Bromélia,
ainda ressentida da hospedagem ao mosquito da dengue, gritou para o marido,
Fanfarrão:
- Apanha o dinheiro na
burjaca, que está pendurada na chave do armário. Anda rápido.
O marido, do alto do
corpanzil e munido do espavento peculiar, respondeu:
- Calma, não é assim,
estou me livrando do Brando, que subiu na cama.
- Se você não vier logo,
perco a Pantomima, que está por passar. Preciso pagá-la, ainda que com atraso
de dias – explicou a mulher.
Nesse instante, entrou
Taciturno, filho mais novo, com a habitual mudez, mostrando em suas mãos uma
brocha, das grandes, interrompendo temporariamente a discussão. O jovem é
colecionador arraigado de quase tudo: teteias; repiques; chaveiros; canetas;
bonés; caixas de fósforos; canecas; bilboquês; canários em gaiolas; bufos; etc.
Enche-se consigo mesmo e com as coisas que consegue coligir. Basta-se.
- Pronto, por sua causa
perdi a passagem da Pantomima, ela está indo lá, repleta de gestos. Eta,
moleza! Vou ter que esperar o Jazigo, que apenas virá amanhã, se vier, pois é
um “pé na cova”, quase morrendo – olhando pela janela, Bromélia continuou o
desabafo, pra lá de raiventa: - Quer saber? Não tenho mais paciência. É a velha
história: sempre se atrasa, não vê e não se lembra de nada, estando alheio a
tudo. Só me vem com tartufices. Estou convencida de que você não tem jeito.
Deve ser, até, minha culpa. Assumo. O tempo do nosso casamento é maior do que o
seu de solteiro. A sua mãe está isenta.
A cena transcorreu na
casa de praia, no doce bairro de Alfajor, cidade de Altaneira, nos raros
momentos de descanso de hoje. Os velhos bons tempos foram passados ali. Quando
os filhos eram menores, não havia férias, fins de semana e feriados em que
todos não estivessem presentes.
A situação atual da
família, porém, é outra, diante da escassez de recursos. A realidade não
comporta excessos. Os prazeres são cada vez mais incomuns.
Os filhos são três:
Taciturno, já apresentado pela intromissão, Ermitão e Brisa.
Ermitão deixou os
estudos de “luthier”, abandonou os pinhos e embrenhou-se pelo interior, até que
deu com os costados em uma ermida, iniciando-se na ajuda ao sacerdote local. Na
verdade, esforça-se para não ser um leguelhé, mas o contexto não lhe é
favorável. Nos “antigamentes”, viajava muito, ficando ausente por períodos
extensos, o que provocou o seu afastamento do convívio familiar, principalmente
dos espalhafatos de Fanfarrão.
Ao tentar analisar o
último dos filhos, vale indicar que Brisa é indomável. Locomove-se sem ser
percebida, é fugaz. Parece estar em vários lugares em um só instante. Esbanja
leveza em sua presença. Sabe ser receptiva e delicada. Merece o apelido que
tem: Benfazeja.
Presentemente, com a
perda do emprego na fábrica de astrolábios, Fanfarrão ficou sem rumo. Passou a
dedicar-se ao artesanato de onomatopeias, o que lhe toma muito tempo,
consumindo-lhe, inclusive, os sábados e domingos, além de produzir
intermitentes sons ao labutar. Dedicar-se ao lazer ficou difícil, não havendo
oportunidade para os jogos de celeuma com os amigos. Menos mal, porque dava
muita disceptação.
Resta a ele, na reclusão
do banheiro, cantarolar: “bulimia, aqui me tens de regresso; e arrogante te
peço a minha nova refeição...”
A mulher, que não
trabalhara antes, colocou-se a fazer pilhérias e peripécias para aumentar a
renda. A venda lhe impõe mirabolantes sacrifícios. É dureza! Ainda bem que
conta no empreendimento com a prima Lambreta, para percursos de poucos
quilômetros. Quando esta falta, a colaboração parte da velha amiga Lamborghini,
de resistência muito maior, que propicia trajetos mais longos.
Tia Estrepitosa,
escandalosa, mas caridosa e carinhosa (e tudo o mais positivo que tiver “osa”),
amofinada com a penúria financeira dos queridos, resolveu doar, vindas do
sítio, compotas de mandinga. Umas, para variar o gosto, levam pitadas de
engodo. São obtidos uns bons trocados pela iguaria, felizmente!
É preciso superar as
dificuldades. Uma das qualidades dos seres humanos é a adaptação, embora haja
sempre resistência às mudanças. A união das características de cada membro da
família, contudo, é boa medida para a recuperação, para emergir dos momentos de
agruras.
Fanfarrão
insere alegria e simplicidade. Bromélia é bom exemplo de resistência, sabendo
guardar para quando faltar. Taciturno, introspectivo, pode revelar-se um
pesquisador. Ermitão, com suas experiências de se virar sozinho pelo mundo
afora, tem o que somar quando o empreendedorismo se faz necessário. Brando
presencia a tudo em silêncio, somente latindo quando incomodado. Finalmente,
deixada por último de propósito, Brisa distribui frescor e inocência, elementos
necessários ao desempenho dos demais.
Alfredo Domingos
Alfredo Domingos
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