Local mais democrático não há: o bar (vulgo boteco). Ponto de encontro do
pessoal do copo, da turma dos beliscos e de quem gosta de papear. Sou assíduo
frequentador. Vou, até, sozinho e lá me enturmo. Gosto do ambiente. Gosto do
falatório que é para ser baixo, restrito, e acaba, pelo conjunto, sendo alto,
fora do controle. Ali, como e bebo sem dar satisfação. Trajo-me de qualquer
jeito, e está tudo bem. A democracia impera.
Podem ser encontrados todos os tipos. Sei lá, quem chegar será bem-vindo.
As pessoas têm a mesma representatividade. Ninguém pode mais ou menos. A
bermuda e o copo igualam os presentes. A conversa é que dá o tom e a bebida faz
o traço de união (como no hino vascaíno).
É sentar e pedir a cerva bem gelada ou a branquinha (também pode
misturar os dois). Isso no início, porque depois o garçom nem precisa ser
chamado, já vem trazendo. Um amigo diz que o bom garçom não precisa de
convocação e muito menos de oferecer, traz a bebida e pronto.
O bar, por mais pé-sujo que seja, tem o seu charme. Atrai o cliente por
si só. Às vezes, somente pela localização, consegue fazer com que os
frequentadores sejam fiéis. Fica próximo a um estádio de futebol, ao lado de
uma Escola de Samba ou vizinho de uma faculdade. Mesmo que a decoração seja “démodé”, com
azulejos coloridos, paredes em cores conflitantes, espelhos sem gosto, cartazes
escritos a mão, anunciando os pratos do dia, o estabelecimento consegue marcar
posição, transbordar de aficionados. O bar parece ter um solo santo. Há pessoas
que se benzem ao adentrarem. Caso tenha o Santo colocado na parede, aí a coisa
não pode dar errada. Estamos abençoados. São Jorge tem a preferência. Não
faltam as velas, os copinhos com café e as moedas aos seus pés. A casa é
mantida pelo emocional das pessoas. O estado de espírito reinante dá a voga.
Fica tudo propício a acontecer. Desde o início de namoro às apostas, passando
pelas brigas acaloradas, normalmente motivadas por futebol ou por cobrança de
dívida. O espaço reúne vizinhos,
parentes e colegas de trabalho. A conversa vadia flui sem limites, indo pelo
caminho da brincadeira, da fofoca e, às vezes, da cobiça à mulher do próximo
(não está excluída a cobiça ao marido da próxima, OK?). Acontecem as discussões
sobre o último jogo do Maracanã ou do Engenhão, aqui no Rio, os comentários
sobre a novela e as críticas à política e à corrupção. É gente que se comporta
com simplicidade, dizendo o que dá na veneta, rindo quando há motivo e chorando
no embalo da tristeza ou do pileque. Sobram humor, zombaria e amizade. Pode
rolar de tudo: declaração de amor, música ao vivo, venda de rifa, lista de
casamento, vaquinha para remédio, e, até, infelizmente, contribuição para
enterrar o companheiro.
Faço pausa para discordar do mestre Aurélio. No seu dicionário, o verbete
“pé-sujo” tem como explicação: “botequim de ínfima categoria”; do que reclamo
veementemente. A categoria do pé-sujo é grandíssima! Acaba com ele para ver o
que acontece. Praticamente, eclodirá uma revolta! Não mais a da Armada, a da
Chibata ou a do Quebra-Quilos, mas a dos Pinguços Sem Pai e Mãe a reclamarem contra
a falta da “marvada”.
Geralmente, os aspectos de apresentação e limpeza não são notados. Não há
tempo para isso. Ninguém repara. É importante, tão somente, que a cerveja
esteja gelada e os acepipes honestos. O estado do banheiro ainda sofre alguma
crítica, mas o que vale é poder ser usado “naquela” necessidade urgente.
É grande o meu interesse por nomes. Aprecio lembrar-me dos nomes
pitorescos dos botequins. Gosto destes: Bar... Bantinho, Bar... Quinho, Bar...
Bicha, Bar da Morena, Bar da Mulata, Boteco do Zé Mané, Boteco do Tutuquinha,
Bar do Alemão, que na verdade é do português Joaquim, Botequim do Pelado, Botequim
do Coxo (mancava o coitado do Sandoval), Bar Entra Quem Quer, e outros. Lá, na
minha Tijuca, existem vários. Despojados, atraem gente de todos os lados e
desejos.
As iguarias (considero os pratos servidos, ainda que simples, verdadeiras
iguarias) também são variadas, repletas de engenhosidade. Geralmente atendem ao
paladar popular, no campo dos tira-gostos. Estão longe de serem “diet” ou
“light”, ao contrário, carregam toneladas de gordura, porém, seduzem a galera.
Constam dos cardápios: torresmo, jiló frito, ovo cozido colorido, sardinha
frita, que fica exposta beijando o vidro da vitrine do balcão, carne-seca
desfiada, pastéis e empadas de inúmeros recheios, batatinha, variados
escondidinhos, linguiça acebolada, mirabolantes sanduíches e os maravilhosos
caldos - feijão, mocotó, ervilha, batata-baroa e muitos outros mais. Em
especial, sou fissurado por omeletes. O Bar Paladino, no centro do Rio, prepara
uma omelete mista que é dos deuses. Lá, não consigo pedir outra coisa. Com se
diz: é de comer ajoelhado, agradecendo aos céus pela dádiva.
O boteco assume o papel de facilitar o entendimento e os negócios das
pessoas. Longas conversas são postas literalmente à mesa e acabam dando solução
aos problemas, que existiam ou não. É um laboratório para o bem-viver. Trata-se
de passaporte para a compreensão da própria vida e a da comunidade. A pessoa
deixa de ser ensimesmada.
Não aceito a desculpa de que ali é local de perdição e vício. Só se perde
quem é mesmo torto de nascença. A bebida atua, mas não aniquila. A comida pode
enjoar, dar azia, mas não entrega ninguém ao Senhor.
Então, amigo, vamos brindar a cada esquina e abraçar o parceiro como se
fosse a última vez! Por que não?
Alfredo Domingos
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