculável. Encerramento de empresas, demissão de empregados, interrupção de obras, abandono de residências e até de animais, pois seus donos não tiveram condições de mantê-los. Isso foi e é terrível, sem conseguirmos estimar quando haverá conserto.

Sem aliviar alguém, erramos todos nós! 

Estamos metidos num grande imbróglio, que nos custará caro para dele sair. 

Então, penso que o bom suporte familiar e a sociedade organizada, com os seus deveres e direitos definidos e respeitados, poderiam ter nos salvado da encrenca reinante, apesar da imposição constitucional, não sendo novidade alguma se assim fosse feito. Mas não deu!

Exemplo negativo foi deixado, quer para a atual, quer para as futuras gerações, disso não se pode fugir. Reparar o que está arranhado é obra para já, de acordo com o rumo certo a traçar.

Finalmente, para entrar no lúdico, pegando leve, apresento a mim mesmo o argumento de que os desacertos vêm de longe; e retiro alguns trechos da letra de Jorge Melodia, Noronha, Marcos Zero e César Ouro, do ano de 2004, do samba-enredo do G.R.E.S. São Clemente (RJ) - “Boi voador sobre o Recife”, que cabem perfeitamente no nosso contexto:

“Era a Corte um rebu
Se ouviu o sururu, vai pra ponte que partiu
Com o laranja endividado
O pedágio foi cobrado, o primeiro do Brasil
O boi voou, começou a roubalheira
A galhofa, a bandalheira, pra chacota nacional
Mas tira o olho, ninguém tasca eu vi primeiro
Tem muito boi brasileiro, pra comer nesse quintal

Onde a zorra vai parar
Eu tô sofrendo, mas eu gozo no final
A São Clemente faz a gente acreditar
Que no Brasil o que é sério é o carnaval”

Ah, não para por aí! O restante do nome da obra dos artistas do samba é “Cordel da Galhofa Nacional”. Que curioso! Tem coerência total com “março de 2016”! 

Alfredo Domingos

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