sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Para tudo acabar na sexta-feira


- Cidinha, Cidinha, tá vendo a televisão? Vem ver a notícia sobre o carnaval na Cidade.
Assim, Rosilda entrou na casa da vizinha aos gritos, chamando a atenção.
 - Que doideira é essa? Tô com comida no fogo, superocupada.
 - Afinal, qual o motivo da aflição? – desabafou Cidinha, impaciente, balançando os braços. 
- O Prefeito tá dizendo que suspendeu o carnaval no Rio. 
- O quêêê? Não acredito, é coisa de maluco! O carnaval começa amanhã, sábado, e ele quer suspender tudo, hoje? E o desfile das Escolas de Samba, as fantasias e o dinheiro já pago? – acrescentou ela, aturdida, deixando-se cair na poltrona. 
- As fortes chuvas, as enchentes na cidade, as mortes e as pessoas desabrigadas foram os motivos apresentados pelo homem, para decretar luto e suspender as festas oficiais, promovidas pela Prefeitura. Até os blocos foram impedidos de botar o bloco na rua. 
 A alegria deu lugar à tristeza. A ilusão da festa desfez-se. As cores sumiram. O cinza tomou conta. A quarta-feira de cinzas foi antecipada. 
- Rosilda, continuo sem acreditar. Todo o trabalho deste ano, pela nossa Escola, foi por água abaixo? Passei noites inteiras naquele maldito barracão, mulher!
- Sim, isso mesmo, por água abaixo, com a chuvada que provocou inundação geral. O sambódromo ficou destruído. Nós não vimos na TV?
 - Caramba! Até a meteorologia conspira contra. Tinha que chover tanto nesta semana, em pleno fevereiro, antes do carnaval? Muito azar! Rodoval deve estar sabendo, e, por isso, bebendo sem parar, num bar. Saiu de manhã, depois do café, e sumiu. Em férias, não para em casa. Se ele não sabe, pior a situação! Terá um troço. Ensaiou meses na bateria. Todo entusiasmado. Coitado!...
- Nem sei o quê dizer, amiga. Tremenda decepção. A Lulu ia sair de passista. Brigou com o namorado, que não queria. Acabou convencendo o peste, para não dar em nada? Esforço desperdiçado.
- Rosilda, não vai ficar assim. Te garanto! A comunidade tem que se rebelar. 
- Ih, não sei, não! Dará certo? Qual o nosso poder? 
- Estou com uma ideia: vamos, primeiro, pedir permissão ao Miguelão – presidente, depois, chamaremos os componentes da Escola, que pudermos achar. Faremos uma reunião na quadra para acertarmos detalhes, todos já fantasiados, e dali partiremos para a Prefeitura. De qualquer forma, desfilaremos, danem-se todos! Cantaremos o samba na porta do Prefeito, enquanto ele não nos atender. Vai que outras Escolas aderem! Será beleza! 
- Cida, não sinto que iremos ganhar essa parada. No Brasil, quando a autoridade resolve, não há quem a faça mudar, ainda mais quando é coisa do povão, que não dá IBOPE. Sei, não! Embora existam forças favoráveis a nós: os turistas, a imprensa, a TV, os hotéis, etc. Em resumo, há muitos interesses.
 - Não importa. Acomodada é que não ficarei. Que isso, moçada? Além de tudo, a chuva até parou. Samba é a alegria do povo. Nossa distração e devoção à Escola. Cadê o Rodoval??? Ele entrará nesta comigo, querendo ou não. Está decidido! Carnaval, minha gente!!!

Dias depois:
- Ô, amiga, aceita um biscoito, um café?
- Não, obrigada.
- Então, conseguimos, não foi? Dobramos o prefeito! Ele cedeu a Avenida Visconde de Ipacaray, fez a interdição e colocou a Guarda-Municipal. Resolvido!
- Na verdade, Cidinha, não foi "aquele" desfile, mas valeu!
- No tanto que Rodoval se empenhou, vou te dizer, ele poderá ser o próximo presidente da Escola; imagino isso, dia e noite. Se for, amiga, serei a primeira-dama. Já pensou? Que chique!...

Atenção! Se vacilarmos, a vaidade invade a cabeça, não é?
Uma situação não obrigatoriamente gera outra. A não ser, que os sonhos ultrapassem, em muito, a realidade.
Cuidado!

Alfredo Domingos

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