terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Sinuosidade de nós

Fonte da imagem: fotografia do autor

Quando criança, eu era magrinho, franzino.
E gaguinho. Depois, como adolescente, fiz concurso para colégio público e não passei. Devido ao peso. Quer dizer, pela falta dele.
Deram-me tempo, fiz regime de engorda, ganhei o que estava faltando, e fui aprovado. A balança nunca mais me incomodou. Nem para um lado, nem para o outro.
A gagueira, sim, acompanhou-me, trazendo dificuldades e constrangimentos.
Em muitas oportunidades, ressenti-me da “liberdade de expressão”, literalmente.
As ideias brotavam, porém, a comunicação escorregava.
Havia trava. A chance de as coisas acontecerem, então, escapava.
Repetia um de tal de “é”, várias vezes, para dar a partida. Pegava no tranco.
É! É! É!... Isto aqui, aquilo outro.
E ao falar, fazia de pressa, atropelando, para não perder o embalo.
O interlocutor devia entediar-se. Fazer pouco caso do que eu tinha a dizer.
Confesso que, em algumas ocasiões, eu percebia a impaciência das pessoas.
Não pensem que não procurei caminhos para mitigar ou eliminar o problema.
Socorri-me das fonoaudiólogas.
Pelejei, e muito!
Adulto, dei uma encorpada fisicamente, mas permaneci sofrendo na conversação.
Das matérias escolares, sempre tive predileção pela Língua Portuguesa. Comento este particular porque daqui a pouco irei fazer uso. Aliás, naquela época, chamavam-na apenas de Português.
O tropeço no expressar, no entanto, conduziu-me em uma direção impensada, e boa.
Se falar era dificultoso, escrever era mais fácil.
Agarrei-me à alternativa. Para tudo usava um bilhete. Um recado.
Levava no bolso não uma joaninha, na caixa de fósforos, como no grupo escolar, mas papelucho e cotoco de lápis. Falava por meio deles. Minhas armas de comunicação.
E a Língua Portuguesa, comentada antes?
Ocorreu o ponto de inflexão.
Em 2005, danei a escrever. Contos, crônicas, poemas, e tudo o mais.
Na mesma época, fiz terapia, acupuntura, RPG e pilates.
Passei a comunicar-me mais e melhor.
Rompi as barreiras.
Ganhei confiança.
Mudei de jeito de ser.
Em 2013, lancei o livro “Existe Vida nas Palavras”.
E a gagueira?
 .
.
.
.
Foi-se!
Abri a tampa.
Destravei-me.
Hoje, falo pelos cotovelos!
Tenho que policiar-me para não ser inconveniente. Interromper os outros, indevidamente.
Agreguei pessoas. Ganhei parceiros de vários tipos.
Escrevo textos, sobre qualquer assunto.
Consulto as gramáticas. Coleciono dicionários.
Socorro-me com uma professora.
Sou rato de sebos. Sócio de livrarias - brincadeira! Mas quase isso, de tanto que as frequento.
Na época da rapidez e da síntese do “WhatsApp”, dou-me ao trabalho, mas com prazer, de escrever bem escritas as minhas comunicações por este veículo, esmerando-me, de propósito, na Língua, na tentativa de fazê-la inteira e respeitada, não entrando pelo pouco caso do “pq”, “vc”, “obg”, “tb”, “rs”, “q” e o indefectível “kkkkk”, que, segundo um professor, coloca-nos adeptos do sódio (sal), representado pelo “K”.
A imagem escolhida para ilustrar este texto reproduz, no tronco do arbusto, a sinuosidade de posturas e de pensamentos, que vamos adquirindo ao longo da vida, em função dos experimentos, da vivência, das loucuras e, também, de outros ingredientes. Acho natural que ocorra o entrelaçamento de muitas coisas, até pela imprevisibilidade das circunstâncias. Há sobressaltos. Afinal, a mesmice cansa.
O mote desta conversa sinaliza para as condições de conhecer-se, correr atrás das soluções, procurar ajuda, dar volta por cima e insistir sempre, tateando pelos atalhos, para encontrar a estrada certa e segura.

Alfredo Domingos

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