sábado, 11 de abril de 2015

Paciente errado

Vivia de boca amarga e com dor de cabeça incomodativa, além de alguns desconfortos na altura da barriga. Cidinha procurou o médico. Realizou a tal bateria de exames. Ficou, então, sabendo de que precisava de cirurgia na vesícula.
Virou-se daqui e dali para resolver a questão do plano de saúde modesto, frequentemente rejeitado, na procura de um hospital que o aceitasse.
Finalmente, tudo se arranjou e foi marcada a intervenção.
Entrou em cena o marido, aprontador de várias encrencas, figurinha carimbada como dizíamos antigamente, nos tempos da brincadeira de bafo.
Babinha, apelido dado desde novo ao anão Rodolfo, em função da lábia para alcançar seus intentos, encheu-se de brio para acompanhar a “patroa”. Malandro escolado, não permitiu a outra pessoa o papel de guardião. Ofereceu-se de pronto para estar com a mulher no internamento.
No dia marcado, providenciada a internação hospitalar, Babinha postou-se ao lado da cama, com pose de fiel escudeiro, lançando mão de um pano para enxugar a testa de Cidinha. Ela até achava graça por tanto desvelo.
O marido ficou atento à preparação, não se desgrudando do leito. Chegou, porém, a hora de dar o famoso “sossega-leão”, sublingual, à paciente. Procedimento este anterior à ida para o centro cirúrgico. Foi recomendado que ela ficasse deitada, pois o efeito seria forte. Bater e valer!
Com o comprimido já se desfazendo na boca, lembrou-se Babinha de dar aquele beijo de despedida temporária e de boa sorte. Não poderia deixar de comparecer com o apoio. Imagine se iria perder a chance de marcar a presença?
Na ponta dos pés, esticando-se todo para compensar o pequeno tamanho, aprontou os beiços e tascou um caloroso beijo, apaixonado. Varreu amorosamente a boca de Cidinha, fazendo o “língua com língua”.
Em seguida, a paciente foi conduzida à cirurgia.
De começo, Babinha acelerou-se a rezar pela boa condução dos procedimentos. Sua fé estava no espiritismo, mas, nas aflições, recorria a qualquer religião. Pai-Nosso e Ave-Maria eram proferidos sem recato, com uma das mãos voltada aos Céus, no pedido de proteção. Porém, sem se esquecer de segurar a guia espírita com a mão restante.
Em pouco tempo, contudo, foi ficando sonolento, estranhamente. De pé, ainda, viu-se perdendo as forças. Entendeu que era melhor buscar amparo no sofá do acompanhante. Jogou-se como conseguiu.
De certo, absorvera a substância receitada à mulher. Claro! Na ânsia do beijo, distraiu-se, e de quebra ganhou a pré-anestesia desnecessária. Tanto que desejava participar, que acabou comprometido. Mergulhou no sono absoluto, em situação de derrota total. A soberba foi por água abaixo!  
Cidinha safou-se do mal que lhe perturbava a vida, teve a cirurgia bem-sucedida, e voltou ao quarto. Ficou surpresa em verificar que o acompanhante estava entregue aos braços de Morfeu, desligado da tomada. Ressonava. Nada o acordou.
Coube à Cidinha conformar-se, balançando a cabeça com a expressão do tipo “que papelão, hein?”. Foi assistida pelas enfermeiras até o dia seguinte. Nada lhe faltou, graças a Deus! Caso dependesse de Babinha, a coitada estaria em maus lençóis.
Noite bem resolvida. Manhã clara!
Cidinha ficou pronta para a alta. Poderia deixar o hospital a qualquer momento. Mas não o fez. O que a impedia? Cabe a pergunta, sem dúvida.
Babinha era justamente o elemento atrapalhante. O sujeito, ainda dormindo, permanecia alheio a tudo.
Problema criado, solução dada. O paciente certo ficou liberado para ir embora, mas o paciente errado deveria obter condições para se ausentar com as próprias pernas, saindo da sonolência profunda.
Mas a circunstância embaraçosa, ainda, levantou importante detalhe: o beneficiado pelo plano de saúde não mais necessitava dele. Quem dependia de internação era inoportunamente outro, não autorizado pelo convênio médico.
O quê fazer? Diga, aí, se for capaz!
Alfredo Domingos

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