Estava em um sebo, na Rua 1º de Março, Centro do
Rio, num descanso de almoço, fuçando os exemplares.
Deparei, de repente, com "Anarquistas,
Graças a Deus", da Zélia Gattai, edição de 1979.
Raridade. Foi muita tentação. Tive que comprar.
O livro está esgotado, pelo o que sei.
Ao chegar a casa, à noite, foi que encontrei a
foto, em uma página qualquer.
A foto, 3x4, em preto e branco,
esmaecida, de meio corpo, é de uma mulher de 30 a 40 anos, Não consigo bem
avaliar a sua idade. Talvez a sabedoria feminina seja mais precisa.
Possui
sorriso leve, sem semblante marcante. Ela usa um blusa e cabelos antigos,
tipo anos 1960/70, aquela com gola pontuda, em estampa discreta, cores claras,
e aqueles com o corte lembrando as mesmas décadas, de acentuado repartido do lado
esquerdo da cabeça. Não estão visíveis brincos nem pintura no rosto. É só isto
de concreto. O resto fica por conta da imaginação.
Arquitetei uma história, para
chamar de minha.
Comecei com o meu interesse
pela figura da foto, pois deitado na cama de solteiro, de madrugada, rolando de
cá para lá, não a tirava da cabeça, e dos dedos. Revirava a imagem como se
fosse possível desmascarar o seu interior. Uma absurda curiosidade tomou conta
de mim. Quem seria ela? Fazia o quê? Solteira? Casada? Onde morava?
E outras perguntas tomaram
corpo: por que a foto estava no livro? Esquecimento? Para marcar a página?
Teria sido colocada por ela ou por outra pessoa?
Meu Deus! Quantas dúvidas!
Virou obsessão. Não! Mais que
isto. Desatino!
Cheguei a frequentar o tal
sebo. Na hora do almoço e no momento em que deixava o trabalho. Sabe qual era o
intento? Que ela aparecesse. Juro. Sei lá como. Rompendo a porta, decidida,
linda, mesmo contando com o tempo que passou, desde o clique que marcou a pose. Cheguei a imaginar que surgiria de um livro qualquer, em carne e
osso, igual ao gênio da lâmpada. Até, investiguei em outros livros. Será que
alguém saiu distribuindo fotos pelos livros em exposição?
Coitado de mim! Desavisado
sonhador.
Ainda não cansei. Cumpro a
rotina, ou sina, há dezoito meses.
Em que estado me tornei. Um
esperançoso do nada, de ninguém.
Provavelmente, uma história
sem fim. A não ser que eu entregue os pontos. Aborreça-me desta espera
infindável, tal qual a história.
A foto, porém, será para
sempre. Mantenho-a no interior do livro, no seu prefácio, colada, com o sorriso
enigmático que não me deixa.
Alfredo Domingos
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