quarta-feira, 8 de abril de 2015

Ponto de encontro (dos amigos, do papo e da bebida)

Local mais democrático não há: o bar (vulgo boteco). Ponto de encontro do pessoal do copo, da turma dos beliscos e de quem gosta de papear. Sou assíduo frequentador. Vou, até, sozinho e lá me enturmo. Gosto do ambiente. Gosto do falatório que é para ser baixo, restrito, e acaba, pelo conjunto, sendo alto, fora do controle. Ali, como e bebo sem dar satisfação. Trajo-me de qualquer jeito, e está tudo bem. A democracia impera.

Podem ser encontrados todos os tipos. Sei lá, quem chegar será bem-vindo. As pessoas têm a mesma representatividade. Ninguém pode mais ou menos. A bermuda e o copo igualam os presentes. A conversa é que dá o tom e a bebida faz o traço de união (como no hino vascaíno).  É sentar e pedir a cerva bem gelada ou a branquinha (também pode misturar os dois). Isso no início, porque depois o garçom nem precisa ser chamado, já vem trazendo. Um amigo diz que o bom garçom não precisa de convocação e muito menos de oferecer, traz a bebida e pronto. 

O bar, por mais pé-sujo que seja, tem o seu charme. Atrai o cliente por si só. Às vezes, somente pela localização, consegue fazer com que os frequentadores sejam fiéis. Fica próximo a um estádio de futebol, ao lado de uma Escola de Samba ou vizinho de uma faculdade.  Mesmo que a decoração seja “démodé”, com azulejos coloridos, paredes em cores conflitantes, espelhos sem gosto, cartazes escritos a mão, anunciando os pratos do dia, o estabelecimento consegue marcar posição, transbordar de aficionados. O bar parece ter um solo santo. Há pessoas que se benzem ao adentrarem. Caso tenha o Santo colocado na parede, aí a coisa não pode dar errada. Estamos abençoados. São Jorge tem a preferência. Não faltam as velas, os copinhos com café e as moedas aos seus pés. A casa é mantida pelo emocional das pessoas. O estado de espírito reinante dá a voga. Fica tudo propício a acontecer. Desde o início de namoro às apostas, passando pelas brigas acaloradas, normalmente motivadas por futebol ou por cobrança de dívida. O espaço reúne vizinhos, parentes e colegas de trabalho. A conversa vadia flui sem limites, indo pelo caminho da brincadeira, da fofoca e, às vezes, da cobiça à mulher do próximo (não está excluída a cobiça ao marido da próxima, OK?). Acontecem as discussões sobre o último jogo do Maracanã ou do Engenhão, aqui no Rio, os comentários sobre a novela e as críticas à política e à corrupção. É gente que se comporta com simplicidade, dizendo o que dá na veneta, rindo quando há motivo e chorando no embalo da tristeza ou do pileque. Sobram humor, zombaria e amizade. Pode rolar de tudo: declaração de amor, música ao vivo, venda de rifa, lista de casamento, vaquinha para remédio, e, até, infelizmente, contribuição para enterrar o companheiro.

Faço pausa para discordar do mestre Aurélio. No seu dicionário, o verbete “pé-sujo” tem como explicação: “botequim de ínfima categoria”; do que reclamo veementemente. A categoria do pé-sujo é grandíssima! Acaba com ele para ver o que acontece. Praticamente, eclodirá uma revolta! Não mais a da Armada, a da Chibata ou a do Quebra-Quilos, mas a dos Pinguços Sem Pai e Mãe a reclamarem contra a falta da “marvada”.

Geralmente, os aspectos de apresentação e limpeza não são notados. Não há tempo para isso. Ninguém repara. É importante, tão somente, que a cerveja esteja gelada e os acepipes honestos. O estado do banheiro ainda sofre alguma crítica, mas o que vale é poder ser usado “naquela” necessidade urgente.

É grande o meu interesse por nomes. Aprecio lembrar-me dos nomes pitorescos dos botequins. Gosto destes: Bar... Bantinho, Bar... Quinho, Bar... Bicha, Bar da Morena, Bar da Mulata, Boteco do Zé Mané, Boteco do Tutuquinha, Bar do Alemão, que na verdade é do português Joaquim, Botequim do Pelado, Botequim do Coxo (mancava o coitado do Sandoval), Bar Entra Quem Quer, e outros. Lá, na minha Tijuca, existem vários. Despojados, atraem gente de todos os lados e desejos.

As iguarias (considero os pratos servidos, ainda que simples, verdadeiras iguarias) também são variadas, repletas de engenhosidade. Geralmente atendem ao paladar popular, no campo dos tira-gostos. Estão longe de serem “diet” ou “light”, ao contrário, carregam toneladas de gordura, porém, seduzem a galera. Constam dos cardápios: torresmo, jiló frito, ovo cozido colorido, sardinha frita, que fica exposta beijando o vidro da vitrine do balcão, carne-seca desfiada, pastéis e empadas de inúmeros recheios, batatinha, variados escondidinhos, linguiça acebolada, mirabolantes sanduíches e os maravilhosos caldos - feijão, mocotó, ervilha, batata-baroa e muitos outros mais. Em especial, sou fissurado por omeletes. O Bar Paladino, no centro do Rio, prepara uma omelete mista que é dos deuses. Lá, não consigo pedir outra coisa. Com se diz: é de comer ajoelhado, agradecendo aos céus pela dádiva.

O boteco assume o papel de facilitar o entendimento e os negócios das pessoas. Longas conversas são postas literalmente à mesa e acabam dando solução aos problemas, que existiam ou não. É um laboratório para o bem-viver. Trata-se de passaporte para a compreensão da própria vida e a da comunidade. A pessoa deixa de ser ensimesmada. 

Não aceito a desculpa de que ali é local de perdição e vício. Só se perde quem é mesmo torto de nascença. A bebida atua, mas não aniquila. A comida pode enjoar, dar azia, mas não entrega ninguém ao Senhor.

Então, amigo, vamos brindar a cada esquina e abraçar o parceiro como se fosse a última vez! Por que não?

Alfredo Domingos

Nenhum comentário:

Postar um comentário