Vivia de boca
amarga e com dor de cabeça incomodativa, além de alguns desconfortos na altura
da barriga. Cidinha procurou o médico. Realizou a tal bateria de exames. Ficou,
então, sabendo de que precisava de cirurgia na vesícula.
Virou-se
daqui e dali para resolver a questão do plano
de saúde modesto, frequentemente rejeitado,
na procura de um hospital que o aceitasse.
Finalmente,
tudo se arranjou e foi marcada a intervenção.
Entrou em
cena o marido, aprontador de várias encrencas, figurinha carimbada como
dizíamos antigamente, nos tempos da brincadeira de bafo.
Babinha,
apelido dado desde novo ao anão Rodolfo, em função da lábia para alcançar seus
intentos, encheu-se de brio para acompanhar a “patroa”. Malandro escolado, não
permitiu a outra pessoa o papel de guardião. Ofereceu-se de pronto para estar
com a mulher no internamento.
No dia
marcado, providenciada a internação hospitalar, Babinha postou-se ao lado da
cama, com pose de fiel escudeiro, lançando mão de um pano para enxugar a testa
de Cidinha. Ela até achava graça por tanto desvelo.
O marido
ficou atento à preparação, não se desgrudando do leito. Chegou, porém, a hora
de dar o famoso “sossega-leão”, sublingual, à paciente. Procedimento este anterior
à ida para o centro cirúrgico. Foi recomendado que ela ficasse deitada, pois o
efeito seria forte. Bater e valer!
Com o
comprimido já se desfazendo na boca, lembrou-se Babinha de dar aquele beijo de
despedida temporária e de boa sorte. Não poderia deixar de comparecer com o
apoio. Imagine se iria perder a chance de marcar a presença?
Na ponta dos
pés, esticando-se todo para compensar o pequeno tamanho, aprontou os beiços e
tascou um caloroso beijo, apaixonado. Varreu amorosamente a boca de Cidinha,
fazendo o “língua com língua”.
Em seguida, a
paciente foi conduzida à cirurgia.
De começo,
Babinha acelerou-se a rezar pela boa condução dos procedimentos. Sua fé estava
no espiritismo, mas, nas aflições, recorria a qualquer religião. Pai-Nosso e
Ave-Maria eram proferidos sem recato, com uma das mãos voltada aos Céus, no
pedido de proteção. Porém, sem se esquecer de segurar a guia espírita com a mão
restante.
Em pouco
tempo, contudo, foi ficando sonolento, estranhamente. De pé, ainda, viu-se
perdendo as forças. Entendeu que era melhor buscar amparo no sofá do
acompanhante. Jogou-se como conseguiu.
De certo,
absorvera a substância receitada à mulher. Claro! Na ânsia do beijo,
distraiu-se, e de quebra ganhou a pré-anestesia desnecessária. Tanto que
desejava participar, que acabou comprometido. Mergulhou no sono absoluto, em
situação de derrota total. A soberba foi por água abaixo!
Cidinha
safou-se do mal que lhe perturbava a vida, teve a cirurgia bem-sucedida, e
voltou ao quarto. Ficou surpresa em verificar que o acompanhante estava entregue
aos braços de Morfeu, desligado da tomada. Ressonava. Nada o acordou.
Coube à
Cidinha conformar-se, balançando a cabeça com a expressão do tipo “que papelão,
hein?”. Foi assistida pelas enfermeiras até o dia seguinte. Nada lhe faltou,
graças a Deus! Caso dependesse de Babinha, a coitada estaria em maus lençóis.
Noite bem
resolvida. Manhã clara!
Cidinha ficou
pronta para a alta. Poderia deixar o hospital a qualquer momento. Mas não o fez.
O que a impedia? Cabe a pergunta, sem dúvida.
Babinha era
justamente o elemento atrapalhante. O sujeito, ainda dormindo, permanecia
alheio a tudo.
Problema
criado, solução dada. O paciente certo ficou liberado para ir embora, mas o
paciente errado deveria obter condições para se ausentar com as próprias pernas,
saindo da sonolência profunda.
Mas a circunstância
embaraçosa, ainda, levantou importante detalhe: o beneficiado pelo plano de
saúde não mais necessitava dele. Quem dependia de internação era inoportunamente
outro, não autorizado pelo convênio médico.
O quê fazer?
Diga, aí, se for capaz!
Alfredo
Domingos
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