quarta-feira, 19 de junho de 2019

A mulher da fotografia


Estava em um sebo, na Rua 1º de Março, Centro do Rio, num descanso de almoço, fuçando os exemplares.

Deparei, de repente, com "Anarquistas, Graças a Deus", da Zélia Gattai, edição de 1979.

Raridade. Foi muita tentação. Tive que comprar. O livro está esgotado, pelo o que sei.

Ao chegar a casa, à noite, foi que encontrei a foto, em uma página qualquer.

A foto, 3x4, em preto e branco, esmaecida, de meio corpo, é de uma mulher de 30 a 40 anos, Não consigo bem avaliar a sua idade. Talvez a sabedoria feminina seja mais precisa.

Possui sorriso leve, sem semblante marcante. Ela usa um  blusa e cabelos antigos, tipo anos 1960/70, aquela com gola pontuda, em estampa discreta, cores claras, e aqueles com o corte lembrando as mesmas décadas, de acentuado repartido do lado esquerdo da cabeça. Não estão visíveis brincos nem pintura no rosto. É só isto de concreto. O resto fica por conta da imaginação.

Arquitetei uma história, para chamar de minha.

Comecei com o meu interesse pela figura da foto, pois deitado na cama de solteiro, de madrugada, rolando de cá para lá, não a tirava da cabeça, e dos dedos. Revirava a imagem como se fosse possível desmascarar o seu interior. Uma absurda curiosidade tomou conta de mim. Quem seria ela? Fazia o quê? Solteira? Casada? Onde morava?

E outras perguntas tomaram corpo: por que a foto estava no livro? Esquecimento? Para marcar a página? Teria sido colocada por ela ou por outra pessoa?

Meu Deus! Quantas dúvidas!
Virou obsessão. Não! Mais que isto. Desatino!

Cheguei a frequentar o tal sebo. Na hora do almoço e no momento em que deixava o trabalho. Sabe qual era o intento? Que ela aparecesse. Juro. Sei lá como. Rompendo a porta, decidida, linda, mesmo contando com o tempo que passou, desde o clique que marcou a pose. Cheguei a imaginar que surgiria de um livro qualquer, em carne e osso, igual ao gênio da lâmpada. Até, investiguei em outros livros. Será que alguém saiu distribuindo fotos pelos livros em exposição?

Coitado de mim! Desavisado sonhador.

Ainda não cansei. Cumpro a rotina, ou sina, há dezoito meses.

Em que estado me tornei. Um esperançoso do nada, de ninguém.

Provavelmente, uma história sem fim. A não ser que eu entregue os pontos. Aborreça-me desta espera infindável, tal qual a história.

A foto, porém, será para sempre. Mantenho-a no interior do livro, no seu prefácio, colada, com o sorriso enigmático que não me deixa.

Alfredo Domingos

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